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terça-feira, 31 de agosto de 2010

31- Dia do blog

Porto Alegre Ano 5 # 1489

Termina agosto. A previsão é mais um dia sem sol. Para milhares de paquistaneses, vítimas das desgraças climáticas trazidas aqui ontem e para quase uma centena de latino-americanos que ainda colocam o Eldorado num país chamado Estados Unidos este agosto foi trágico. No outro lado da medalha, agosto se faz esperança, para os 33 mineiros chilenos e suas famílias que vivem agora um ‘big brother’ sem os efeitos especiais da holandesa Endemol (fundada pelos senhores Joop van den Ende e John de Mol).

Hoje é um dia especial, mais recentemente trazido para o rol das celebrações: Hoje é o Dia do Blog. A data foi estabelecida de forma informal para o dia 31 de agosto. É o dia internacional do Weblog, Blogue ou simplesmente Blog.

A escolha desta data é porque seus números 3108 se assemelham com a palavra Blog. Para este blog a data não poderia ser mais festiva. Terminamos um mês, desde que em dezembro adotamos um contador mais confiável, com um significativo aumento na média mensal: agosto 78,1 (com 57,6 em julho e 43,4 em janeiro, por exemplo).

Mesmo que os blogues já datem de 1997, como me ilustra a Wikipédia, dicionários mais usuais da língua portuguesa (Aurélio ou Houaiss) não registram a palavra blog, e os editores de texto, salvo que a adicionemos ao dicionário, colocam-na sempre como errada. Eu, já há muito, aportuguesei blog para blogue, pois defendo que se deve escrever como se fala. Por outro lado, insisto em usar sítio ao invés de site, pois referir-se a “saite” soa antiestético.

Para escritor ou autor de um blogue, prefiro a acepção usada em Portugal “bloguista” ao brasileiro “blogueiro” – uma e outra não estão dicionarizadas. Para mim, blogueiro carrega um preconceito como o que tem a palavra motoqueiro. Observa-se a diferença entre motociclista e motoqueiro. Assim me considero um bloguista, e não um blogueiro. Há ainda mais vantagem em favor da forma de Portugal. É um substantivo epiceno; claro que não vou testar aqui e agora os conhecimentos de gramática de ninguém acerca de epicenos.

Recomenda-se que nesse dia aos bloguistas de todo o mundo deverão colocar uma mensagem aos seus leitores, apontando para outros blogs que considerem interessantes. Teria muitos blogues a recomendar, até porque acompanho alguns. Ante a impossibilidade de destacar vários, presto minha homenagem a três, que me são próximos e que buscam fazer alfabetização científica. Aos que acharem suspeita minha escolha por ter elegido três comentaristas frequente deste blogue, argumento que acompanhar como estes três editores fazem Educação determinou minha escolha.

QUIMILOKOS - De Químico e Louco todo mundo tem um pouco! Educação, Cultura e Conhecimento, destinado a professores e alunos e a quem se interessar por Ciência– quimilokos.blogspot.com – Este muito visitado blogue, editado com intensidade há mais de cinco anos pela Thaiza, Professora de Química do Colégio Militar Unidade Ayrton Senna e da Unidade Polivalente Modelo Vasco dos Reis em Goiania tem a marca de uma Licenciada em Química pela Universidade Estadual de Goiás e apaixonada por Ciência. A Thaiza faz deste blogue suporte para suas aulas que podem ser fruídas por alunos de Química do ensino médio.

DIVULGARCIENCIAdivulgarciencia-malu.blogspot.com – um blog dirigido não só a educadores e estudantes, mas para qualquer pessoa interessada em desvendar um pouco mais do nosso mundo através do conhecimento científico. Mesmo com alguns meses, iniciou em junho deste ano, a Maria Lúcia – que também é editora do aulasciencias-malu.blogspot.com – professora de Ciências do ensino básico em Curitiba no Paraná. Dentro do propósito de divulgar a Ciência, por exemplo, em sua edição mais recente, a Malu nos leva a visitação de um dos jardins botânicos mais bonitos do Brasil. Vale conhecer: divulgarciencia.

