ANO 15 |
Agenda de Lives em página |
EDIÇÃO 3703 |
Não parece
crível. Já é a última edição Janeiro2021. Era para vivermos um ano melhor que o
2020. Parece que o Covid19 não usa o mesmo calendário que os humanos. Meu pai
diria: a situação está osca!
Recebi uma
pergunta de uma aluna. Dedilhei uma resposta. Das 8 páginas extraio a metade teço
a edição de hoje. Eis o excerto que se fez blogar. Não é autoplágio.
Querido professor Chassot,
em primeiro lugar, um abraço saudoso!
A Alfabetização Científica está na
centralidade da minha pesquisa de Mestrado e o senhor além de estar
referenciado nela em diversos momentos, motivou a escolha do tema. Vou contar-lhe
algo: fiz uma revisão de literatura sobre Alfabetização Científica e formação
de professores de Química e descobri que o senhor é o autor mais citado,
aparecendo quase na totalidade dos artigos!
Quero te fazer uma pergunta e, desde
já, peço desculpas se estou sendo ousada ou inconveniente. Ela tem acompanhado
minhas reflexões desde o início:
Por que os professores de Ciências devem ser alfabetizados
cientificamente?
Agradeço se puder responder,
Eude Léia, PPGECM Unifesspa em Marabá.
27/01/2021
Muito
querida Eude,
fazes
como ofertório um interrogante. Ao preludiares, me encantas com a revelação de minhas
referências na literatura. Faço um escambo contigo. faço tessituras para
responder o muito relevante questionamento Por que os professores de Ciências devem ser alfabetizados cientificamente?
Por
ser um facilitador para responder a tua pergunta convido olharmos o que
é Ciência? A Ciência pode ser
considerada como uma linguagem / construída pelos homens e pelas mulheres /
para explicar o nosso mundo natural.
É claro que, responder a uma questão tão complexa em apenas duas linhas
pode parecer um reducionismo. Alan F. Chalmer escreveu um livro* de quase 300
páginas respondendo pergunta igual. Eu segmentei minha definição em três partes
exigentemente iguais. Mesmo que seja saboroso discutir extensamente cada uma destas
três partes (linguagem /construto humano / serventia), para tua interrogação a primeira
— uma linguagem — se faz heliocêntrica. A segunda e a terceira parte dariam azo
a extensas análise. Talvez acrescentasse lateralmente, com esta definição está
explicito que a Ciência não trata do
mundo sobrenatural!
Adito
ainda que esta não é uma definição para uma Ciência escolar. Já falei em
auditórios de pesquisadores alienígenas à área da Educação onde esta mesma
definição tem muito bom trânsito.
Agora
me restrinjo ao primeiro dos três segmentos:
A Ciência pode ser considerada como uma linguagem. Poderia encerrar a
resposta a teu questionamento aqui e agora, assim: Se a Ciência é uma linguagem ser
alfabetizado cientificamente é entender (= falar, ler e escrever) esta
linguagem.
Queria
te convidar para vivenciares alguns locais que me esmero em te propor. Neste
périplo a cinco locais (poderia te sugerir cinquenta) tu não és expectadora
apenas. O convite é que os vivencie mais intensamente possível e os usufruas ao
máximo, até porque vais ficar pouco tempo, em cada um de lugares admiráveis.
1.-
Uma visitação a estações do metrô de Moscou. Algumas estações do centro da
cidade são verdadeiras obras de arte, com esculturas, tetos, pisos luxuosos e
lustres maravilhosos, todos da época em que o Comunismo ainda ditava as regras
no país. Construído com a ajuda de milhares de trabalhadores e também de
voluntários. “Os ricos já tiveram muitos
palácios... agora é vez do povo tê-los”.
2.-
Fazer uma conexão em voo doméstico em Chiang Mai, uma cidade da Tailândia. O
tempo de conexão permite conhecer uma vibrante cidade que tem uma força
histórica por ter uma importante situação estratégica na rota da seda, sendo
hoje um grande centro de artesanato e ourivesaria.
