Nesta terça e quarta-feira faremos a longa viagem de volta. No
começo da tarde deixamos Varsóvia rumo a Paris. Depois de algumas horas no
Charles De Gaulle, voamos durante à noite, cerca de 12 hora de Paris rumo ao
Brasil. Depois de alguma espera em Guarulhos, vamos a Porto Alegre, para chegar
ao destino, na metade da manhã desta quarta.
Foi muito bom estar de novo em Varsóvia. Foram três dias que se
fizeram saborosa sobremesa destas duas semanas polonesas. Chegamos aqui, a
segunda vez, quando já era noite de sábado. Cracóvia nos despediu em alto
estilo.
A manhã era muito fria. A visita ao Collegium Maius (Escola
Maior), na parte antiga de Cracóvia, no prédio mais antigo da Universidade
Jaguelônica (polonês: Uniwersytet Jagielloński) foi fantástica. Vimos salas
(bibliotecas, refeitórios, sala de conselhos) do século 14. Foi emocionante ver
a primeira edição de 1453 manuscrita por Copérnico obra De revolutionibus orbium coelestium (Sobre as revoluções das
esferas celestes), dedicada ao papa Paulo III. O livro, publicado algumas horas
antes morte de Copérnico, em 24 de maio de 1543, aos setenta anos, vítima de um
acidente vascular cerebral, esteve quase 300 anos no index.
Quando quase 14h íamos para estação de trem, o sol, o grande
ausente destes dias, surgiu esplendoroso espelhando-se na neve que caíra densa
na noite. Foi tudo para ter vontade de um dia voltar.
Parece que quando estávamos no trem Cracóvia/Varsóvia, a viagem
adquiria sabor de fim de férias. Lembramos Michel Onfray que em sua Teoria da viagem# estuda
a viagem em três momentos: o Antes; o Durante; e o Depois. Para cada desses
momentos ele traz oportunas teorizações. Na verdade a viagem começa muito antes
de partirmos, nos rituais de programarmos e fazermos roteiros. Mas também
começa terminar antes. Sentia como as nossa estão começando a terminar. Em
muitos momentos, já anseio pelo meu cotidiano
na Morada dos Afagos.
#ONFRAY, Michel. Teoria
da viagem, poética da geografia. [Théorie
Du Voyage (Libraire Générale Française, 2007)] Tradução Paulo Neves. Porto
Alegre: L&PM, 2009. 112 p. 21 cm. ISBN 978-85-254-1918-7
Ainda na noite de sábado fomos aproveitar a gélida noite de
sábado, buscando comida típica polonesa. Nesses dias, a Gelsa não deixou de
evocar em nenhuma das refeições a sua avó materna.
O domingo se fez
ensolarado com temperatura de zero grau. Fomos a dois museus. Nos encantamos
antes com imponente Palácio da Cultura, que contrasta com modernos arranha-céus, com movimentados shoppings centers.
Primeiro fomos ao
Museu
Fryderyk Chopin (em polonês: Muzeum Fryderyka Chopina). Abro uma explicação
gramatical. O aeroporto de Varsóvia chama-se Aeroport Fryderyka Chopina. Por
exemplo, uma avenida que homenageia o papa polonês se chama Aleja (avenida)
Jana Pawla II. Ocorre que o polonês, como o latim, o grego e alguns outros
idiomas, têm declinações. Assim o museu, o aeroporto ou a rua são de
Chopin, logo deve ser colocada no genitivo, que termina com o sufixo –a. Muitas ruas terminam em —a.
Isto não quer significar que mulheres sejam as homenageadas. São nomes de
homens, escrito no genitivo, Jan Pawl II fica Jana Pawla II, Kopernica,
Chopina...
A proposito de situações linguísticas, mais uma observação. Por
aqui se vê, com frequência a palavra droga, muitas vezes seguida de uma
seta. Não é indicação para compra de narcóticos, Droga, em polonês significa caminho.
Há uma outra palavra, agora em português, que temos dificuldade.
