ANO
14 |
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EDIÇÃO
3465
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Em uma noite da semana passada de temperatura mais
amena, depois de uma tarde senegalesca, sob uma parreira na qual as duas
videiras fizeram uma assemblage com um vigorosa pimenteira, com uma suave brisa
que trazia odores de diferentes plantas de meu jardim/horta/pomar, então, por
um pouco mais de duas horas, assisti: Democracia em vertigem.
O filme não é de mistério. Não tem um enredo
imprevisível. Mas há algo que parece que vai ter um happy end. Mas, há sempre música tétrica que nos chama a uma
realidade. Há um espraiado ressaibo. A esperança se transmuta em desesperança.
Dante está a nos lembrar que estamos embarcados sob
a condução de Caronte, o barqueiro velho e esquálido, mas forte e vigoroso que nos
recebia em seu barco para atravessarmos o Aqueronte, "rio do
infortúnio". Durante todo filme somos admoestados: "Lasciate ogni
speranza, voi che entrate”. Caronte repete, quando nos vê sofrer: “Deixai toda
a esperança, vós que aqui entrais!”
Não adianta torcer! Não adianta rezar! Não adianta
fazer promessa! Deixai toda esperança.
Sim! Sabia o final do filme. Os diferentes artigos
que lera não fizeram spoiler, O Eduardo Cunha, um exímio Caronte, prescrevera
(=pré escrevera) o final. Ele arrebanhou seus Judas desertores, que quebraram o
prometido na véspera
em troca de milhares de reais.
Desde que o documentário de Petra Costa foi indicado
para concorrer ao Oscar na categoria de documentário estrangeiro, há disponível
alguns artigos que podem ser usados para fazermos uma melhor leitura de Democracia em vertigem. Zero Hora, na p. 29, da
edição 18/19Jan2020 publicou um artigo de Marcelo Rocha, doutor em Letras e
professor da Unipampa, que mostra a improcedência que ocorre quando se cobra do
documentário de Petra Costa de um compromisso com a realidade. O Prof. Dr. Rocha
pergunta, nesta grenalização da sociedade brasileira, quem detém a verdade?
Na mesma página antes referida, há um artigo do Cientista
Político Paulo G.M. de Moura, produtor do documentário Impeachment: o Brasil nas ruas, que desqualifica o documentário de
Petra Costa, porque ela é filha de ex-militantes do PCdoB, e por tal, uma
vítima ingênua da propaganda do PT. Conheço ateus que são filhos de cristãos
fundamentalistas fervorosos e nem por isso desqualifico seus textos
fundamentados em Darwin. Parece que Moura não viu as ácidas críticas que Democracia em vertigem faz ao PT. Os dois
documentários não são mera troca de sinal de um para o outro. Se poderia aqui desqualificar
como improcedentes as críticas do MBR dizendo que Petra não considerou as
manifestações de rua contra Dilma. Não é verdade. Meu único reparo à Petra: talvez,
não precisasse trazer tanto de sua história familiar para este filme.
Mas, por que chorei enquanto assistia Democracia em vertigem. Tenho alguns amigos que
também choraram. Um deles me disse: não
sou de chorar em filmes, mas neste tive que interromper, pelo tanto que
chorava, e continuar a assistir no dia seguinte.
Mas por que
eu chorei? Chorei por aquilo que eles fizeram. Chorei pelo que eu não fiz.
Chorei pelo que eles fizeram. Eles
foram implacáveis. Mesmo que Dilma dissesse que não roubara um centavo, que não
tinha contas no exterior. Situação diversa de seus inquisidores. Ela tinha
dinheiro para comprar batata. Mas precisava comprar banana. Usou, sem solicitar
autorização do Senado, o dinheiro que era para comprar batata para comprar
banana. Executou as usuais ‘pedaladas fiscais’.
Chorei pelo que eu não fiz. O
impeachment foi nos adjetivado de uma maneira sedutora: um impeachment constitucional. Pensava se proposta fosse ao abrigo
da Constituição, por tal impeachment não prosperaria. Se tivesse estado mais
antenado, teria feito pelo menos a minha parte. Não há como não lembrar da
historieta do beija-flor contribuído com a gota trazida para ajudar a apagar o incêndio
na floresta.
Claro que não fui o único ingênuo. Tive pessoas como
parceiros e organizações (CNBB, OAB, MST, MAB...) usualmente defendendo a democracia
quando esta está em vertigem.
Ofereço este texto ao meu colega e amigo Guy, o
polímata, que na quarta-feira jantando sob uma pimenteira, ajudou nesta
escrita.