3.-
Estar no Muro das Lamentações em Jerusalém, no final de tarde de uma
sexta-feira, quando está começando o shabath. O Muro das Lamentações ou Muro
Ocidental (Qotel HaMa'aravi הכותל המערבי
em hebraico) é o segundo local mais sagrado do judaísmo, atrás somente do Santo
dos Santos, no monte do Templo. Trata-se do único vestígio do antigo Templo de
Herodes, erguido por Herodes, o Grande no lugar do Templo de Jerusalém inicial.
4.-
Chegando de improviso (por perda de conexão, e precisando procurar hotel em Sarajevo
(pronunciado em bósnio, croata e sérvio: [sǎrajeʋo];
em alfabeto cirílico: Сарајево). É a capital e a maior cidade da Bósnia e
Herzegovina. Sarajevo é considerada uma das cidades mais importantes dos
Península Balcânica e tem uma rica história desde que foi fundada em 1461 pelos
otomanos.
5.-
Para encerrar nosso tour chegamos a uma charmosa cidadezinha no Sul da Holanda,
que usualmente é citada nas minhas aulas de História da Ciência, por dois de seus
filhos ilustres. Estamos em Delft a 15 minutos em trem de Rotterdam. Um pintor
neerlandês muito famoso do século 17, Johannes Vermeer, (já estamos lembrando
da Mulher com o brinco de pérola) nasceu
e viveu toda a sua vida na cidade de Delf, e era amigo de Antonie van
Leeuwenhoek, um dos precursores da observação microscópica no século 17, nasceu
e viveu em Delft. Vale aproveitar para ver os antiquários e as porcelanas
azuis, tão típicos da Holanda (e originários de Delft!).
Posso
fácil imaginar o quanto nosso périplo foi encantador. Poderia ter sido melhor?
Sim. Houve uma mesma restrição genérica e quase uma dezena de restrições especificas. Confere?
A
restrição genérica (= a linguagem): as repetidas limitações nas possibilidades
de comunicações — nas cinco visitações — por fala, entendimentos das chamadas sonoras
em aeroportos, ferroviárias. O acesso a revistas, jornais, filmes e informações
em museus etc.
As
restrições especificas (= as diversas linguagens): se soubéssemos russo em Moscou.
Perdemos por não fruir mais em Chiang Mai por não sabermos tailandês.
Certamente não sabermos hebraico ou árabe trouxe perdas na nossa estada em
Jerusalém. Sarajevo teria muito mais aprendizagens se soubéssemos bósnio,
croata ou sérvio. A nossa estada em Delft, se soubéssemos holandês, nos
ensejaria conhecer melhor o Século 17 e as artes dos grandes pintores
neerlandeses.
Tenho,
agora, um convite muito diferente. Falemos numa cozinha. Dias antes de começar
esta pandemia, Lilith — uma colega de priscas eras — me enviou um WhatsApp.
“Fui presenteada com meia dúzia de garrafas de cervejas artesanais. Sinta-se
convidado para vir a minha casa amanhã para uma degustação!” “Convite aceito!
Levo uma paleta de ovelha já marinada para assar!” À meia tarde, estava na casa
de Lilith, para assar um presente que recebera.
Após
festejarmos reencontros perguntei: Preciso saber onde encontro cebolas? Lilith respondeu:
“No refrigerador na gaveta abaixo do congelador!” Descasquei e fatiei três
cebolas e as coloquei junto com a paleta que já estava no forno. Estava com um
bom assunto engatado. Por que choramos ao
cortar cebola? Foquei no assunto e questionei, trazendo logo o meu
interrogante: por quê tu e eu usamos colocar
a cebola no refrigerador para não chorar ao descasca-las e ao fatia-las?
