ANO
10 |
EDIÇÃO
3076
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Há
quase 30 anos, que o 1º de setembro não marca, para mim, apenas o inicio da
Semana da Pátria. Há outra celebração nesta data. Assim, hoje, este blogue faz
uma comemoração muito especial.
Cheguei
pensar, em fazer um estudo acerca de uma figura mal querida no imaginário de diferentes culturas. Desde o filosofar
dos caminhoneiros, ao aprendermos na sabedoria dos para-choques: “Feliz foi Adão que não teve sogra” até
um intelectual que escreveu: “Conscience is a
mother-in-law whose visit never ends” ["A consciência é uma sogra cuja
visita nunca termina” citação atribuída a H. L. Mencken (1880-1956), escritor
estadunidense] há variadas manifestações deste mal querer.
Liba e eu na noite deste sábado, 29AGO2015 |
Não
vou buscar como se deu a construção negativa da figura da sogra. Pois, aqui e
agora, homenagear uma pessoa muito querida que hoje faz 94 anos. Posso narrar
dela o antípoda ao que o senso comum diz da sogra. Preciso policiar-me, para
não fazer aqui uma hagiografia e sim um bosquejar acerca de Liba Juta Knijnik. Ela é minha sogra.
Nos
propósito deste texto não está detalhar a história da menina que nasceu em 01
de setembro de 1921, em Rawa-Ruska, uma aldeia da Galícia, hoje território da
Ucrânia, que, então, era parte da Polônia. Quando a Gelsa e eu este ano
estivemos na Polônia quisemos ir a Rawa-Ruska. Nos desaconselharam com a recomendação
de que não se visita região em guerra.
A
crise que se abatera na Europa, nos anos que antecederam a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), fizera do pai da Liba um desempregado. A mãe, quando
jovem, tinha vivido 10 anos trabalhando nos Estados Unidos. Na América, entre
outros aprendizados, se tornou fluente em inglês. Ao voltar para visitar a
família na Polônia, a conflagração mundial impediu a mãe da Liba de voltar aos
Estados Unidos. Casa, então, na sua aldeia.
Quando
o casal vê aumentadas suas dificuldades de sobreviver na Europa, pai resolve
vir fazer a América. Deixa na Polônia a esposa com três meninas: Liba, Teresa e
Reisla, das quais Liba é a mais velha, com menos de cinco anos. O pai vem para
o Brasil, primeiro para o Rio de Janeiro e Belo Horizonte e depois para Porto
Alegre. Com seu trabalho envia dinheiro para a esposa e filhas na Polônia, para
realizar um sonho: reunir novamente a família na terra que ele já adotara.
Quando Liba tinha nove anos, surge a oportunidade de imigrarem para o Brasil,
onde o pai conseguira uma licença para fazer vir a família. Em 1930, a mãe e as
três meninas deixam a Europa e durante 18 dias cruzam o Atlântico. Liba recorda
que foram dias difíceis, mas permeados de sonhos com uma nova Pátria. Chegam ao
Rio de Janeiro, depois de uma quarentena de 8 dias na ilha das Flores, vêm para
Porto Alegre, onde o pai já estava estabelecido e recebe a mulher e as três
filhas. E a capital do Rio Grande do Sul se torna a cidade do coração da menina
polonesa.
Liba
estudara na Polônia até a quarta série. Lá iniciara seus estudos em uma escola
de freiras católicas e depois estudou em uma escola pública. Chegada a Porto
Alegre Liba é matriculada na Escola de Educação
e Cultura, no final da Oswaldo Aranha, no Bom Fim, que originaria o Colégio
Israelita Brasileiro. Ingressa na terceira série sem saber uma palavra em
português, que aprende junto com iídiche e com o hebraico. Das três línguas
duas eram completamente novas para ela e de iídiche, mesmo que fosse a língua falada
por seus pais, nunca havia aprendido sua escrita. Nos cálculos de aritmética
levava vantagem sobre seus colegas, pois os faz em polonês, sua língua materna.
Os pais, não sem sacrifícios, conseguem uma professora para ensinar português
para as três meninas. Em 1931 e 1932, Liba faz a 3ª e a 4ª séries no Colégio
Israelita e, em 1933 e 1934,
a 5ª e a 6ª séries no Grupo Escolar Paula Soares.
Em
1935 realiza um sonho: ser normalista para tornar-se professora primária.
