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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

31.- Assamblage januária

Porto Alegre * Ano 5 # 1642


Mesmo que a data possa sugerir, não vou analisar uma máxima que muito transita aqui: tempus fugit. Ainda nos surpreendemos nos desejando ‘feliz ano novo’ e já vivemos o ocaso de janeiro.

Encerramos o mês dedicado ao deus Janus, termina o período das celebrações januárias. Janus era o deus a quem os romanos creditavam o bom término de algo que estava começando. O templo principal de Janus, no Fórum, tinha portas voltadas para o leste e para o oeste. Entre as duas portas, estava a estátua de Janus com suas duas faces, que contemplavam em direções opostas: o começo e o fim do dia, para que esses fossem abençoados. Janus era o deus que ria e chorava ao mesmo tempo, ou melhor, um lado do rosto chorava e outro ria. Em toda casa, a oração matutina era dirigida a esse deus e para toda lide doméstica era solicitada a sua ajuda. Como o deus do começar, ele era invocado publicamente no primeiro dia de janeiro, assim denominado, pois Janus - sem similar na mitologia grega – começava o ano novo.

Neste janeiro, muito se chorou, pois ele passa para a História com aquele onde houve no Brasil a maior tragédia provocada por fenômenos climáticos. Chorou-se a morte e também se celebrou a vida.

Já contei, ante a exigência de postar a cada dia um texto, que recordo muito minha mãe. A cada noite era invariável sua pergunta. O que vou cozinhar amanhã? Alimentar, com limitações econômicas, um casal e sete filhos não era trivial. A mim, de vez em vez assalta a interrogação: O que postar amanhã? Ao final do domingo, já tinha estruturada uma blogada para o dia seguinte. Dei-me conta que tinha muitos ‘assuntinhos’ que sós na mereceriam uma blogada. Posterguei para inaugurar fevereiro: (In)mobilidade urbana. Para hoje ofereço um assamblage.

Assim esta blogada se transvestes com um nome poético: assemblage. Aprendi essa palavra em rótulos de vinhos. No Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, um enólogo explicou-me que consiste de vinho formado pela reunião controlada de dois ou mais varietais em proporções estudadas. Assim, por exemplo, cabernet sauvignon + merlot poderiam formar uma assemblage (o substantivo é feminino, numa evocação à assembleia), ou tanat + pinot noir, outra. Observaram como esses varietais (palavra não dicionarizada, usada para indicar tipos de cepas) têm nomes sonoros? Aqui a palavra cepa (que pode ser usado para designar cebola, a partir de seu nome genérico) está sendo usada em duas acepções no ramo das videiras: uma, como caule ou tronco da videira, de onde nascem os sarmentos; outra, como estirpe, linhagem ou tronco de família; cepo. O Houaiss me diz que assemblage, significa composição artística realizada com retalhos de papel ou tecido, objetos descartados, pedaços de madeira, pedras etc e diz que a etimologia é da palavra francesa homônima assemblage (datada de 1493) 'conjunto constituído de elementos ajustados uns aos outros'.

Mas eis os componentes da assamblage que fazem a edição de hoje.

Tanat O meu colega Guy escreve desde Cumming, na Georgia, USA: Chassot, acabo de saber que o Museu do Cairo foi saqueado e muitas peças milenares foram destruídas. Portanto, quero usar teu espaço para compartilhar minha dor. Abraços lacrimosos. Respondi assim: Meu querido Guy, lacrimejo contigo. Em 2002, quando estive no Egito Hosny Mubarak e sua prepotente mulher já eram detestados. Quanto ao museu do Cairo, lamentavelmente deve ter sido fácil saquear, pois das dezenas de museus que já visitei e incluo o teu Museu da Natureza, nenhum era tão abarrotado como ele. Um afago sonhando com a renuncia do Ditador (que na busca da Paz entre islâmicos e judeus sempre foi muito importante!) para que volte o bom senso, ac. Depois complementei: Meu caro Guy, Permita-me um bis a teu comentário. Coloquei no salvífico Google desktop a palavra ‘Mubarak’ e encontrei a seguinte nota de rodapé que escrevi em um texto sobre o Egito em abril de 2002: Hosni Mubarak é o ra’is – o presidente – que governa o Egito desde 1981 – quando foi assassinado Sadat – e está reeleito para governar por mais um mandato de 6 anos, ficando no poder até pelo menos até 2005. Governa como se fosse um Rei, sua foto segundo se diz de pelo menos 20 anos atrás, está em muitos lugares, inclusive nas ruas. É acusado de corrupção e as eleições parecem ter sido fraudulentos. Sua mulher Suzanne é uma figura pública muito importante; ambos estão diariamente nas páginas dos jornais. Há uma crescente insatisfação popular de uma população que, na sua maior parte continua empobrecendo, enquanto alguns políticos enriquecem muito. Os partidos de oposição são minoritários e têm poucas oportunidades de reverter o sistema hegemônico. E ainda demorou nove anos. Receba afago aí nos USA, ac. Esta sonhada reviravolta no Egito, como foi na Tunísia, não poderia ocorrer sem internet.

