ANO
9 |
C R A C Ó V I A – Polônia
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EDIÇÃO
3007
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Estamos pela primeira vez na encantadora Cracóvia, fundada por volta
do ano 700. Esta deve ser a 36ª cidade no exterior onde este blogue é postado. Esta
é a 4ª das cinco edições previstas para as férias de 2015.
Chegamos aqui no último domingo, no começo da tarde. Nevava muito.
A viagem de trem, com duração de pontualíssimas 2,5 horas merece pelo menos dois
comentários: 1) internamente um conforto
melhor que na primeira classe de um avião. 2) no exterior, cerca de 320 km de linda paisagem totalmente branca pela
neve que caia desenhando um cenário de presépio.
Mesmo com intempéries, era preciso ver logo a parte da cidade tombada
pela UNESCO como patrimônio da humanidade. Na tarde de domingo vivi um dos dias
com neve dos mais adversos (se comparado com situações de neves mais intensas vividas,
por exemplo, em Estocolmo e Aalborg). Mesmo nestas condições já sentimos a
pujança de uma cidade com cerca 850 mil habitantes.
Trago, a seguir, breves relatos de alguns destaques nas
atividades de dias desta semana, na qual o sol, que Copérnico — um dos filhos
mais ilustres desta terra alçou a centro do Universo — foi o grande ausente.
Na segunda-feira,
o ponto alto foi a visita ao excelente museu em que foi transformada a Fábrica
de Esmaltados 'Emalia', na rua Lipowa, n. 4, de Oskar Schindler#. A
proposta museológica é retratar — faz isso com competência — o período
1939—1945, que Cracóvia, sob ocupação nazista, foi capital da Polônia ocupada.
# A Lista de Schindler
(Schindler's List) um filme estadunidense de 1993 sobre Oskar Schindler, um empresário
alemão que salvou a vida de mais de mil judeus durante o Holocausto ao empregá-los
em sua fábrica. O filme foi dirigido por Steven Spielberg. O filme foi um sucesso
de bilheteria e recebeu de sete Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor
(Spielberg), como também muitos outros prêmios. É considerado pela crítica especializada
como um dos melhores filmes já feitos.
O museu ocupa o prédio da administração e extensa planta fabril,
no distrito industrial na rua Lipowa, n. 4, da cidade de Zablocie na margem direita
do rio Vístula. Exposições com artefatos de época, fotos e documentos com multimídia
e diversos arranjos de impressionante qualidade, são uma tentativa bem sucedida
de criar uma experiência de imersão total no clima de dominação e de tortura
engendrado pelos nazistas.
A presença nazi na cidade foi tão radical que até o nome foi
mudada para Krakao. Como fora trazido uma imensa quantidade de pessoas para a
ocupação, as residências da Alemanha de poloneses eram visitadas e seus
moradores recebiam ordem de desocupar o prédio, levando apenas os pertences
pessoais (moveis deviam ser deixados). O não cumprimento da ordem podia
significar pena de morte.
A mostra começa na Cracóvia dos anos 1930, em um ateliê de fotografia.
Nas fotos, pode-se observar mulheres chiques passeando pelas ruas e judeus bem-humorados
a caminho da sinagoga. A atmosfera era descontraída no pré-guerra.
No dia 6 de setembro de 1939, soldados alemães invadiram Cracóvia,
cuja história durante a Segunda Guerra é contada de forma cronológica. Assim o visitante
da exposição fica sabendo que 184 professores da universidade Jagiellomiam
convocados para aula inaugural, foram presos e deportados pelos nazistas em 6
de novembro de 1939. Depois, o visitante é levado a um bunker, ao gueto dos judeus
e à estação central da cidade, de onde a população judaica era deportada.
A exposição, concebida por cenógrafos e diretores de teatro, é composta
de enormes painéis de parede em tamanho natural, displays digitais e telas multimídia,
que auxiliam o visitante a compreender melhor as atrocidades daquele tempo através
de ferramentas visuais e acústicas.
Mesmo tendo ainda visto palácios, sinagogas, catedrais, igrejas,
zonas do gueto nada superou o Museu da Fabrica de Oskar Schindler.
Na terça-feira
saímos com neve e temperatura de cerca menos 10 graus. Vimos igrejas, galerias e
museus no centro histórico. Mas o ponto alto foi ao MOCAK Museum of Contemporary Art in Kraków, inaugurado em maio de 2011, onde vimos
exposição de arte contemporânea polonesa que desconhecíamos e nos encantou.