BLOG DO PROF. JAIRO BRASIL – profjairobrasil.blogspot.comum blogue editado pelo Professor Jairo Brasil, historiador e mestre em Educação – de quem orgulhosamente fui orientador – é professor de escolas técnicas profissionalizantes da região metropolitana de Porto Alegre e dirige o seu blogue para o ensino técnico profissionalizante, buscando tornar seus alunos cada vez mais leitores, com a ampliação das fronteiras da educação profissionalizante, fazendo que alunos (e também professores) da área palmilhem realidades diferentes do chão da fábrica. Editado em Canoas desde março de 2007, tem leitores especialmente no Brasil e na Argentina.

Gostaria na celebração do dia do blogue trazer dois problemas operacionais, que, com ajuda de meus leitores, talvez pudesse ver resolvido. Ambos são decorrentes de minha muito vantajosa migração, em 1º de dezembro de 2009, do UOL para blogspot.

A primeira situação desejava ver resolvido problemas trazidos em mensagens como estas: Oi Chassot meu querido, tenho tentado mandar comentários pelo blogue e não tenho conseguido não sei porque fica pedindo p/selecionar um perfil e depois que seleciono com senha e tudo... não posta o comentário...Bom mas enfim resolvi mandar um e-mail.’ // he tenido mucha dificultad para postar el comentario // Leio teu blogue quase todos os dias, mas nunca mais consigo postar comentário’.

Como o blogspot é vinculado ao gmail, quem tem conta com este provedor, usualmente, tem facilidade para postar. Quem usa outro endereço e consegue postar comentários? Como?

A segunda situação, prende-se a identificar o endereço do remetente para agradecer/ contestar/ responder o comentário deixado. Ocorrem dois tipos de endereços de remetentes: aqueles ‘secretos’ como este De: Profª Thaiza [mailto:noreply-comment@blogger.com] ou os identificados, como De: Neusa [mailto:profneusa.quimica@gmail.com] para os quais posso responder. Quem poderia orientar os comentaristas para que estes postassem seus comentários onde o remetente aparece, como no segundo caso?

Um bom presente pela celebração data de hoje, para o bloguista que vos escreve, seria que leitores ajudassem na solução destas duas situações. Alguns de meus leitores e eu agradecemos penhoradamente.

Agora votos de uma muito boa terça-feira. Voltamos nos ler, quando setembro vier. Aguardemo-lo.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

30- Paquistão: Socorro!!!


Porto Alegre Ano 5 # 1488

Uma segunda-feira que marca início de mais uma semana de agenda plena. Há dias não vemos o sol aqui. Mas há uma convicção: ele ainda existe. Mas parece que ainda não será hoje que ele aparecerá. As chuvaradas arrastaram parte das cinza em suspensão, fazendo, por exemplo, as piscinas tintarem-se um cinzento intenso. O domingo exigiu uma antecipação da poda da parreira, pois os veranicos anteciparam brotações.

Há uma tragédia no Paquistão. Não escrevi houve. Há uma tragédia continuada no Paquistão. A escala do desastre desafia a compreensão. Em todo o país, estima-se que entre 15 e 20 milhões de pessoas foram afetadas.

Isso é mais do que toda a população atingida pelo tsunami no oceano Índico, pelo terremoto da Caxemira em 2005, pelo ciclone Nargis em 2007 e pelo terremoto deste ano no Haiti – juntos.

Por que, de uma maneira geral a comoção, especialmente, dos meios televisivos são menores? Ban Ki-Moon, Secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), escreveu nos principais jornais do Planeta, nesta fim de semana, um chamamento: O Paquistão precisa de nossa ajuda, agora. Ele também pergunta e responde: Por que o mundo tem sido lento para captar a dimensão desta calamidade? Talvez porque este não seja um desastre "feito para a TV", com um impacto repentino e resgates dramáticos.

Um terremoto pode tirar milhares de vidas em um instante; em um tsunami, cidades inteiras e as suas populações desaparecem em um piscar de olhos. Parece que precisamos da instantaneidade para sermos chamados a atenção. Ontem a televisão brasileira repetiu a rodo a implosão, em poucos segundos, do estádio da Fonte Nova na Bahia, como um espetáculo midiático, mesmo que há dias estivesse programado. Em contrapartida, uma catástrofe em câmera lenta como a do Paquistão – que se constrói ao longo do tempo e está longe do fim – parece não comover.

No Paquistão as águas da enchente levaram milhares de cidades e vilas. Estradas, pontes e casas foram destruídas. Há milhões de pessoas aterrorizadas, vivendo sob a ameaça de não poder alimentar seus filhos e protegê-los da próxima onda da crise: a disseminação de diarreia, hepatite, malária e – a mais mortal – cólera.