Ingressa, por seleção pública, na Escola Normal General Flores da Cunha , o
Instituto de Educação. Em 1937 concluí o curso. Com 16 anos a menina que há 7
anos chegava a Porto Alegre sem saber uma palavra em português era uma
professora destacada.
Agora
Liba é uma profissional. Inicia suas atividades de magistério, em 1938, na
escola onde começara como aluna no Brasil: o Colégio Israelita Brasileiro. Um
ano depois, começa trabalhar no Colégio Batista. Primeiro como auxiliar da
Escola Infantil para logo em seguida tornar-se professora de português, à
noite, em um curso de jovens e adultos. Porém, vivia-se a Segunda Guerra
Mundial que interferia na vida da jovem professora. Uma estrangeira não podia
lecionar Português, História e Geografia do Brasil. A Inspetora Professora vem
ao Colégio Batista e faz um termo assumindo a responsabilidade e autoriza Liba
a lecionar. Um excelente exemplo de superação da burocracia com bom senso.
Aos
18 anos, em 1940 naturaliza-se brasileira e em 1943, mesmo já sendo professora
há seis anos, presta os exames do Artigo 100 para regularizar sua situação
escolar pertinente ao ensino fundamental. Integra-se fortemente no país que o
seu pai escolhera como a nova Pátria.
Em
22 de junho de 1946, Liba realiza um novo sonho de mulher. Contrai núpcias,
para usar uma expressão dos registros sociais de então, com Ruben Knijnik, um
jovem promissor estudante de medicina, já muito conceituado e pertencente a uma
das famílias mais influentes da comunidade judaica gaúcha. Era um pouco a
história da menina pobre que casa com o moço rico. A senhorita Weissblüth se
torna a Senhora Knijnik. Isso é significativo na ascensão social da jovem
professora.
A
maternidade, que no primeiro lustro dá ao jovem casal três filhas, não priva o
magistério da professora entusiasmada. Conjuga as condições de esposa recém
alçada a outra estatura social e de mãe sempre extremosa, com um continuado ser
professora.
Se
este texto, que busca trazer ilustrações sobre uma mulher educadora tivesse
apenas um segmento, seria este em que se precisaria buscar as mais fortes
tonalidades na palheta de fazeres da Liba. Foi no Instituto de Educação, I.E.,
no entorno em que a instituição ícone de formação de professoras e professores
primários no Rio Grande do Sul se fazia centenária, que Liba fez história e
ajudou mudar a história da casa de ensino a qual se dedicou muito intensamente.
Ser formadora de professoras e professores, por mais de um quarto de século no
Instituto de Educação foi distintivo na carreira de Liba. Nas limitações deste
texto não posso trazer muitos detalhes.
Em
1955, a atarefada professora abre uma nova frente. Quer se preparar ainda
melhor. Faz vestibular para o Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Por sua classificação -
1º lugar -, recebe uma bolsa que
consistia na liberação da regência de classe, mas simultaneamente surge a
oportunidade de tornar-se Professora Assistente de Didática do Curso Normal no
I.E. Mais um grande sonho, então, passa a tornar-se realidade: formadora de
professoras e professores. Não tem dúvidas na opção. Mesmo com três meninas
menores de sete anos, decide cursar a Universidade e assumir o ensino de
Didática, abrindo mão da bolsa de estudos. É assim esposa, mãe, aluna e
professora. Reconhece ter sido esse um período de muito intensas atividades. Em
1957 recebe o título de Bacharel em Pedagogia e em 1958 cola grau como
Licenciada em Pedagogia, tendo obtido média 9,26 nos quatros anos de curso,
classificando-se em 2º lugar.
Em
1960, por razões familiares residiu em Buenos Aires. Então colaborou no Setor
Cultural da Embaixada do Brasil desenvolvendo atividades no Centro de Estudos
Brasileiros. Na mesma oportunidade teve participação na comissão do Ministério
de Educação e Justiça da Argentina encarregada de elaborar um projeto para
formação de professores.
De
volta à Porto Alegre, há um período de grandes atividades no I.E. onde
desempenha as atividades diversas dentro da carreira docente. Em 1979, após a
morte de Ruben, ingressa no Curso de Mestrado do Programa de Pós Graduação em
Educação da UFRGS. Obteve o título de Mestre em Educação, na área de
concentração Ensino com a dissertação “Criatividade no ensino” em 1981.