¿Qual o gentílico para ‘polish’ (habitante da Polônia)? Polonês ou polaco? Na
Espanha, por exemplo, em catalão é polonês e nas outras parte é polaco. No
Brasil, esta é uma questão delicada, marcada por preconceitos, com defensores
radicais de uma e outra modalidade. Fica a promessa da volta ao assunto. Quem
quiser antecipar-se na ilustração e conhecer alguma das vertentes: www.gazetadopovo.com.br/cadernog/conteudo.phtml?id=1082537
O moderno Muzeum Fryderyka Chopina, reinaugurado
em março de 2010 para celebrar o bicentenário do compositor polonês Fryderyc
Chopin (1810-1849), é hoje um dos maiores atrativos da capital polonesa. Uma
interessante forma de imergir o visitante na história de Chopin. O museu apresenta
uma concepção nova e audaciosa em termos de interatividade e permite que viajemos
de maneira suave na história de um dos maiores compositores do século 19, tendo
suas músicas a embalar uma inserção de quem mesmo tendo morrido aos 39 anos
deixou um dos maiores legados à humanidade. Um exemplo de museu!
O segundo museu do domingo foi o Muzeum Powstania Warszawskiego,
que quer contar a história do Estado
Secreto Polonês, também conhecido como Estado
de Resistência Polonesa (polonês: Polskie Państwo Podziemne), é um termo
coletivo para organizações designadas resistência clandestina durante a Segunda
Guerra Mundial na Polônia, militares e civis, que permaneceram leais ao governo
no exílio-polonês em Londres. Os primeiros elementos do estado secreto surgiram
nos últimos dias da invasão da Polônia, que começou em setembro de 1939. O Estado Secreto Polonês foi concebido por
seus defensores como uma continuação jurídica da República da Polônia antes da
guerra (e suas instituições) travada uma luta armada contra as forças de
ocupação no país: a Alemanha nazista e a União Soviética. O estado subterrâneo
englobava não só a resistência militar, um dos maiores do mundo, mas também
civis, tais como estruturas de serviços educacionais, culturais e sociais.
Existem várias exposições que ocupam suas várias plantas em que
você pode ver fotografias, reproduções de áudio, vídeos, imagens interativas,
artefatos, escritas entre outros testemunhos que refletem o que era a vida
durante a ocupação alemã de Varsóvia, a revolta e suas consequências de modo
que a amostra abrange virtualmente todos os aspectos deste acontecimento
histórico. Há apresentações dedicadas para cada distrito da cidade de Varsóvia
e muitos panfletos e folhetos que os visitantes possam ter livre (atualmente os
textos estão apenas em polonês e Inglês). Também estão disponíveis 63 páginas
que cobrem as datas do calendário a partir de 1 de agosto de 1944 até 02 de
outubro de 1944, cada uma contendo um resumo dos acontecimentos mais
importantes que aconteceram naquele dia durante a revolta. Algumas das muitas
seções e exposições incluem:
A sala de "insurgente pequeno" dedicado aos
insurgentes mais jovens e as experiências das crianças durante a revolta. O
quarto inclui uma réplica do monumento ao pouco rebelde e uma fotografia
colorida Goździewska Róża Maria, uma jovem conhecida como "a pequena
enfermeira".
Palladium cinema: uma pequena sala de projeção, onde você pode
ver continuamente cenas tiradas por alguns dos insurgentes, em 1944, que foram
usados para produzir cinejornais que foram exibidos no Palladium Cinema de
Varsóvia durante a revolta.
Duas réplicas de esgoto: um localizado no mezanino e um no porão
oferecem uma oportunidade para experimentar como era a movimentação subterrânea
através do território ocupado pelos alemães (as réplicas são, obviamente, de
higiene, sem sujeira em um rede de esgotos real).
O hospital dos insurgentes, que forneceu ajuda médica e de saúde
para os feridos durante a revolta.
Hangar: uma sala contendo um Liberator tamanho real B-24.
Uma torre se observação: Varsóvia vistas panorâmicas a partir do
topo do edifício.
