Ano 5 | Porto Alegre | Edição 1787 |
No último sábado, dia 18, quando da celebração do “Dia do Químico na esteira do 2011 Ano Internacional da Química, a figura central foi Marie Curie. Citei então três biografias daquela que tem o protagonismo na escolha do 2011-AIQ. Um, Madame Curie, a primeira biografia publicada com 103 páginas, escrita pela filha Eva, e naturalmente laudatória, encartada com outros cinco romances, em um volume da ‘Biblioteca de Seleções (de Reader’s Digest)’ numa edição de 1962; uma segunda: Marie Curie de Robert Reid [Barcelona: Salvat, 1984] e uma terceira: Marie Curie, uma vida de autoria de Susan Quinn [São Paulo: Scipione Cultural, 1997]. Hoje cumpro uma promessa feita há uma semana: faço do último livro citado a dica de leitura sabatina.
QUINN Susan, Marie Curie, uma vida. Original: Marie Curie, a life (Simon & Schuster. Estados Unidos, 1995). Tradução Sonia Coitinho. 526 p. 16 X 23 cm. R$ 89,20, São Paulo: Scipione Cultural, 1997. ISBN 85-262-3190-1
Susan Quinn é uma reconhecida escritora livros de não-ficção e artigos. Nascida em 1940. Ela começou sua carreira de escritora como repórter de jornal, em um subúrbio de Cleveland e foi estagiária em uma companhia teatral. Em 1967, ela publicou seu primeiro livro com o nome de Susan Jacobs: On Stage (Alfred A. Knopf) cerca da produção de uma peça da Broadway. Em 1972, tornou-se colaboradora de uma revista semanal alternativa em Cambridge. O livro Marie Curie, a life foi traduzido para oito idiomas.
Susan Quinn conta na apresentação do mesmo que levou sete anos trabalhando no livro e se diz surpresa que Eva Curie Labouisse tivesse publicado, em 1937, uma biografia da mãe, três anos depois da morte; a filha contestou a admiração de Susan, em 1988: tinha medo que alguém fizesse primeiro e não fizesse direito.
Acerca de Susann Quinn, vale conhecer como ela encerra mais de uma página de agradecimentos na biografia hoje comentada: “Finalmente, agradeço a meu marido, Daniel Howard Jacobs, a quem dedico este livro e que acreditou em mim e apoiou com entusiasmo minha vida como escritora por mais de 30 anos. Como Marie Curie, eu tenho ’eu tenho o melhor marido que se pode sonhar ter’”.
Acredito que já no sábado passado tenha trazido informações acerca de Marie Salomea Sklodowska Curie e, também, no Ciência através dos tempos dou merecido destaque àquela que foi das mais destacadas cientista do século 20. Assim, não cabe, aqui e agora, trazer mais detalhadamente aspectos biográficos. Todos aqueles em volvidos com História e Filosofia da Ciência, usualmente convivemos com o espetacular casal Curie e com Marie uma heroína vitoriosa,
Coloquei na portada uma chamada ”Marie Curie: também cenas dolorosas” que traduz um pouco o que livro de Susan Quinn destaca, desejo, porém, que com isso que se trate de um livro tétrico. Ao contrário, mesmo que alguns mitos se esboroem, em narrativas tão triviais como Pierre não se sensibilizando aos pedidos de uma serviçal doméstica que solicita aumento.
Há também uma releitura daquilo que foi o mais significativo na produção científica, reduzindo o peso exagerado atribuído à descoberta do polônio e do rádio (e à associação deste último ao tratamento do câncer e situando-a, sobretudo, entre os pioneiros da física nuclear e da estrutura do átomo.
Mas há três momentos trágicos na história de Marie Curie que desejo destacar aqui, até para justificar a minha chamada a cenas dolorosas: a) a prematura e trágica morte de Pierre; b) a rejeição de Marie ao acesso à Academia Francesa de Ciências; e c) envolvimento amoroso com Paul Langevin. Não estou incluindo outra marca de dor na historia da menina que quando tinha 10 anos perdeu a mãe tuberculosa.