Ouso levantar outra hipótese para a nossa alienação ao Paquistão. Eles – os paquistaneses – são os outros. Nos envolvemos com o Haiti; vibramos com o equatoriano que por se fingir de morto escapou a maior massacre imposto por narcotraficantes a 76 emigrantes ilegais no México, entre os quais choramos quatro brasileiros; acompanhamos emocionados a tragédia dos 33 mineiros do Chile, até por 4 dias foi destaque a agonia de uma baleia que encalhou na costa gaúcha. Parece que nesses casos evocados há um sentimento de pertença. Eles são dos nossos. Eles são latino-americanos. Os paquistaneses são o que mesmo? Onde fica o Paquistão? Quantos amigos paquistaneses tu tens? Quem são esses ‘outros’?

O Paquistão (em urdu پاکستان , oficialmente República Islâmica do Paquistão, اسلامی جمہوریۂ پاکستان), é um país do sul da Ásia. Localizado na região onde convergem o sul da Ásia, a Ásia Central e o Oriente Médio, o país limita com o Irã e o Afeganistão a oeste, a China a nordeste e a Índia a leste, e banhado pelo Mar Arábico ao sul, com um litoral de 1 046 km de extensão.

As duas porções do território do Paquistão em 1970 (em verde). O Paquistão Oriental (em verde, à direita) declarou-se independente em 1971, com o nome Bangladesh. O Paquistão é o sexto país do mundo em população e possui uma das maiores populações muçulmanas do planeta. Seu território pertenceu à Índia Britânica e tem uma longa história de assentamento e civilização, inclusive a civilização do Vale do Indo. A região já foi invadida por gregos, persas, árabes, afegãos, turcos e mongóis. Foi incorporado à Índia Britânica no século 19. O Estado moderno do Paquistão foi criado em 14 de agosto de 1947, na forma de dois territórios majoritariamente muçulmanos nas porções leste e noroeste da Índia Britânica, separados pela Índia, de maioria hindu. Desde a sua independência, o país tem se caracterizado por períodos de crescimento militar e econômico intercalados com instabilidade política.

Sua capital é Islamabad e sua maior cidade, Karachi. O Paquistão é uma potência nuclear, com um arsenal de armas atômicas.

Trago como encerramento as palavras com as quais o Secretário- geral da ONU concluía o artigo que referi antes: Nós simplesmente não podemos ficar parados e deixar que este desastre natural se transforme em uma catástrofe feita pelo homem. Vamos apoiar o povo do Paquistão em cada passo do longo e difícil caminho pela frente.

Uma muito boa segunda-feira para abrir uma semana que tem a chegada de setembro. Hoje tenho aulas na UAM - Universidade do Adulto Maior para prazerosamente inaugurar a semana.

domingo, 29 de agosto de 2010

29- As melhores coisas do mundo.

Porto Alegre Ano 5 # 1487

O domingo é plúmbeo. Mais uma vez nos é sonegado olhar longe. A umidade parece molhar até a alma.

Narrar nesta blogada algo do sábado é quase falar de uma lei natural. Depois da extensa maratona de aulas e palestras na sexta-feira: descanso. Nada muito mais do que isto.

À noite, com a Gelsa e a Liba – depois de uma pré-comemoração dos 89 anos desta que será dia 1º de setembro, fomos ao cinema. Assistimos a um excelente filme brasileiro: As melhores coisas do mundo.

As Melhores Coisas do Mundo***** Gênero: Drama e Romance Duração: 107 min Origem: Brasil Estréia: 16 de abril de 2010. Direção: Laís Bodanzky

Roteiro: Luiz Bolognesi Elenco: Paulo Vilhena, Francisco Miguez (Mano), Gabriela Rocha (Carol), Caio Blat, Denise Fraga, Fiuk Distribuidora: Warner Bros. Censura: 14 anos. Ano: 2010.

Há a disposição mais de uma dezena de resenhas elogiosas (encontrei também uma desconstruindo o filme) que optei trazer aqui a excelente produção de Pablo Villaça, publicada em www.cinemaemcena.com.br

Assim convido aos meus leitores a fruir uma crítica de que entende de cinema. Permito-me apenas acrescentar: é um filme imperdível para pais e professores e muito especialmente para adolescentes. Com a oferta do sumarento texto de Villaça adito votos de um muito bom domingo.