Neste 27 de
janeiro, Cracóvia, mais especialmente Oswiecim, esteve movimentada de maneira
excepcional com a celebração dos 70 anos de liberação dos campos de
concentração de Auschwitz e Birkenau. Isto reuniu aqui, cerca de 300
sobreviventes e entre outros representantes de 44 países. Houve, então, cenas
muito emocionantes.
Na quarta-feira estive em Auschwitz e Birkenau. Quase que deveria
sustar aqui meu registro. São inenarráveis as emoções. As velas depositadas
pelas comemorações dos 70 anos dia anterior, antes referidas, ainda estavam
acessas; as flores não haviam murchado.
Vivi por mais
por cerca de 1,5 hora em cada dos dois campos de extermínios momentos por
demais emocionantes Estar em cenários que de maneira tão densa documentam uma
das maiores barbáries, de todos os tempos, cometidas por humanos contra milhões
de crianças, mulheres e homens infundiu-me tamanha dor que parece deveria
apenas fazer silêncio.
Em Auschwitz, com 28 prédios, por
exemplo, contemplar locais dos banhos antes do acesso a câmaras de gás e depois
a crematórios. Conhecer o paredão das execuções e as forcas. Impressionar-me
com as tentativas (muitas vezes frustradas) de resistências. Ver locais de
experimentos promovidos em mulheres e crianças. Percorrer vitrines com
toneladas de sapatos (de crianças, de mulheres, de homens) de óculos, de
próteses, de louças e esmaltados, de malas endereçadas, de roupas de bebes e
crianças fere-nos tão profundamente que parece que vivemos um pesadelo.
Em Birkenau —
um dos 45 campos satélites de Auschwitz, que chegou a ter 300 barracões —
caminhar sobre a neve e entre árvores desnudas ver numa extensa área de 175 hectares
dezenas de chaminés de crematórios é tão incrível que parece estarmos vendo um
filme de ficção.
Não tenho
condição de narrar mais nada. Se algum leitor quiser saber mais acerca 1,3 milhões
de pessoas que morreram ali: a maioria gaseificada e 500.000 de fome e doenças,
sendo 90% deles de judeus. Outros deportados e executados ali foram 150 mil poloneses,
23 mil ciganos romenos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos, cerca de 400 Testemunhas
de Jeová e dezenas de milhares de pessoas de diversas nacionalidades, basta
colocar em qualquer buscador a palavra que não cessa de martelar em meus
ouvidos
: Auschwitz.
Na quinta-feira, depois do pesado
dia anterior, fizemos aquela que é tida como a maior atração turística polonesa
e sem similar no Planeta: visita à mina de sal de Wieliczka.
Ela está localizada a 15 km a sudeste da cidade que pertence à região urbana de
Cracóvia. Ela está incluída na lista da Unesco de Patrimônios da Humanidade. A produção
industrial de sal estendeu-se do século 13 até anos recentes; na atualidade sua
vocação é 100% voltada ao turismo.
A visita inicia-se com a descida de uma escadaria em madeira 54
lances de sete degraus cada (378 degraus). Depois se continua descendo para
chegar a profundidade de 135 metros, descendo um total 820 degraus (muitos
deles feitos de sal) percorrendo mais de 2,5 quilômetros, em mais de 1 hora. A
volta se faz em um elevador que ascende em cerca de 50 segundos. Este último
dado é para se avaliar o potencial turístico do investimento.
Em seu interior encontram-se dezenas de esculturas, baixos relevos
e até uma igreja completa, que levou 30 anos para ser terminada. Muito dos trabalhos
originais foram feitos pelos próprios mineiros, mas recentemente escultores profissionais
passaram a produzir obras aqui.
Há destaque para monumentos (todos de sal) de alguns dos visitantes
mais ilustres. Assim há uma câmara em que se homenageia um dos seus primeiros
visitantes ilustres: Nicolau Copérnico (ao lado). Também há uma imensa escultura em
homenagem a Goethe, como um reconhecido cientista. Na capela principal, onde há
missas dominicais, com imensas esculturas e lustres todos de sal. Nesta linda
capela, a 135 metros de profundidade há uma escultura de São João Paulo II, que
visitou a capela várias vezes, antes de ser papa, especialmente enquanto
arcebispo de Cracóvia.
Há também junto à capela, salões para diversos eventos como casamentos,
formaturas, banquetes. Há clinicas de repouso e até locais para crianças passar
uma noite na mina.