A perda do esposo: Pierre Curie morreu em 19 de Abril de 1906, ao sair de um almoço na Associação de Professores da Faculdade de Ciências. Pierre nesta reunião ainda defendera a importância do ensino de Ciências na educação básica então com mais ênfase no ensino de literatura. Tinha encontrado Joseph Kowalski, físico polonês da Universidade de Freiburg que 12 anos antes lhe apresentara Marie. Ao sair da reunião chovia, e ele dirigia-se a Sorbonne, passado antes em uma editora, que estava fechada por greve. Foi atropelado por uma carroça tracionada por dois cavalos percherões de cerca de 10 metros com mais de 6 mil quilos. Tentava atravessar a Rue Dauphine em Paris durante uma tempestade. O guarda-chuva pode ter toldado a visão ou estava distraído, envolvido com busca de solução a problemas. Tentou se agarrar a um dos cavalos para não cair, mas terminou derrubado. A sua cabeça foi esmagada por uma das rodas da carroça.Marie tornou-se uma mulher incurável e laconicamente solitária. Eis o que ela escreveu, conforme consta na biografia escrita por sua filha Eva:
"Pierre, meu Pierre, você está aí tranquilo como um pobre ferido que repousa no sono, com a cabeça enfaixada. O seu rosto é suave e sereno. Os seus lábios, que eu costumava chamar de gulosos, estão lívidos e descorados. Que choque terrível deve ter sofrido sua cabeça querida que eu tantas vezes acariciei com as duas mãos. Beijo suas pálpebras, que você costumava fechar para que eu pudesse beijá-las, oferecendo-me a cabeça num gesto tão familiar. Pusemos você no caixão sábado de manhã. Beijamos seu rosto tão frio pela última vez. Espalhamos sobre você pervincas do jardim e um retrato daquela que teve a felicidade de agradar-lhe tanto. (...) Meu Pierre, você não se enganava. Nós fomos feitos para viver um para o outro. Nossa união tinha de ser. Não deixei que o cobrissem com aquele horrível pano negro. Cobri você de flores e fiquei sentada ao seu lado... Tudo está acabado, Pierre dorme o seu último sono debaixo da terra. Isso é o fim de tudo, tudo, tudo"
Muito pouco tempo depois da morte de Pierre surge um problema: quem assumiria a cátedra que fora criada para ele na Sorbonne. O natural seria oferecê-la para esposa, sua principal colaboradora. A ideia era revolucionária. Nenhuma mulher jamais ensinara na Sorbonne, quanto mais ocupar uma cátedra. Apresentou-se uma solução Marie Curie, detentora do Prêmio Nobel de Física, há menos de 2 anos, seria nomeada ‘chargé de cours’ em outras palavras convidava-se Marie para assumir os deveres sem assumir a cátedra.
Em abril de 1907 escreveu em seu diário (referindo-se a Pierre sem mencionar lhe o nome): “Passou-se um ano. Vivo por suas filhas, por seu velho pai. A dor é muda, mais ainda está aí. A carga é pesada sobre meus ombros. Como seria doce dormir e não acordar. Como são jovens as minhas queridas, E como me sinto cansada.”
Rejeição à Academia Francesa de Ciências Quando Marie Curie em 1903 foi laureada
com o Premio Nobel de Física junto com Pierre e Becquerel (este recebeu a metade e os Curie a outra metade) grande parte da imprensa desqualificou a contribuição de Marie a uma simples ‘ajudante’ estrangeira do francês Pierre. Quando em 1911 há uma vaga para Academia Francesa de Ciência e ela feira candidata a imprensa de direita, machista e antei-semítica faz uma campanha ostensiva contra uma mulher e estrangeira na Academia. Os argumentos chegam a ser risíveis. Como uma mulher vai usar o fardão verde e a espada? Se não de bom tom mulheres fazerem visitas a homens, como ela faria para pedir votos. O Institut de France que reúne uma confederação de cinco academis, entre as a de Ciência faz uma tumultuada reunião, na qual não poderia entrar nenhuma mulher sequer como assistente ou jornalista, em 4 de janeiro de 1911 e decide – depois de extensos debates antecedidos na imprensa – por 85 a 60 votos a imutável tradição do instituto: mulher não pode pertencer a Academia.
A Academia de Ciência resolve agir por conta própria e faz uma reunião em 24 de janeiro para decidir a candidatura apresentada de Maria Curie e Edouard Branly, que colaborara com a telefonia sem fio. Como na reunião do Instituto a imprensa se manifestou contra a ajudante estrangeira que ganhara o premio na carona do marido, mesmo que esta já fosse há mais de três anos professora da Sorbonne com continuadas publicações e seu concorrente um cientista aposentada que há muito não publicava. Ele recebe vinte nove votos, Marie Curie vinte e oito e um voto para Marcel Briolouin.
Uma história de amor ‘proíbido’
À desilusão da rejeição à Academia segue-se, ainda em 1911 outro vendaval: Marie Curie envolveu-se amorosamente com o físico Paul Langevin, um professor, como ela, da École de Physique et Chimie.