Ao sair do cinema após assistir a As Melhores Coisas do Mundo, terceiro longa-metragem da cineasta Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças), eu me sentia simultaneamente envelhecido e rejuvenescido: por um lado, contrastava minha percepção do mundo àquela dos jovens personagens retratados pelo filme, que, como o próprio título indica, ainda se encontram naquele período mágico em que tudo é encantador, a vida é repleta de promessas e as coisas mais prosaicas assumem contornos de presentes divinos; por outro, o simples fato de ter passado duas horas na companhia daqueles garotos me fez relembrar que, às vezes, abandonar o ceticismo e mesmo o pessimismo construídos pela idade adulta é mais do que fundamental – é um exercício de sobrevivência.

Escrito por Luiz Bolognesi, parceiro habitual (e marido) de Bodanzky, o roteiro é uma adaptação da série de livros “Mano” concebida por Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto e com a qual, confesso, não sou familiarizado. Focando no “Mano” do título (apelido para o “Hermano” vivido pelo estreante Francisco Miguez), o longa acompanha os jovens alunos de uma escola secundária de São Paulo que, filhotes da classe média, se preocupam principalmente em experimentar as primeiras tentações do mundo adulto: bebidas, entorpecentes e, claro, o sexo. Mas se estas descobertas vêm atreladas aos percalços da adolescência moderna, como bullying e fofocas cruéis espalhadas via Internet, surgem também beneficiadas por uma sociedade bem mais liberal (embora longe do ideal) na qual pais e filhos, mais do que “senhores” e “moleques”, mantêm relações bem mais próximas e confessionais do que no passado.

Longe de ser um filme guiado por uma trama específica, As Melhores Coisas do Mundo emprega a história como um mero trampolim para que possa estudar de forma honesta e sensível uma geração constantemente mergulhada em seus iPods, celulares e câmeras digitais, mas que, de certa maneira, talvez seja a mais ingênua produzida pelo planeta desde a década de 60. Buscando autenticidade absoluta no linguajar, na “filosofia” e nos modos de seus jovens personagens (algo que Jorge Furtado também alcançou em seu injustamente pouco visto Houve Uma Vez Dois Verões), Bodanzky alcança momentos de imensa sensibilidade como, por exemplo, ao trazer Mano tentando discutir sexo com seu irmão mais velho (Fiuk) enquanto ambos riem timidamente da natureza da própria conversa.

Cenas como esta, aliás, são uma constante no filme: com um elenco dominado por estreantes que contaram com a preparação do magnífico Sérgio Penna (Batismo de Sangue, Lula – O Filho do Brasil, Antônia), As Melhores Coisas do Mundo é povoado por uma galeria de rostos impossivelmente jovens e sem estragos provocados pelo tempo (embora as espinhas se façam presentes, claro), mas que, ainda assim, encarnam seus personagens com total entrega e imenso talento. Além disso, o roteiro de Bolognesi não comete o erro tão comum de construir diálogos que, buscando soar elegantes ou bem esculpidos, soariam artificiais saindo da boca daqueles atores – e, assim, quando um adolescente tenta seduzir uma colega, não consegue dizer mais do que um atrapalhado “Seus olhos... tipo, sei lá... seu jeito de falar... você é uma mina de conteúdo”. Não é Shakespeare, mas é inquestionavelmente honesto.

Da mesma maneira, é difícil conter um sorriso ao testemunhar a preocupação da mãe vivida por Denise Fraga, que, ao buscar o filho em uma festa, imediatamente questiona se este bebeu e afirma estar sentindo cheiro de cigarro – algo que, se incomoda Mano, acaba empalidecendo a partir do instante em que ela decide falar sobre sexo com o filho, que imediatamente exibe uma expressão de profundo sofrimento, como se submetido a uma tortura indizível. Francisco Miguez, aliás, surge como uma das grandes revelações do projeto, jamais se intimidando diante do desafio de assumir o papel de protagonista embora jamais houvesse atuado – e acaba carregando o filme com facilidade e carisma. Enquanto isso, Caio Blat e Paulo Vilhena, atores também jovens, curiosamente assumem papéis de figuras de autoridade, o que não deixa de se revelar uma escolha interessante: como o professor de violão de Mano, Vilhena compõe um músico tranqüilo que, ao mesmo tempo, sabe ser crítico quando necessário (ao perceber que o aluno não havia praticado em casa, ele diz: “Isso, vamos queimar a grana da família!”) – e é fácil perceber por que Mano passa a confiar nos conselhos do sujeito. Já Blat, como um professor de Física, surge como um mestre capaz de inspirar os alunos sem apelar para a autoridade, conseguindo também sugerir detalhes sobre o passado do personagem sem ter muito tempo de tela (reparem, por exemplo, como ele se mostra decepcionado ao ouvir a diretora da escola repreendendo-o por se aproximar dos alunos, numa sugestão clara de que, quando aluno da instituição, ele próprio se tornou próximo daquela profissional).