Impressão: Uma sala que pode ser visto máquinas de escrever e
impressoras usadas para produzir jornal durante a ocupação alemã.
O filme City of Ruins:
Uma curta-metragem em D que representa uma vista aérea das ruínas de Varsóvia
em 1945.
Seção sobre o nazismo: dedicado aos horrores e atrocidades
cometidas pelos alemães e seus colaboradores durante a revolta.
Seção sobre o comunismo: dedica-se a ocupação da Polônia pela
União Soviética; o governo de Stalin; levantando a resistência polonesa e
revolta na Polônia do pós-guerra, sem a participação do período comunista.
Depois de banho de história e também de tecnologia museológica fomos
em busca de algo para comer em direção ao Stare
Miasto. Em espanhol diríamos ‘casco
viejo’. Agora no Brasil estamos chamando a região central de ‘Centro Histórico’. Com duas diferenças
para a situação. O centro histórico é de uma cidade milenar e outra que campeia
uma moda presente ainda recente entre nós: demolirmos o velho, para fazer
prédios novos, sem respeito à História.
Estávamos ávidos por aproveitar o ensolarado dia ensolarado de
ontem, o último de viagem — mesmo que os pensamento fugava Porto Alegre. Fomos
segurados: muitos museus de nossa lista estavam fechados por se segunda-feira.
Fomos uma vez mais Stare Miasto.
Admiramos as casas seculares. Ainda adornada com enfeites natalinos, pois aqui
o período das festas de fim de ano é muito expandido. E vimos muitos
monumentos. Aqui nestes abundam motivos bélicos pois é um país que sempre
sofreu com guerras. Estivemos lojas, visitamos igrejas (estas abundam na
Polônia).
À noite fomos fazer nossa despedida de Varsóvia. Voltamos ao
Stare Miasto. Jantamos. No cardápio algo que comemos a cada dia nestas duas
semanas: pierogue (também escrito perogi, pierogy, perogy, pierógi,
pyrohy, pirogi, ou pyrogy; forma diminutiva: pierożki. A palavra polonesa
pierogi está no plural; a forma singular pieróg é raramente utilizada, já que
tipicamente a porção individual consiste em vários pieróg) são pasteis de farinha de trigo, tradicionalmente recheados de batata e ricota (mas atualmente existindo recheios que se estendem de carne a doces), que são cozidos em água fervente (como usualmente se cozinha massas) e servidos com "molho" de cebola frita. Proveniente do centro e do leste
europeu, eles têm formato normalmente semicircular. A Gelsa realizou um de
seus sonhos, comer pierogue todos os dias.
Nesta terça-feira, ao lado de arrumar malas, antes de irmos ao
aeroporto vamos a um mercado muito singular que há próximo ao hotel. Depois
começar uma longa viagem. Mais de vinte quatro horas em trânsito (Varsóvia/Paris/São
Paulo/Porto Alegre) rumo a nossos mundos
de verdade. Nestas três semanas vimos muitas coisas. Não cabe aqui e agora
fazer retrospectos. Uma síntese: a palavra que não cessa de martelar em meus
ouvidos: Auschwitz.
Releio a frase de Lin Yutang que encerra a primeira edição
destas cinco blogadas especiais. "Bom
viajante não é o que não sabe para onde vai, mas o que sabe de onde veio!"
Acredito que tenhamos sido bons viajantes. Hoje sei mais sobre a Alemanha e a
Polônia. Alguém há de perguntar: ¿para que? Para ser mais humano. Para entender
mais a vida. Quando saímos de um museu, por exemplo, saímos diferentes que
entramos. Isso é importante. Acredito que o fazer profissional de 2015, que me
espera já nesta semana, será realizado com mais competência. Isso para mim é
muito significativo. Também, por isso, viajo.
Obrigado, a cada uma e cada um que me acompanhou na leitura
destas cinco edições, que se iniciaram com a postagem de 13 de janeiro. É bom
escrever. É, ainda melhor, ter leitores. Agora, desde Porto Alegre, de novo.