TRADUÇAO / TRANSLATE / TRADUCCIÓN

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

31.- Hoje Dia da Reforma / Dia da Escola

ANO
 11
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
EDIÇÃO
 3220

Hoje — Dia da Reforma — é feriado em alguns munícipios do Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, provavelmente, em outros estados. Vibro quando religiões não hegemônicas conseguem algum feriado. Feriados religiosos nacionais, estaduais e municipais são em sua maioria católicos.
Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero (Eisleben, norte da Alemanha, 1483-1546), um sacerdote católico agostiniano e professor de teologia afixa 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha, as 95 teses contra a venda de indulgências. Na pintura cena da afixação com uma das teses, cujo quinto centenário celebraremos no próximo ano.
Talvez um dos feitos mais significativos de Lutero foi traduzir toda Bíblia para o alemão, em uma edição de 1534. Antes houve outras traduções parciais (especialmente dos evangelhos) em diferentes idiomas.
A Bíblia de Lutero se torna referência na manutenção da ortodoxia nas igrejas reformadas. Ela confere ao alemão o status de língua culta e com isso fortalece o emergente conceito de ‘Estado nação’. Há quem mostre que a língua alemã e mesmo a Alemanha sejam gerados pela existência da Bíblia traduzida por Lutero.
Importância mais significativa desta tradução foi que agora a Bíblia estava acessível a todos (que soubessem ler). Aqui, vale destacar uma ação muito significativa: para ajudá-lo na tradução Lutero fez incursões nas cidades próximas e nos mercados para ouvir as pessoas falando. Ele queria garantir que sua tradução fosse a mais próxima possível da linguagem contemporânea. A tradução de toda a Bíblia em outras línguas (nos anos seguintes surgiram edições em francês, espanhol, tcheco, inglês, neerlandês) foi considerada um divisor de águas na história intelectual da Humanidade.
Os cultos nas igrejas reformadas passaram a ser no vernáculo (nome dado à língua nativa de um país ou de uma localidade), pois além da Bíblia os hinos foram traduzidos (ou produzidos) na língua local. Ocorre que essa inovação não pode ser fruída pela população, que era em sua maioria analfabeta. Criaram-se, então, escolas junto a cada igreja reformada para se ensinar a leitura, assim o povo poderia ler a Bíblia e ler os hinos nos cultos. Assim, ao lado de ser hoje o Dia Reforma, poderíamos celebrar, nesta data, o ‘Dia da Escola’ o grande presente do Renascimento ao mundo Ocidental.
Na educação, o pensamento de Lutero produziu uma reforma global do sistema de ensino alemão, que inaugurou a escola moderna. Seus reflexos se estenderam pelo Ocidente e chegam aos dias de hoje.
A ideia da escola pública e para todos, organizada em três grandes ciclos (fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil nasce do projeto educacional de Lutero. “A d­istinção clara entre a esfera espiritual e as coisas do mundo propiciou um avanço para o conhecimento e o exercício funcional das coisas práticas”.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

26.- Um livro para desacomodar!