Mas As Melhores Coisas do Mundo não ignora as gerações anteriores: retratando o pai de Mano, Zé Carlos Machado vive um sujeito que, chegando à meia-idade, passa a temer a própria acomodação, decidindo abraçar a própria natureza antes que se torne velho demais para viver as experiências que deseja conhecer – e, neste sentido, o filme formaria uma excelente sessão dupla com o trabalho anterior de Bodanzky, o belo Chega de Saudade, que se contrapõe em tom e geração a este trabalho.

Aliás, Bodanzky vem se revelando uma diretora cada vez mais segura, demonstrando, aqui, inteligência ao conduzir a narrativa visualmente: se nas seqüências que se passam na escola ela adota planos mais abertos que insiram os personagens ao mundo que freqüentam, imprimindo energia ao filme, em outros momentos mais pontuais ela não hesita em investir em closes que expõem os sentimentos dos personagens, como na conversa entre Denise Fraga (sempre ótima) e Miguez no carro ou no abraço emocionado entre este último e seu irmão (vivido, diga-se de passagem, com grande intensidade por Fiuk). Além disso, a cineasta é hábil ao evocar a introspecção de Mano em duas seqüências envolvendo time lapse ou ao retratar o choque e assombro do garoto ao perceber que toda a escola descobriu um segredo sobre sua família, quando então o som forte das batidas de seu coração parecem deixá-lo surdo para o mundo à sua volta.

Já a direção de arte de Cássio Amarante merece aplausos por contribuir de forma orgânica para a narrativa, oferecendo insights sutis sobre as personalidades de seus personagens sem chamar a atenção para si mesma, como ao conceber o apartamento inicialmente amontoado e desconfortável do pai de Mano (um homem sem prática de viver sozinho) e que gradualmente se torna aconchegante e caloroso, refletindo seu conforto cada vez maior com sua nova realidade e, claro, a natureza de seu novo relacionamento. Da mesma forma, se o quarto do estudante vivido por Fiuk ressalta sua personalidade cada vez mais sombria e entregue à depressão, o apartamento do professor de Paulo Vilhena é agradavelmente tomado pelo mundo da música, dos instrumentos e discos espalhados ao cartaz de Louis Armstrong que surge ao fundo. Enquanto isso, a montagem de Daniel Rezende é eficiente ao conferir ritmo e coesão a uma narrativa que poderia soar dispersa e episódica – algo que pode ser ilustrado pelo belo raccord no instante em que Mano toca o interfone externo do prédio de Vilhena apenas para, num corte seco, já surgir diante da porta do apartamento deste.

Com um ou outro tropeço eventual (particularmente, a marcha militar que acompanha a blogueira fofoqueira me pareceu um esforço de humor exagerado e desnecessário, bem como a narração em off de Mano), As Melhores Coisas do Mundo é um filme divertido, envolvente e sensível que constrói o arco dramático de seu protagonista com inteligência: é interessante, por exemplo, perceber como Mano insiste em aprender “Something”, dos Beatles, a fim de impressionar uma garota apenas para, eventualmente, surgir cantando a música com tranqüilidade e descontração ao lado dos amigos, ilustrando seu próprio amadurecimento.

E é aí que o filme de Bodanzky conquista de fato: depois de nos apresentar àquele universo e ao seu jovem e imaturo herói, que não hesita em fazer uma caricatura cruel e preconceituosa de uma colega de sala ou em condenar um professor sem ter razões para isso, o filme ilustra com talento o amadurecimento daquele menino que, ao final da projeção, pode ainda estar longe de ser adulto, mas que inquestionavelmente se encontra a caminho de se tornar um belo ser humano.

sábado, 28 de agosto de 2010

28- Evocações do erótico ‘Cântico dos cânticos’

Porto Alegre Ano 5 # 1486

Chuvas, trovoadas, relâmpagos... para lembrar agostos de minha infância. Com esta meteorologia não se deitava galinhas em choco.