Merlot Quantos leitores sabem o que é persignar-se? Pois fiquei surpreso em minha última viagem. Dos quatro voos, em três tive jovens, como vizinhos de assento: dois rapazes e uma moça. Na quarta etapa estive sozinho. Os três tinham formação acadêmica, pelo rápido papo que desenvolvemos. Surpreendi-me, pois os três (sim todos) persignaram-se quando o avião alçou voo e também quando pousou. Pensei que isso era algo de priscas eras. [Persignar-se: Benzer-se, fazendo com o dedo polegar da mão direita uma cruz na testa, outra na boca e outra no peito].

Pinot noir E por falar em voo: quando concluímos a etapa Recife/Belo Horizonte, uma das comissárias (eram três comissárias e um comissário) anunciou: Nosso comissário Rodrigo, é Mister Recife 2010 e ao final do voo estará disponível para fotos. E o Mister desfilava coletando em um saco o material descartado pelos passageiros.

Cabernet sauvignon Quem sabe o que um polímata? Uma dica: eis alguns polímatas notórios: Leonardo da Vinci, Rui Barbosa, Bertrand Russell, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, José Bonifácio de Andrada e Silva, Vinícius de Moraes. Hoje ainda existem polímatas. Nesta estada em Recife, estive com um. O Paulo Marcelo Pontes é um polímata, (do grego polymathēs, πολυμαθής, "aquele que aprendeu muito") é uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Em termos menos formais, um polímata pode referir-se simplesmente a alguém que detém um grande conhecimento. Falávamos de peixe: ele como pescador discorria sobre morfologia de diferentes variedades; o mesmo ocorria com plantas, pois é um produtor de bonsais; sabia acerca de carnaval de Olinda e também conhece a história do Náutico – do qual é fanático torcedor, como poucos; discorria sobre a invasão holandesa em Pernambuco, como se relatasse o que lhe acontecera na sala de aula ontem; como constrói robôs e venceu recentemente um campeonato que levará seus alunos à Turquia representar o Brasil, entende de robótica; a literatura de cordel é sua praia e o meu Ciência através dos tempos já teve partes ‘cordelizadas’; geologia marinha, particularmente formação de recifes explica com autoridade; como bibliófilo tem histórias para contar sobre livros antigos que coleciona; sabe sobre a presença de Darwin em Pernambuco e também sobre História e Filosofia da Ciência; como astrônomo amador monta seu telescópio na praça e dás aula de astronomia para o povo; e, é também um professor de Química reconhecido, seus colegas referiram-me como ‘o nosso cientista’. É muito bom ter um amigo polímata.

Assamblage: Assim a cada uma e cada um uma excelente

segunda-feira para despedir janeiro. E que venha fevereiro, como Pandora escreveu no sábado, que o carnaval é em março. Usualmente crítico impiedoso de Bento 16, eu adiro à sua manifestação em jornal de ontem, ao referir-se ao uso excessivo da internet: “Não bastam os encontros virtuais é preciso ter encontros reais!” Para encerrar dois momentos da manhã de ontem relativos à colheita de araçás nos jardins suspensos (8º andar) da Morada dos Afagos. Lamento não poder distribuir estas gostosuras a meus leitores.

domingo, 30 de janeiro de 2011

30.- Domingo, pode ser dia de lobisomem

Porto Alegre * Ano 5 # 1641

Mesmo que a tradição popular afirme que sexta-feira seja dia de lobisomem, hoje mesmo não sendo sexta e muito menos dia de lua cheia, neste quinto e último domingo de janeiro, neste blogue, é dia deste personagem que há séculos assusta os humanos.