ANO
 11
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
EDIÇÃO
 3219

Há um tempo assuntei aqui a realização de noite de autógrafos. Referi que o Professor Guy Barros Barcellos lançava Pædagogia Pharmacœpeia. Prometi que resenharia a obra aqui. Cumpro, agora, o prometido então.
Dentre alguns anúncios que estão na quarta capa, elegi um para título desta edição: “Este é um livro para desacomodar”. Ratifico a informação. Adito mais: o livro desacomoda em conteúdo e em forma.
 Neste novo do livro (em 2013, fôramos brindados com Manual de implantação de museus escolares) se faz em tessituras numa concepção muito original. Isto está já na trazidas do título, que sabe ao medievo, quando apresenta a contração das vogais a e o com a vogal e, para indicar que as duas vogais contraídas com a vogal e são semiabertas. Assim é o Guy: um polímata do século 21, que transita no tempo ao usar palavras ou expressões difíceis, arcaicas e pouco usuais, que domina com erudição de um linguista como se fosse um iletrado aldeão.
Quando leio um livro, de maneira usual pergunto-me. Gostaria (ou não) de ser autor desta obra? A maior parte das vezes minha resposta é sim. Vejo-me, em geral, encantado com as obras dos outros.
Acerca deste, minha resposta é não. O Guy justifica meu convicto não. Quase na abertura ele escreve: “Aprendi com minha mãe que o grande barato de uma tatuagem é arrepender-se, mais tarde, de tê-la feito. Pois bem, este livro é minha tatuagem”.
Todos nós, de vez em vez, nos arrependemos de algo que dizemos e, muito mais, do que escrevemos. Todos temos nossos arrependimentos por tatuagens que, não raro, são irremovíveis. Se eu tivesse escrito Pædagogia Pharmacœpeia estaria arrependido. O aval de Adriana Barros-Woodward assegura-me que não perderei o amigo com esta resenha.
O texto é próprio para um jovem professor que tem arroubos que a maturidade faz fenecer. A máxima que está no clássico Martin Fierro: “O diabo tem mais de diabo, por ser velho do que por ser diabo!” permite inferir que os anos nos conferem a astúcia do capeta. Nosso consciente é dado a vigílias; faz seleções. São os jovens que fazem tatuagens.
O audacioso professor e biólogo diz: “venenos e remédios não curam a doce doença da utopia”. Se utopia for uma doença, ela é como o amor: uma doença com laivos (ou melhor: com traços ou nódoas, para não aderir ao empolado barcellar) de saudades do futuro. É uma doçura ter saudades do futuro. Elas são catalisadores para embalarmos utopias. Mas no livro, Guy anuncia os remédios e os venenos para ser anárquico e, não raro, obsceno em seu livro: purgantes, cataplasmas, unguentos, infusões, pimenta, pólvora... É uma farmacopeia de um ferrabrás ou de alguém dado a bravatas para justificar sua adesão ao feyerabendianismo.
Eis como o autor diz sua Pædagogia Pharmacœpeia: “Constitui-se num conjunto dos meus pensamentos sobre o que eu faço, expressões temporárias, sínteses dentro de garrafas. São páginas para quem deseja se impregnar e intoxicar - sem precisar lambê-las - e lendo minhas ideias tenham suas próprias a partir das discordâncias. É uma biblioteca (das poções) que eu uso para conduzir as crianças, tendo como base de tudo o acolhimento, deixando a pessoa ser o que ela é e o que ela quer ser. Minha modesta farmacopeia é inspirada também no meu bisavô que era farmacêutico, humanista e autodidata.” À referência ao bisavô adito uma homenagem à significativa presença do pai na formação do bisneto de um provável neo-alquimista, a julgar pela parafernália que usava, parte da qual ilustra a capa. O professor e oceanólogo Lauro Barcellos bem ensinou o colecionismo ao gerar um museólogo com expertise.
Se alguém me perguntar como é o gosto de uma laranja, a melhor sugestão é indicação de que é preciso saborear para sabê-la. Como é a Pædagogia Pharmacœpeia? Saboreá-la, é preciso!

BARCELLOS, Guy Barros. Pædagogia Pharmacœpeia. 120 p.; 230 x 158 mm; ISBN 978-85-86466-56-4. Editor: Frederico Leal Manica. Porto Alegre: Cinco Continentes, 2016.
A obra está disponível em Cinco Continentes Editora Ltda. www.5continentes.com.br E-mail: 5continentes@5continentes.com.br Fone 51 3264 1377.
 Exemplares com dedicatória e autógrafo rebuscados podem ser solicitado a guy@barcellos.pro.br

terça-feira, 25 de outubro de 2016

25.- Os jacarandás de minha rua

ANO
 11
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
EDIÇÃO
 3218


Desde que, há mais de dez nos me fiz um bloguista, em extensos tempos de edições diárias ou como agora as espaçando a entre uma e três semanais, tenho a sensação que a cada outubro teço loas aos jacarandás de minha rua. Pensei em buscar edições de outros outubros. Olhei apenas uma.
Vi que há cinco anos escrevi: Eu desfruto um privilégio especial: nesta quadra do ano, vivo sobre os jacarandás. Evidencio isto em algumas fotos que tomei esta semana deste a minha Morada dos Afagos. Elas querem mostrar como o tintar arroxeado torna a cidade ainda mais linda.
Mas nas calçadas de minha rua, se por se estar sob os jacarandás, pisamos sobre as suas flores caídas e estas são, de vez em vez, causadoras de repetidas quedas aos transeuntes.