Um bom sábado para falar em livros. Devo reconhecer que nas três blogadas sabáticas ofereci indicações supimpas. Hoje não posso deixar por menos. Só faço uma diferença. Nas últimas trouxe leituras que se integravam a minha biblioteca. Nesta semana, a novidade foi curtida já na quarta-feira quaudo houve aqui um festejado anúncio. Hoje, busquei uma de minhas preciosidades que já tenho há um tempo: Cântico para Soraya uma princesa sefardita // Cantique à Soraya une princesse séfarade é uma primorosa edição bilíngue português / francês de A Girafa Editora. Evoca com preciosidade o eróticoCântico dos cânticos’ de Salomão tão usualmente mutilado nas edições dos textos sagrados.

ARCHANJO, Neide. Cântico para Soraya uma princesa sefardita // Cantique à Soraya une princesse séfarade. São Paulo: A Girafa // Paris: Eulina Carvalho, 2006, 87p. ISBN 85-89876-90-X // 2-910292-13-4

Um livro diferente. Um livro precioso. Não por ser seja bilíngue. Não porque os versos são sonoros tanto em português como em francês; também não porque tem um acabamento bonito e uma diagramação gostosa. Precioso, por ser daqueles livros, e vou chamá-lo carinhosamente de livrinho, que se tem vontade não acomodar na estante. Parece que ele é para ficar junto teclado, ou atirado perto da rede, talvez ao lado do rádio-relógio, à cabeceira. Ele parece transformar-se em um vade-mécum.

Neide Archanjo é poeta, advogada e psicóloga. Nascida em São Paulo, mora no Rio

de Janeiro. Estreou na literatura em 1964, com Primeiros ofícios da memória. Ganhou uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian na qualidade de poeta residente em Portugal. Recebeu por duas vezes o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Atuante e engajada na divulgação da cultura brasileira, é considerada pela crítica uma das autoras mais significativas da geração de 60. Criou e participou de diversos movimentos poético-culturais como "Poesia na Praça", varais de poesia, espetáculos em teatro, cafés e universidades, além de festivais nacionais e internacionais de poesia e arte. Seus poemas figuram em antologias nacionais e estrangeiras. O tom épico-lírico, conciliando os grandes temas e as sutilezas dos pequenos detalhes da vida, é uma constante em sua obra.

É a primeira vez que (a)venturo-me a resenhar um livro de poesia. O intenso poetar premiado de Neide Archanjo poderia servir de credenciais e dizer que vale a pena ler o livro. Não posso fazer isso. Vou dizer então que me encantou com este poema voltar à Andaluzia e ver islâmicos, judeus e cristãos cantando o Amor com dulçor e com paz.

Cântico para Soraya nos remete, pela citação, nas páginas de abertura de versos de Salomão, ao bíblico Cântico dos cânticos. Nãocomo não comparar o Cântico de Neyde para uma princesa sefardita com o poema que é o menor dos 73 livros da Bíblia Sagrada [na tradição tridentina da Igreja Católica].

O poema de Salomão para suas amantes tem apenas 8 pequenos capítulos. Mostro no A Ciência é masculina? E, sim senhora! como houve a transformação de uma narrativa laudatória da experiência sexual no seu oposto, no louvor à abstinência sexual. Por exemplo, a visita noturna que o esposo faz a esposa, é interpretado em nota explicativa de algumas edições bíblicas como “Deus batendo a toda hora à porta de nossos corações, e é preciso responder prontamente à sua chamada” Um banquete quase orgíaco dos esposos, para o qual chamam os amigos, é prefigurado como símbolo manifesto da Eucaristia. Nas versões usuais, por exemplo, a vagina é traduzida com puritanismo por umbigo, mesmo que anatomicamente na descrição esteja colocada na junção das coxas e se tenha um umbigo, aparentemente sadio, que seja úmido e tenha secreção. Assim por exemplo: “O teu umbigo é uma taça feita ao torno, que nunca está desprovida de licores” (7, 2),

Assim vale ler Cântico para Soraya uma princesa sefardita pois essa versão não censurada que Neide Archanjo nos traz muito daquilo que podaram no texto do rei Salomão. Com encantos recomendo às leitoras e os leitores deste blogue esses cantos.

Com esse bom clima para leituras: o melhor sábado para cada uma e cada um. Para manhã um convite para uma blogada dominical.