Eis o que diz a dele – El hombre lobo, para os de fala espanhol –a Wikipédia:” Lobisomem ou licantropo (do grego λυκάνθρωπος: λύκος, lykos, "lobo" e άνθρωπος, anthrōpos, "homem"), é um ser lendário, com origem em tradições europeias, segundo as quais, um homem pode se transformar em lobo ou em algo semelhante a um lobo em noites de lua cheia, só voltando à forma humana ao amanhecer. Tais lendas são muito antigas e encontram a sua raiz na mitologia grega.

Mas o assunto chega aqui por recente matéria da Folha de S. Paulo, com manchete Lobisomem de 1662 tinha nome científico Os primeiros "estudiosos" da fauna tropical, confusos entre realidade e ficção, nomearam o "Homo sylvestris'
Relatos "científicos" sobre a fauna da época incluíam até o chupa-cabra e serão tema de uma exposição no Rio de Janeiro, neste fevereiro, escreve Giuliana Miranda.

Ao se depararem com indivíduos com hipertricose (doença sem cura que provoca crescimento excessivo de pelos em praticamente todo corpo), os navegadores acreditavam estar diante do lobisomem. A imagem é de um livro de 1622 intitulada Lobisomem (Homem Silvestre).

Muito antes de aterrorizar mocinhas no cinema, a anaconda, ou sucuri gigante da Amazônia, já tirava o sono de vários europeus. Índios canibais sem cabeça e até o chupa-cabra, também.

Esses e outros mitos e monstros saíram do Novo Mundo direto para as bibliotecas das metrópoles, em publicações que misturavam ciência, fantasia e ficção.
Para explicar os mistérios dos territórios recém-descobertos – e valorizar ainda mais suas conquistas-, muitos exploradores criavam narrativas que deixariam Darwin de cabelos em pé.

"A realidade dos europeus era completamente diferente. Então, quando eles viam animais, plantas e até pessoas tão incomuns, taxavam-nas de monstros e criavam explicações mirabolantes", diz Ana Virginia Pinheiro, chefe do departamento de obras raras da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

Entre 14 de fevereiro e 15 de abril, algumas dessas histórias poderão ser vistas na exposição "Monstros: Memórias da Ciência e da Fantasia", na sede da instituição.
Os autores eram variados: iam desde cientistas participando de expedições até piratas com pouca instrução, tendo ainda alguns escritores que nunca tinham saído da Europa, apenas ouviram uma lenda e a "recontaram".

Lobisomem Alguns dos mitos de origem europeia também marcam presença no acervo, como a história do lobisomem. Um livreto de 1662, escrito pelo teólogo Gaspar Schott, traz descrições minuciosas sobre a anatomia e, por mais incrível que pareça, atribui um nome científico à criatura: Homo sylvestris. Algo como homem da floresta.

Esses relatos, afirma Ana Virginia, provavelmente se basearam em encontros com pessoas que tinham doenças sem cura ou anomalia, hoje conhecida como gêmeo parasita (fetus in fetu), também deu origem a um mito bizarro: o homem "grávido".

Publicações do século 17 relatam alguns desses casos e, por incrível que pareça, davam instruções para a cura. A doença provoca uma espécie de gêmeos siameses ao extremo. Enquanto um dos bebês se desenvolve, o outro cresce atrofiado dentro do corpo do irmão, ficando completamente dependente. Um verdadeiro parasita. Na maioria dos casos, o feto parasita fica na região abdominal, causando uma espécie de barriga que lembra a de uma mulher grávida.

Alguns dos relatos adotam uma linguagem quase jornalística para narrar a história dos monstros. Um livreto de 1727, do português José Mascarenhas, relata a captura de um "terrível monstro", que se alimentaria do sangue de pequenos animais.

A lenda, popular entre campesinos do México, ganhou força e se espalhou para os Estados Unidos, República Dominicana e até o Brasil. O bicho era o precursor do nosso chupa-cabra.

Na expectativa que esta blogada não seja chamariz para algum homem-lobo que possa empanar o domingo, meus votos que este seja o mais frutuoso possível. Amanhã, se não assustados com lobisomens, nos lemos uma vez mais.

sábado, 29 de janeiro de 2011

29.- A Ilha Sob o Mar


Porto Alegre * Ano 5 # 1640

Era quase 21h quando estava de volta a Morada dos Afagos. Foram mais de 36 horas de ausência que pareceram semana. Não sei bem a explicação. Talvez pela a intensidade das emoções vividas. Talvez a irrespondida interrogação: ¿Vale a pena todo este investimento físico destas viagens para falar duas horas?