O texto de 2011 transcrito acima permanece com a mesma atualidade neste 2016. Eu, neste intermezzo, tive há três anos, mais uma queda causada pelas flores em dias chuviscosos.
Esqueço os tombos e ofereço imagens captadas nestes dias. Mas as floradas me encantam nesses dias também anunciam, como há 62 anos. Que na última sexta-feira de outubro se inaugura mais uma feira do livro em Porto Alegre.


terça-feira, 18 de outubro de 2016

18.- Mais uma vez em PORTO VELHO


ANO
 11
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
EDIÇÃO
 3216

Estou mais uma vez na Amazônia, mais precisamente em Porto Velho. A primeira vez que estive aqui foi em 1975 quando a cidade era a capital do então Território Federal de Rondônia (que passou a categoria de Estado em 1986). Fiquei de 6 de janeiro a 6 de fevereiro e participei como professor de Química no Curso de Licenciatura de 1º Grau, que a UFRGS mantinha no seu Campus Avançado de Porto Velho. Essa atividade era parte do Projeto Rondon. Recordo que partimos da Base Aérea de Canoas, em um velho DC-3 da FAB. Era talvez a minha segunda viagem de avião. A viagem era uma operação militar e a fizemos em duas etapas. No primeiro dia viemos até Cuiabá, de onde partimos, como previsto, só no dia seguinte. Não recordo onde dormimos (hotel ou quartel), mas sei que a janta foi num quartel. No mesmo DC3, voamos a Porto Velho.
Agora, estou a quarta vez em Rondônia. Cheguei na noite de ontem (segunda-feira), depois das 22 horas, no horário local, quando pelo horário de Brasília já era terça-feira. Foi uma viagem em duas etapas, Porto Alegre / Brasília / Porto Velho 2000 Km + 2600 km, viajando do paralelo 30º ao 8º, portanto na região equatorial.
Estive aqui uma segunda vez em 2010, quando tive atividades na capital (na UNIR) e em Ariquemes, a 200 km de Porto Velho. No ano passado, estive em Ji-Paraná e Cacoal.
 Agora por dois dias tenho atividades no IF-RO. Esta manhã fiz a palestra A Ciência alimentando a vida como abertura a Semana de Ciência e Tecnologia 2016. Não pude deixar de fazer uma fala marcada pela dimensão política, apresentando, fundamentado em especialistas, consequências se houver êxito do governo golpista na aprovação da PEC 241. O tom desta fala valeu-me o convite para, antes da fala da noite, participar de reunião com lideranças sindicais locais.
Hoje à noite terei uma segunda palestra: “O que é Ciência, afinal? Amanhã no mesmo evento tenho pela manhã a palestra A Ciência é masculina? É, sim senhora! e à noite o minicurso: História e Filosofia da Ciência catalisando a indisciplinaridade.
Esta breve blogada não pode deixar de fazer um registro da fidalguia do acolhimento que recebo aqui de docentes, discente e servidores do IF-RO. Se fosse citar nomes, haveria um extensa ladainha e certamente teria omissão. É muito bom autografar meus livros, tirar fotos com estudantes e com dirigentes acadêmicos. É agradável rever locais pelos quais perambulei há mais de 40 anos. É muito bom fazer este registro no diário de um viajor. Vejo nesta viagem a ratificação de meus fazeres na REAMEC-Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática.

sábado, 15 de outubro de 2016

15.- Desde a Princesa do Sul

15.- Desde a Princesa do Sul

ANO
 11
LIVRARIA VIRTUAL em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 3216

Esta edição do blogue do Dia do Professor — talvez o mais lúgubre para Educação na minha 56ª edição enquanto professor, em decorrência de um estado (quase) de exceção que vivemos no Brasil — ocorre deste Pelotas, a Princesa do Sul. Cheguei aqui no ocaso da quinta-feira para ontem e hoje viver plenamente o 36º Encontro de Debates sobre o Ensino de Química.

O Encontro de Debates sobre o Ensino de Química (EDEQ) é um dos eventos tradicionais do campo da Educação em Ciências no Brasil. Espaço iniciado em 1980 no Rio Grande do Sul a cada outubro reúne e mobilização da comunidade da Educação Química em sua organização, participação e avaliação.
Retornando depois de 16 anos à cidade de Pelotas, o 36º EDEQ está ocorrendo em uma harmônica parceria entre a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSUL, campus Pelotas e campus Pelotas Visconde da Graça - CaVG), tendo a sede das atividades no campus Pelotas do IFSUL.
Como temática, o 36º EDEQ traz as “novas e antigas práticas encontrando-se com a comunidade e sua criatividade”. Eleger esse tema para o evento, segundo os organizadores desta 36ª edição implica em valorizar três aspectos fundamentais da Educação Química: i) a valorização da prática e dos saberes docentes; ii) a ênfase na dinâmica da comunidade que cria modos de ação originais; e iii) o reconhecimento da potencialidade do aspecto de encontro do evento.
Tendo em vista esses elementos, a temática do 36º Encontro de Debates sobre o Ensino de Química busca possibilitar à comunidade um espaço de reencontro, de conversa, de fruição e de estabelecimento de parcerias ao mesmo tempo em que objetiva e valoriza a problematização das ações que já foram realizadas e aquelas que a cada momento são criadas, buscando que a comunidade possa sobre elas produzir e qualificar cada vez mais as suas ações.
Quando vemos vencida a primeira metade do evento, pode-se constatar algo não programado. Em decorrência das tensões sociais e do abalamento da democracia republicana este 36º EDEQ já tem assegurada uma marca: no espaço de trinta e seis anos esta edição, já pode ser tida como a mais politizada. Os cerca de 400 participantes parecem expressar um generalizado sentimento de que a cada dia nos apercebemos de mais perdas sofridas com as tétricas decisões do dia 31 de agosto. 