Uma
muito boa pergunta é feita para quem, por anos, lecionou bioquímica nos cursos
da área da saúde! Mas respondo tua pergunta com uma outra pergunta, à moda
jesuítica**[1]:
por que nós choramos quando descascamos
cebolas, sem colocar as mesmas antes no refrigerador?
Minha
resposta não é difícil, mesmo que seja quase incompleta: porque se não protegermos olhos, chega aos mesmos algo que está no
estado gasoso e nos irrita. Nota 4, numa escala de 0 a 10, para tua
resposta. Para um professor universitário — mesmo que sejas da área soft,
divisão que eu sei que tu abominas (e eu também)
— é muito pouco! Tu sabes — para facilitar respostas melhores que há outras
maneiras — além de colocar a cebola no congelador, para não chorar — nós temos pelo
menos três alternativas, que deixo de referir agora — mas todas baseadas em uma
mesma explicação.
Voltemos
a questão heliocêntrica: por que nós
choramos quando descascamos cebola, sem colocar as mesmas antes no
refrigerador? Uma provável explicação está no sulfóxido de tiopropanal, um
gás de uma chamada função mista, formado no corte de vegetais como a cebola que
gera um ácido, em contato com a água dos olhos. Esse composto, inicialmente,
não existe na estrutura da cebola, mas a sua formação ocorre quando a descascamos
e/ou fatiamos, pois, nesse momento, as células desse vegetal são quebradas e há
a liberação de enzimas chamadas alinases e um grupo de compostos chamado de
sulfóxidos-S-alquenil cisteína.
Os
compostos desse grupo estão separados em diferentes partes da cebola, mas
depois de cortá-la, eles entram em contato e interagem por meio de reações
complexas que são catalisadas pela enzima alinase. Resumidamente, entre os
compostos formados, há os ácidos sulfínicos, que são bem instáveis e logo
convertem-se no sulfóxido de tiopropanal, que é o aldeído da lágrima.
Visto
que esse gás é volátil, ele entra em contato com a umidade de nossos olhos e
transforma-se em uma espécie de ácido bem fraco, que causa o ardor nos olhos.
Assim, como um mecanismo de proteção, as terminações nervosas das córneas fazem
as glândulas lacrimais produzirem as lágrimas. Contudo, isso só piora a
situação, porque há mais água para reagir com o sulfóxido de tiopropanal e
formar ainda mais ácido.
Depois
desta explicação de um saber primevo, detido, por exemplo, por cozinheiras,
encontramos — como (na explicação trazida) para não chorarmos ao descascar cebolas
— mediado por saberes acadêmicos explicações para a facilitação para abrir a
tampa metálica que fecha um vidro de conservas ou uma explicação à recomendação
de minha mãe em minha infância: “Tem que colocar o sal amoníaco em uma vasilha
bem fechada, se não ele foge!” Ou ainda porque para apagar uma vela ou avivar
ou braseiro, usamos o mesmo procedimento: assoprar.
Depois
de fazer evidente como o saber (falar, ler, escrever...) diferentes idiomas pode
ser facilitador para (con)vivermos no Planeta Terra e isto tem igual valia no
que se refere quanto ao conhecer Ciência. Não preciso ter a expertise em
bioquímica como Lilith, mas se entendo como moléculas de uma substância volátil
(presente na cebola) se colocadas sob baixa temperatura, cristalizam parece que
está respondida a pergunta: Por
que os professores de Ciências devem ser alfabetizados cientificamente?
*****************
* Alan F. Chalmers O que é
essa coisa chamada Ciência? ou no original What Is This Thing Called Science? (São Paulo: Brasiliense, 1993).
** É quase senso comum que os jesuítas sempre que perguntados
acerca de algo, respondem com outra pergunta. Comprovei isso. Quando lecionava
na Unisinos, um dia perguntei ao hoje reitor:
Padre Marcelo, é verdade que quando se pergunta algo a jesuíta ele responde com
outra pergunta? Silêncio sonoro e obsequioso” Professor Chassot, quem te contou isso?