A palestra no Colégio Santa Emília marcou, na instituição, o encerramento de uma semana de atividades pedagógicas para uma centena de docentes de todas as áreas do ensino fundamental e médio. Dividi a minha intervenção de cerca de duas horas em três movimentos. No primeiro, fiz discussões da Ciência um construto humano para a leitura do mundo e comparei com outros mentefatos culturais. No segundo, centrei-me no tema elegido pela escola ‘como professores de todas as áreas podem ser pensados como formadores de jardineiros para cuidar do Planeta’. No terceiro movimento, comparei duas escolas uma de 2001 e outra de 2011 e propus alternativas para uma escola que se não mudou, foi mudada.

Em cada um dos cinco dias do evento uma editora brasileira ofereceu apoio ao evento e eu participei auspiciado pela Moderna que me ofereceu todo o suporte para a participação. Agradeços as muitas atenções recebidas da filial de Recife.

Após as atividades com o Paulo Marcelo e com o Euzébio – meu colega já de muitas jornada (a última fora no mini-curso de História e Filosofia da Ciência em Brasília em julho) que agora esta na UFPE no Campus de Serra Talhada, uma cidade no sertão Pernambucano, que surge na clivagem de extensa serra –, fomos ao município de Paulista para apreciar em fraterno ágape dois peixes que não conhecia: agulhinha negra e arabaiana. No restaurante havia uma árvore carregada de coité, um fruto que também desconhecia.

De Paulista, por algumas estradas vicinais e depois pela BR 101 chegamos ao aeroporto de Guararapes, para nas despedidas do Euzébio e do Paulo Marcelo simbolicamente dar tchaus a muitos colegas com quem me envolvi nesta abertura pernambucana de minhas palestras 2011.

Como a rotatividades de leitores aqui devo dizer que as blogadas sabáticas são de dicas de leituras. Traga usualmente comentários de autores e livros que me envolveram mais recentemente.

Contei aqui, no primeiro sábado de janeiro que tive um recesso natalino pródigo em leituras. 1.- Caso Kliemann: A história de uma tragédia. [Dica de leitura em 15 de janeiro] 2.- A Ilha sob o mar – Dica de leitura em 8 de janeiro]. 3.- El infinito en la palma de la mano. [Dica de leitura de hoje] 4.- El sueño del celta. [Dica de leitura em 22 de janeiro]. Três destes se fizeram resenhas aqui nos sábados referidos. Encerro o ciclo o comentando o ultimo romance da autora que já há 30 anos me encantava com “A casa dos espíritos”, fazendo-me então aproveitar a estada dela em Porto Alegre para pedir que autografasse meu exemplar do ‘Circulo do livro’.

Aliás, preciso dizer que a resenha de hoje se conecta de maneira muito cruenta com o livro de Mario Vargas Llosa trazido aqui no sábado passado. Um e outro retratam o massacre que brancos opressores fazem a negros escravizados.

ALLENDE Isabel, A Ilha sob o mar Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2010, 476 p. [La isla bajo el mar Tradução: Ernani Sso] ISBN 978- 85-286-1444-2. R$ 49,00.

Isabel Allende Llona (Lima, 2 de agosto de 1942) é uma jornalista e escritora chilena. Apesar de ter nascido em Lima, sua família logo voltou para o Chile, sua terra natal. Atualmente está radicada nos Estados Unidos da América.

Isabel Allende é considerada uma das principais revelações da literatura latino-americana da década de 1980. Sua obra é marcada pela ditadura no Chile, implantada com o golpe militar que em 1973 derrubou o governo do primo de seu pai, o presidente Salvador Allende (1908-1973).

Escreveu A casa dos espíritos (1982) e ganhou reconhecimento de público e crítica. A obra foi filmada em 1993 por Bille August, com Jeremy Irons e Meryl Streep. Em 1995 lançou o livro Paula, que a autora escreveu para a sua filha que estava em coma devido a um ataque de porfiria. Como a autora não sabia se a sua memória voltaria após a saída do coma, Isabel Allende resolveu contar a sua história para auxiliar a filha a lembrar dos fatos. Paula passou a ser então um retrato autobiográfico. Sua filha não voltou do coma e morreu um tempo depois.

Em agosto de 2010 chegou às livrarias de todo o país o mais recente livro de Isabel Allende, A Ilha sob o Mar, um romance histórico de homens e mulheres com coragem para arriscar tudo em troca da liberdade, durante a colonização francesa no século 18, em tempos em que na metrópole se vivia o Iluminismo e a consequências da Revolução Francesa.