Há uma lenda que explica a origem da mina: Santa Cunegunda#,
filha de um rei húngaro, foi prometida ao rei da Polônia. Ao receber do pai, como
dote, muito ouro e pedras preciosas, recusou-as, dizendo que tinham origem nas lágrimas
e no sangue do povo. Em vez de riquezas, pediu sal, um bem essencial. Seu pai ofereceu-lhe
então uma mina de sal na Transilvânia. Em homenagem ao presente, Cunegunda atirou
o seu anel para dentro da mina. Mais tarde,
já na Polônia, realizou uma viagem por
Cracóvia, chegando à zona de Wieliczka, pediu aos seus súbditos que cavassem um
buraco profundo. Para espanto de todos, o buraco continha sal em abundância. E continha
também o anel que Cunegunda deixara na Transilvânia. A partir dessa altura, as minas
passaram a ser exploradas e tornaram-se da maior importância na Europa. Esta lenda
está representada numa das galerias da mina, através de esculturas realizadas pelo
mineiro Mieczyslaw Kluzek.
#Santa Cunegunda (1224-1292). Rainha da Polônia Virgem e religiosa.
Canonizada por João Paulo II em 1999, sendo declarada padroeira dos mineiros. Casou-se
com Boleslau V, o Casto, príncipe de Cracóvia, em 1239, vivendo com ele durante
40 anos em virgindade: durante a vida do casal, o casamento nunca foi consumado
por decisão do casal, para servir melhor a Jesus Cristo.
Na sexta-feira, visitamos o Museu Judaico da Galícia quando
aprendemos muito sobre 800 anos de presença judia na Cracóvia.
O acervo do
Museu se destaca por um acervo de fotos reveladoras da cultura judaica, dos
locais do Holocausto e das modernas interpretações do que significa ser judeu
na Cracóvia.
Este museu
moderno foi inaugurado em 2004. Ele se localiza em uma antiga fábrica judaica e
foi criado pelo fotojornalista Chris Schwarz, que desejava comemorar a vida
judaica na cidade da Cracóvia. Em vez de expor fotos e relíquias antigas, a
exposição principal do museu contém seleções de mais de 1.000 fotos tiradas
durante 12 anos, desde o início da década de 1990. O enfoque são as
perspectivas modernas de eventos históricos e a cultura judaica da cidade. Após
a visita fizemos um passeio por outros locais judeus da Cracóvia.
Na noite de
ontem fizemos uma saída especial para quase dar um adeus a esta linda cidade
que nos acolhe desde domingo. Os encantamos
com estes dias e cabia uma despedida especial.
Na manhã deste
sábado, nossa
programação prevê a visitação de museus do Collegium Maius (Grande Escola), na parte antiga de Cracóvia. É o
prédio mais antigo da Universidade
Jaguelônica (polonês: Uniwersytet Jagielloński) que está classificada
dentre as universidades de elite da Europa. Foi fundada em 1364 por Casimiro
III, o Grande como Akademia Krakowska e desde então está entre as mais antigas
universidades da Europa e do mundo, a segunda mais antiga da Europa Central
(depois da Universidade de Praga).
Casimiro III percebeu que a nação precisava de uma classe de
pessoas instruídas, especialmente advogados, que podiam codificar as leis e
administrar os tribunais e cargos de governo no Estado unificado. Ele também
observou que o número de paróquias estava aumentando e suas 3 000 escolas
estavam com falta de professores. Seus intensos esforços em fundar uma
instituição de ensino superior na Polônia foram recompensados em 1364, quando o
Papa Urbano V lhe deu a permissão para criar a Academia Cracóvia. Seu
desenvolvimento foi protelado pela morte do rei e mais tarde a universidade foi
reinstalada (1400) pelo Rei Wladislaus Jagiełło e sua esposa Jadwiga. A rainha
doou todas as suas joias pessoais para a universidade, possibilitando com isso
a matrícula de 203 estudantes. No fim do século, cerca de 18 000 estudantes,
muitos deles estrangeiros, 50% de origem burguesa, tinham passado por seus
portões. As faculdades de astronomia, direito e teologia atraíram eminentes
estudiosos. Destaco dois alunos importantes, entre muitos listados. Nicolau
Copérnico (1473-1543)
e Karol Wojtyła,
depois, João Paulo II (1920-2005).
Depois de
termos alterado a parte final de nossa programação (a França só será ponto de
trânsito), retornarmos às 14h de trem para Varsóvia, de onde na terça-feira
iniciamos o retorno Varsóvia / Paris / Guarulhos / Porto Alegre, onde sonhamos
chegar na manhã de quarta.