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

13.- Onze Nobeis para homens em 2016


ANO
 11
LIVRARIA VIRTUAL em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 3215



Com o surpreendente anúncio do sexto dos prêmios Nobeis anuais, registra-se que em 2016 há 11 homens premiados. Nenhuma mulher foi laureada com o Prêmio Nobel este ano.
A surpresa desta manhã de quinta, dia 13, chama-se Bob Dylan. Ele é o vencedor do prêmio Nobel da Literatura 2016, “por ter criado novas expressões poéticas na tradição da canção americana” como justificou nesta quinta-feira a Academia Sueca, em Estocolmo. “É um poeta maravilhoso”, afirmou, ainda, a secretária da Academia. É a primeira vez que o Nobel é entregue a um compositor.
A escolha de Bob Dylan parece ser polêmica, sobretudo porque a carreira de Robert Allen Zimmerman,— verdadeiro nome de Dylan — oriundo de família de tradição judaica de Minnesota é sobretudo musical, mesmo que seja autor de cerca de 30 livros. O estadunidense de 75 anos segundo o Comitê sueco merece o Nobel porque “é um grande poeta”, e se antecipa críticas à escolha dizendo: “Talvez the times they are a changing“, numa alusão à música de Dylan com o mesmo nome.
O anúncio dos laureados começou no dia 3: Medicina e Fisiologia de 2016 foi para o cientista Yoshinori Ohsumi, por suas descobertas importantes sobre os mecanismos de autofagia, processo pelo qual as células "digerem" partes de si mesmas. Os achados de Ohsumi abriram as portas para a compreensão do papel da autofagia em doenças neurodegenerativas, câncer, diabetes tipo 2, entre outras.
No dia 4, soubemos que os pesquisadores estadunidenses: David J. Thouless, da Universidade de Washington, (que recebeu a metade do quase 3 milhões de reais); e F. Duncan M. Haldane e J. Michael Kosterlitz, das universidades de Princeton e Brown, dividiram a outra. O motivo do prêmio foram as descobertas sobre as fases de transição da matéria.
No dia 5 foi anunciado o Prêmio Nobel de Química de 2016 para o francês Jean-Pierre Sauvage, o britânico Sir J. Fraser Stoddart e o holandês Bernard L. Feringa pelo desenvolvimento de máquinas moleculares. Os cientistas desenvolveram moléculas com movimentos controlados que podem realizar tarefas com a adição de energia, uma grande evolução no campo da nanotecnologia.
No dia 7 foi anunciado prêmio Nobel da Paz: Comitê Nobel norueguês atribuiu seu influente prêmio ao presidente colombiano, Juan Manuel Santos, de 65 anos, que apostou todo o seu capital político para tentar colocar fim a meio século de guerra interna na Colômbia, um sonho inacabado, pois o acordo com as Farc não foi aprovado em referendo no dia 2 de outubro.
O Banco da Suécia concedeu o prêmio Nobel de Economia 2016 — que não patrocinado pela fundação Nobel —, a Oliver Hart, do Reino Unido e Bengt Holmström, nascido na Finlândia, por sua contribuição à Teoria dos Contratos, que analisa os comportamentos da contratação no mundo empresarial e seus diversos efeitos. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

10.- E isto eu nunca tinha pensado.