O romance narra a vida de Zarité, a escrava que foi vendida aos nove anos de idade para o francês Toulouse Valmorain, dono de uma das maiores plantações de cana-de-açúcar nas Antilhas. Como escrava doméstica, ela não padeceu as dores e as humilhações de seus iguais, mas conheceu as misérias de seus patrões, os brancos.

Desde o começo o leitor sente a tensão frente à realidade da ilha e a severidade com que Zarité é obrigada a conviver. Ela torna-se concubina de Valmorain e é responsável por cuidar dos dois filhos do patrão: o legítimo, que teve com sua esposa espanhola – uma personagem deplorável no romance –, e o extra-oficial, que teve com a própria Zarité.

A Ilha sob o Mar é um livro apaixonante que começa por volta de 1770, poucos anos antes da revolução haitiana. Quando os escravos se rebelam e queimam as plantações da ilha, Valmorain, Zarité e as crianças conseguem fugir para Cuba, e depois se estabelecem numa nova fazenda em Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Quando se assiste o estado de calamidade em que se encontra alicerçada a sociedade haitiana, não vê que está no passado de horror as verdadeiras causas do desequilíbrio e do infortúnio em que estão mergulhados. A ilha, dividida entre a colonização espanhola e francesa, viveu um dos regimes de segregação racial mais brutais que se conheceu na Terra. Os negros, trazidos em sua maioria da Guiné, na África e de regiões circunvizinhas foram submetidos a um sem número de torturas que começavam nos próprios navios negreiros e culminavam no solo caribenho de águas límpidas e sol à pino.

É sobre parte desse processo que fala o novo livro da escritora Isabel Allende. Intitulado A Ilha Sob o Mar, o título é um verdadeiro resgate dos inóspitos caminhos da escravidão. Tudo enovelado pela história da escrava Zarité.

Como referi este livro, como o aqui resenhado no sábado, traz muito das desgraças humana. Este talvez tenha um contraponto: mescla-se com lindas histórias de amor. A Ilha Sob o Mar parecer uma boa sugestão para o fevereiro que advém. Votos de um excelente sábado e a expectativa de nos lermos amanhã.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

28.- Olinda, linda até no nome

Recife * Ano 5 # 1639

Cheguei a Recife às 14h (13 no horário de Brasília: o Norte e o Nordeste, não adotam o horário brasileiro de verão), numa viajem em duas etapas: Porto Alegre/ Belo Horizonte 2 horas e Belo horizonte/Recife 2,5 horas.

Era esperado atenciosamente pela Laura da Editora Moderna. Passamos primeiro pela imponente filial da Moderna de Recife que atende as regiões Norte e Nordeste. Após ser recebido pela Noêmia Gerente Regional, fui com a Laura à Praia da Boa Viagem para saborear um peixe ao molho de camarão.

Depois de acomodado no Hotel – onde meus problemas de conexão com o mundo são de duas dimensões: só consigo sinal de internet na recepção e o conector de energia não se adapta ao modelo de tomadas do hotel. Isto me faz quase desvalido.

Ao entardecer o meu colega e amigo Paulo Marcelo Pontes veio buscar-me para excelente circulada turística. O Paulo, que em março de 2008 catalisou minha última estada aqui pelo Instituto Sapiens, foi quem desencadeou o convite para este convite de hoje.

É privilégio tê-lo no ciceronear nas duas cidades, pois não apenas tem expertise em História e Filosofia da Ciência, mas também conhece a historia de Pernambuco, especialmente do domínio holandês. Fomos primeiro no Recife antigo, Marco Zero, Observatório astronômica, na Sinagoga Kahal Zur Israel – a primeira sinagoga das Amaricas. Vimos uma exposição de dois fotógrafos locais: Francisco Baccaro com ‘Substâncias’ e Kirumba com ‘Luz do sertão’; um e outro excelentes.

Terminamos nossa noite em Olinda que também é a cidade onde está o Colégio Santa Emília onde falo esta manhã, para desta seguir direto ao aeroporto. Em Olinda estivemos no Alto da Sé, onde esta a catedral com o jazigo de D. Helder Câmara. Estivemos onde em 1860, o astrônomo francês Emmanuel Liais descobriu, no Observatório do Alto da Sé – na foto estou à porta do mesmo –, o primeiro cometa relatado a partir de observações na América Latina e o único descoberto no Brasil, que recebeu a denominação de cometa Olinda. (Informação da Wikipédia editada por P.M. Pontes.