Na
intensa atividade de ser formadoras de professoras e professores marcada com um
continuado e intenso aperfeiçoamento profissional há uma atividade, entre
muitas, que merece um destaque especial: as Classes laboratórios. Nesse fazer, muito provavelmente, está
a marca que faz Liba uma educadora muito distinguida.
As
Classes laboratórios estão
extensamente documentadas no livro Apostando no Aluno que está comentado
no segmento seguinte. Foi uma tarefa ingente. O livro foi escrito pois a equipe
acreditava que atingiriam colegas que vendo a coragem do grupo teriam coragem
de fazer uma escola mais humana.
Hoje,
mais de 30 anos depois da experiência que marcou a Educação entre março de 1976 a dezembro de 1980,
Liba ainda recorda emocionada a realização e a credita especialmente a um grupo
de colega que com ela teve a coragem de mudar a Escola. Acredito que esse
assunto mereceria ser estudado e poderia ser excelente tema para uma
dissertação ou tese em um Programa de Pós-Graduação em Educação na linha de
História da Educação brasileira.
Não
posso na limitação deste texto me estender em comentários. Trago apenas o meu
encantamento com a experiência e reconhecimento pala coragem que tiveram
aquelas mulheres que há tempo que já se faz distante pesavam em uma Educação
cuja marca era apostar nos alunos e nas alunas.
Talvez
um dos maiores legados que Ruben Knijnik tenha deixado um amor à arte
brasileira contemporânea. Ele era um mecenas das artes e muitos artistas
gaúchos começaram com sua inestimável ajuda financeira. Não é sem razão que em
seu jazigo, no cemitério israelita haja uma linda escultura de Stockinger e na
rua com que a cidade de Porto Alegre o homenageou conste “Médico e Protetor
das Artes”.
Se
alguém tentasse imaginar a agenda da Liba muito provavelmente se enganaria. Sua
mesa de trabalho é sempre plena de livros abertos. Prepara uma fala em alemão
para apresentar no curso de que frequenta. Além deste curso faz curso de inglês
e frequenta uma academia de ginástica.
Está
a par de todas as notícias especialmente daquelas que envolvem a política
nacional. As filhas ainda a fazem, com muita frequência, primeira leitora de
seus textos acadêmicos, aos quais não é apenas competente revisora de língua portuguesa,
mas a crítica arguta dos conteúdos, mesmo que os textos versem sobre
etnomatemática, o filosofar de Wittgenstein ou estudo de algum caso
psicanalítico. Estas leituras a tornam atenta ao que esta acontecendo no mundo
acadêmico, especialmente o que é relacionado com a Educação.
Fiz
tessituras. Juntei fragmentos. Fiz-me um pouco hermeneuta. Produzi um texto que
a cada momento me fez aumentar a minha admiração pela amorável mulher que
esbocei neste ensaio.
Querido Chassot,
ResponderExcluirUma vez lhe disse que meu tema favorito de tuas blogadas são as notícias.
Suas e das tribos Chassot e Knijnik.
Por isso, estou em festa hoje, dia 1º.
Gostei muito da foto e das aproximações à vida tão rica da Liba.
Um grande abraço para você, parabéns para a aniversariante e, talvez até
mais, para tod@s que têm o privilégio da convivência próxima com esta
pessoa tão especial.
Tavinho
Querido amigo!
ResponderExcluirJá estava a sentir falta de tuas falas virtuais, sempre tão carregadas de sentidos e sentimentos.
Então, por favor, retransmita à senhora sua sogra, Liba Juta Knijnik, meus cumprimentos compartilhados.
Hoje, de modo especial, fiz-me acompanhar de tua produção "A Ciência através dos Tempos".
Abraços de festa pela amizade!
Élcio
Sorocaba
01/09/2015
O mundo se humaniza no momento em que o sujeito reconhece o outro e o respeita como outro.
ResponderExcluirE quando se trata de referenciar àquelas pessoas que cuidaram zelosamente por aquele ser que conosco convive matrimonialmente é uma atitude monstruosa para poucos grandes homens.
Querido mestre, sabemos que tudo isto é verdadeiro, tornando este ato mais admirável ainda.
Grande abraço.
He he a tia Liba , minha mãe Laura Lammerhirt era colega dela no IE, junto com tia Lygia, Ilma, Doris enfim tia Liba é adorável um 😘 Célia Lammerhirt
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