ANO
 11
LIVRARIA VIRTUAL em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 3214

Na última segunda-feira, 03 de outubro, houve mais uma conferência no Fronteiras do Pensamento. Foi uma atividade da qual se sai grávido interrogações. E mais, quando depois de uma hora de oitiva nos dizemos: “acerca disso eu nunca havia pensado!”
O conferencista de então foi o alemão Peter Sloterdijk, um dos mais conhecidos e lidos filósofos na contemporaneidade. Considerado um dos renovadores da filosofia atual, é autor de Crítica da razão cínica, lançado em 1983 e que se tornou o maior best-seller alemão de filosofia desde a Segunda Guerra Mundial. Seu título mais recente é O que aconteceu no século XX, sem publicação no Brasil e que traz ensaios sobre globalização. Sistemas imunológicos, domesticação, selvageria e a cultura dentro do contexto da teoria da evolução foram os principais temas de sua conferência no Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre.
O filósofo iniciou sua fala contextualizando que, nos dias atuais, é possível defender a tese de que a história inteira da humanidade seria uma história de lutas por vantagens imunológicas. Neste sentido, a vida individualizada (ou biós, do grego) pode ser caracterizada como uma fase de sucesso de sistemas imunológicos. Ou seja: seguindo a definição da biologia sistêmica, não pode existir uma forma de vida que não se preocupe com a conservação de suas estruturas imunitárias. “Se citarmos a afirmação metabiológica segundo a qual sistemas imunológicos seriam incorporações de expectativas de lesões ou expectativas de algum dano, fica claro que as culturas humanas, na medida em que essas representam a totalidade de procedimentos preventivos — ou, podemos dizer, as tradições —, são elaboradas com maior sensibilidade contra imunidade do que as espécies animais e vegetais. E nem todo mundo sabe que o conceito da imunidade originalmente não foi um conceito biológico, mas sim jurista, que foi utilizado como metáfora na biologia”, explicou.
[...] No século XX, emergiu uma nova definição para a condição humana e que partia, principalmente, do entendimento de que as categorias da evolução não seriam suficientes para descrever domesticações necessárias. Tanto de animais domésticos quanto do rei dos animais domésticos, o ser humano. Os indivíduos se aproveitam de um clima semicultural criado e adaptado. Assim, não sobrevivem os mais adaptados à natureza externa, mas os que possuem a melhor capacidade de aprendizado e sociabilidade e as vantagens bioestéticas.
Os mamíferos que cuidam da prole impõem um alto padrão de segurança e cuidados com os filhotes. Nestes seres vivos, os filósofos observam um complexo de características descrito, desde o final do século XIX, como neotenia. Ou seja, a fixação de propriedades de juventude. “A prematuridade humana é um termo técnico cunhado por Adolf Portmann, filósofo e biólogo em meados do século XX, para colocar a neotenia no centro da nova antropologia.” Assim, a fase juvenil no ciclo de vida humana se prolonga excessivamente e um jovem precisa de 20 anos de educação para poder se integrar na vida social.
Para Sloterdijk, o ser humano deve ser compreendido como um sujeito cultural desde as suas etapas elementares. “A cultura como um todo funciona como uma grande incubadora. O termo em inglês seria incubator. Que se coloca sobre os seus membros. Nesses termos, todas as culturas são sistemas solidários como contêineres, e todos os contêineres culturais são comunidades protetoras às quais atribuímos características de sistemas imunológicos.” E, devido à sua extrema neotenia, é preciso compensar as perdas que o homo sapiens sofreu. Os psicólogos modernos já alertam para os perigos do enfraquecimento da figura da autoridade nas sociedades pós-modernas.
[...] Sloterdijk finalizou retornando à pergunta: a humanidade sabe se domesticar? Uma resposta que, para ele, precisa ser dividida em duas partes. “A primeira seria: se essa autodomesticação deverá ser esperada para o futuro próximo. A resposta é claramente não. Com muita probabilidade, a primeira metade do século XXI deve lembrar os excessos do século XX. Estamos hoje numa situação que lembra o ano de 1914. As perdas de vida podem crescer infinitamente, e os danos para a cultura serão incalculáveis. Podemos ver as destruições no Oriente Médio, na Europa. Isso mostra em que direção o desenvolvimento está indo.”
A segunda parte da resposta se concentra na perspectiva a longo prazo, que, segundo ele, deve ter uma avaliação positiva. “Se for possível controlar ambos os explosivos biológicos das culturas humanas, ou seja, os programas de estresse polemofílicos e os programas de reprodução excessivos nas culturas individuais a longo prazo, o prognóstico para o processo da autodomesticação global certamente será positivo. Sob a pressão das coerções da coexistência global, a solidariedade entre as culturas poderia algum dia equilibrar a competição acirrada entre elas.”
Apossei-me na produção desta edição de excertos de um bem elaborado resumo da conferência produzido por Luciana Thomé que pode ser acessado na integra em www.fronteiras.com/resumos