ANO
13 |
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EDIÇÃO
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Nos mitos e nos
livros, que garantem a ortodoxia de algumas religiões, talvez sejam os quatro
elementos — água, ar, fogo e terra — os tetramorfos mais presentes. Não raros
estes quatro elementos, também adjetivados como alquímicos, são usados em
leitura catastrofista. Há, todavia leituras opostas: uma leitura mitológica construtiva
(ver, por exemplo, BULFINCH, Thomas, O
livro da Mitologia, São Paulo, Martins Claret, 2013): “os deuses separaram
de uma matéria informe a terra, a água, o ar e o fogo e com eles moldaram os
céus e o Planeta Terra” que os deuses se equivocaram e deviam ter nominado de
Planeta Água.
Estou usando tetramorfos numa acepção metafórica, pois originalmente tetramorfos se referem aos quatro animais bíblicos referidos no
Apocalipse — o leão, o cordeiro, a águia e o touro que representam, na mesma
ordem, os 4 evangelistas — Marcos, Mateus, João e Lucas. Assim, uso também tetramorfos para um conjunto de 4 seres ou fenômenos
correlatos.
De 25 de janeiro a 11 de fevereiro
— apenas 18 dias deste tão conturbado e quase agônico 2019 os 4 elementos
disseminaram no Brasil morte e muita dor. As tragédias se fizeram particularmente
em 3 dos quatro estados da Região Sudeste, aquela tida por nós outros como a
mais rica, e talvez a mais festeira.
Eis, a presença apocalíptica dos 4
elementos nestes 18 dias nos quais cada uma das quatro tragédias se encordoou
uma na outra gerando duas novenas de luto desencadeados pela Água, pela Terra, pelo Fogo e pelo Ar (na ordem dos símbolos alquímicos na imagem).
A
Terra, no dia 25 de janeiro, se fez lama
amorfa que avassaladora matou crianças, matou homens e matou mulheres, algumas
com o ventre prenhe com uma nova vida, que lama matou também. Morreram 177 pessoas e ainda há 133 desaparecidos. Muitos animais e muitas árvores foram levados de roldão pela lama de Brumadinho, nome sonoro que até há um
tempo não conhecíamos...parecia poesia pensar em uma bruma tênue se fazendo
brumadinho. A poesia terminou logo. Agora brumadinho parece um dos infernos de
Dante. Casas, maquinas, caminhões, trens foram destruídos também pela lama
voraz e um Ministro abjeto disse que devíamos valorizar estas perdas da Vale assassina.
A Água, no dia 9 de fevereiro, no Rio de Janeiro houve uma
chuva e esta se fez catadupa. A água que nos remete, de uma maneira muito terna
e saudosa, ao útero materno que nos rejuvenesce no banho, na piscina, nos rios,
nos lagos, nos mares... esta mesma água, agora fazia mortes. Sim, até a água consumida em excesso mata por um
fenômeno conhecido como afogamento. Numa precipitação de um mês em umas
poucas horas nove pessoas morreram. Estas nove se somaram a outras noves que
foram chacinadas na região metropolitana da cidade que era cantada como “cidade maravilhosas, cheia de encantos
mil...”
O Fogo, no mesmo dia e na mesma cidade em que a água
matava, o fogo foi inclemente. Num poético Ninho
do Urubu um dantesco incêndio mata dez jovens de 14 a 15 anos e ainda deixa
três feridos. Era aquele fogo que Prometeu deu aos humanos quando se
desentendeu com Zeus. Este fogo tão importante, que muda a maneira de nossos ancestrais
viverem, pois, com a descoberta da cocção se define outro sistema alimentar. É
o fogo que coze e também que mata. Para os humanos este presente foi oneroso,
pois a vingança de Zeus ao feito de Prometeu foi fantástica e exigente: Zeus
para vigar-se da dádiva (= o fogo) que recebêramos de Prometeu nos dá Pandora e
as consequências todos sabemos.
O Ar, no dia 11 de fevereiro
se faz cenário da quarta tragédia para completar 18 dias lutuosos. Sempre foi
sonho dos humanos voar, estar no ar. Há muitas narrativas acerca desta ânsia. Recordo
uma. Ícaro, o filho de Dédalo, é comumente conhecido na mitologia grega pela tentativa
de deixar a ilha de Creta voando. Ícaro e o pai constroem um par de asas. Há
uma dupla recomendação para seu uso. Não se pode voar muito alto, pois o sol
derreteria a cera onde se fixavam as penas. Não se pode voar muito baixo pois a
umidade do ar encharcaria as penas e as asas ficariam por demais pesadas e não
haveria força para batê-las. A tentativa é frustrada, como foi o voo de Ricardo
Boechat. Um morreu caindo nas águas do mar Egeu, na região conhecida como mar
Icário; outro, um dos mais vibrantes jornalista brasileiro da atualidade morreu,
pois, helicóptero bateu na parte dianteira de um caminhão que transitava pela
Rodovia Anhanguera.
Assim, as milenares e muito
dispares leituras de nosso tetramorfo germinal do mundo que habitamos e buscamos
ler, parece merecer uma leitura hodierna. Esta é apenas uma das muitas
possíveis. Talvez, valha experimentar outras.
Expectante.
Expectante.
Ofereço este texto para a
doutoranda Patrícia Rosinke (UFMT/campus Sinop) que, na tessitura da tese me desafia
em reflexões acerca dos 4 elementos na tênue interface entre o sagrado e o
profano.