Paul Langevin (1872-1946) físico francês nascido em Paris. Estudou na École Lavoisier e na École de Fisique et de Chimie Industrielles onde foi supervisionado por Pierre Curie durante suas aulas de laboratório. Estudou na Sorbonne, interrompendo seus estudos durante um ano (1893) por causa do serviço militar obrigatório. Entrou na Ecole Normale Superieure (1894) onde estudou sob orientação de Jean Perrin (1870-1942). Juntou-se a College de France (1902) e tornou-se Professor de Física (1904) e publicou um importante trabalho sobre teoria atômica do paramagnetismo (1905). Poucos anos depois (1909) mudou-se para a Sorbonne, onde ganhou notoriedade por seus trabalhos na estrutura molecular de gases, na análise de emissão secundária de raios-X de metais expostos à radiação e por suas próprias teorias sobre magnetismo. Também é citado como inventor de sonar para detecção de submarinos durante Primeira Guerra Mundial. Depois da primeira guerra mundial dedicou-se a criação de sonares para proteção de navios de linha regular franceses, equipando inicialmente o Ile de France (1928). Por suas opiniões antifascistas foi preso pelos nazistas em Fresnes e depois colocado sob prisão domiciliar em Troyes. Seu genro foi executado e sua filha deportada para Auschwitz, no qual ela sobreviveu, e ele conseguiu escapar para a Suíça (1944). Com a retomada pelos aliados voltou para Paris (1944) onde ficou na direção de sua antiga escola até morrer
Langevin, que vivia um tumultuado casamento com Emma Jeanne Desfosses, com quem se casara em 1898 e com a qual teve quatro filhos, aproximou-se de Marie Curie pouco antes de 1910, após a morte de Pierre Curie. Ao comentar esse episódio, escreveu a biógrafa Susan Quinn:
"O que tornava perigosa a ligação entre Paul Langevin e Marie Curie era o fato de não atender às convenções da Belle Époque. Admitia-se, e até se esperava, que os homens burgueses tivessem uma amante; mas a amante permanecia nos bastidores, permitindo à esposa ficar ao lado do marido, na sociedade educada. Desde que o homem casado fosse discreto e escolhesse esposa e amante que desempenhassem zelosamente seus papéis, ele podia manter um caso, com impunidade. O Código Napoleônico, que endossava o privilégio masculino, era, em tais casos, tolerante com o marido."
Marie Curie era, com efeito, uma amante que discrepava do modelo tolerado, pois estava longe de ser uma mulher a ser escondida, sem recursos, sem aspirações, sem nome, nem personalidade. Configurava-se, desse modo, uma situação em que Paul Langevin deveria renunciar a uma das duas mulheres, sob pena de submeter-se a um vexame, pois, se os casos reservados eram tolerados, os que chegavam ao conhecimento público enxovalhavam todos os envolvidos.
Muito provavelmente por causa dos filhos, Langevin não teve coragem de separar-se de Emma Jeanne, que passou a chantageá-lo com a ameaça de repassar à imprensa cartas que ele escrevera para Marie Curie e, finalmente, entrou com um processo contra ele, por abandono do lar. No dia 4 de novembro de 1911, "Le Journal", um dos diários de maior circulação de Paris publicou matéria de primeira página, com uma foto de Marie Curie e a manchete: UM ROMANCE NUM LABORATÓRIO: O CASO DE MADAME CURIE E O PROFESSOR LANGEVIN;
No dia seguinte, o "Le Petit Journal" falava de Emma Jeanne como uma mãe em prantos, a defender desesperadamente seu lar, mortificada pela opinião pública, desejando perdoar e esquecer, pois estava a processar o marido apenas por causa dos filhos.
Estavam edificadas as bases para uma campanha de difamação e agressões contra Marie Curie, que numa manhã de 1911 levou uma multidão enfurecida para diante de sua residência, a gritar: Abaixo a estrangeira, ladra de marido!
Foi a festa da imprensa sensacionalista, na qual não faltaram insinuações, mentiras, chacotas e até pressões de figuras importantes para que Marie deixasse o país. As discussões do episódio provocaram nada menos que cinco duelos na França, um dos quais envolvendo o próprio Langevin, contra o jornalista Gustave Téry, e no qual nenhum dos dois contendores quis disparar contra o outro.
Foi nesse contexto que, em 7 de novembro de 1911, a Reuters noticiou que Marie acabava de conquistar o Prêmio Nobel de Química de 1911, adicionando-se, este, ao Prêmio Nobel de Física de 1903. Ocorreu então inusitado: um silêncio quase total da imprensa francesa, que seis dias depois iria celebrar como gloriosa a conquista do Prêmio Nobel de Literatura por parte do belga Maurice Maeterlinck, estabelecido na França desde 1896. Um membro da Academia de Ciências, Svante Arrhenius, escreveu-lhe uma carta com a recomendação de que desistisse de aceitar o prêmio. Maria Curie, impassível respondeu que o premio lhe fora dado por seu trabalho científico e nenhuma relação guardava com sua vida particular.
Marie Curie mereceu, porém, muitas manifestações de apoio por parte de cientistas, como Albert Einstein e Ernest Rutherford, e recebeu seu prêmio em Estocolmo, em 11 de dezembro de 1911.
Emma Jeanne e Paul Langevin reconciliaram-se em 1914, e o escândalo terminou. Mais tarde, Langevin teve outra amante, com aquiescência da mulher, mas escolhida segundo o modelo tradicional: uma obscura secretária, sem condições de ultrapassar sua condição de amante.
Esta aí uma boa dica de leitura. O livro de Susan Quinn que em mais de meio milhar traz dados que tentei, com ajuda de diferentes produções em especial o http://ohomemhorizontal.blogspot.com trazer aqui. Um bom sábado e um convite para domingueira especial.