No jantar tivemos a companhia da Daniela e o cardápio foi dourado – um peixe oceânico - com pirão. Há era quase 22h – horário local – quando o Paulo e a Daniela trouxeram-me ao hotel.

Olinda dista 7 km de Recife e está na sua Região Metropolitana. Olinda tem quase 400 mil habitantes; Recife, de onde escrevo, tem mais de 1,5 milhão.

Com auxílio da Wikipédia trago aos meus leitores algo desta bonita cidade. Olinda é uma das mais bem preservadas cidades coloniais do Brasil. Foi a segunda cidade brasileira a ser declarada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela UNESCO, em 1982. Um mito popular diz que o nome Olinda teria a sua origem numa suposta exclamação do fidalgo português Duarte Coelho, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco: "Oh, linda situação para se construir uma vila!”

Olinda era sede da capitania de Pernambuco, mas foi incendiada pelos holandeses devido à sua localização. Segundo a concepção holandesa de fortificação, Olinda detinha um perfil de difícil defesa. Diante disso, a sede foi transferida para o Recife.

Em 1630, Olinda foi tomada pelos holandeses que a incendiaram no ano seguinte; em 1654, os portugueses retomaram o poder e expulsaram os holandeses. Olinda volta a ser capital de Pernambuco, muito embora os governadores residissem no Recife. Por volta de 1800, com a fundação do Seminário Diocesano e, em 1828, do Curso Jurídico, transformou-se num burgo de estudantes. Tive oportunidade de ver o prédio da instituição pioneira da área do ensino de direito. Deixou de ser a Capital da Província em 1837, perdendo o título de capital para o Recife.

Olinda rivalizava com a metrópole portuguesa. Seus velhos sobrados tinham dobradiças de bronze, enquanto as igrejas, principalmente a Sé, ostentavam em suas portas principais dobradiças de prata e chaves fundidas em ouro.

Foi no Senado da Câmara de Olinda que, a 10 de novembro de 1710, o sargento mor Bernardo Vieira de Melo deu o primeiro grito em prol da independência nacional.

Os primeiros cursos jurídicos do Brasil, criados pelo Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827, foram inaugurados solenemente no mosteiro de São Bento, a 15 de maio de 1828. Antes de sua transferência para o Recife, os Cursos Jurídicos funcionaram no prédio em que atualmente se encontra a prefeitura.

Em 2005, Olinda foi eleita a primeira Capital Brasileira da Cultura para o ano de 2006. Foi a primeira vez que o Brasil elegeu uma capital cultural. O projeto é uma iniciativa da organização Capital Brasileira da Cultura (CBC), com o apoio dos Ministérios da Cultura e do Turismo e da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). São símbolos culturais da cidade a comida típica tapioca e o farol de Olinda.

Com a trazida de um pouco de minha quinta-feira e desta sexta-feira onde dou a primeira palestra do ano, desejo a cada uma e cada um de meus leitores um dia muito bom. Minha expectativa é estar à noite em Porto Alegre e amanhã oferecer aqui uma dica de leitura.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

27.- Ouçamos a Natureza

Porto Alegre * Ano 5 # 1638

Madrugada com temperatura de 25ºC com perspectiva de ascensão de mais 10º como ontem, Na manhã desta quinta-feira estou fazendo uma ruptura em minhas hemi-férias. Talvez melhor, estou aditando algo diferente como férias. Vou a Recife. Amanhã pela manhã tenho uma palestra no Colégio Santa Emília em Olinda. Viajo patrocinado pela Editora Moderna, enquanto autor de Ciências através dos tempos. Volto no começo da tarde, com chegada prevista em Porto Alegre, às 20h30min.

Registros da correspondência: Recebo um mimo de Itabuna, Bahia com esta dedicatória: Mestre, obrigado pelos ensinamentos. “O ‘teu’ blogue é nossa página inicial do navegador. Abraços carinhosos, Jorge Hamilton e Alana e filhas Lorena e Larissa”.

O Professor Guy, biólogo e alma-mater do Museu da Natureza de Cachoeirinha, RS escreve de Atlanta USA: Pois teu blogue é minha página de abertura”. É um estímulo e aumentam as exigências do editor.

A propósito da edição de ontem recebi esta mensagem de Aracajú: Estimado Chassot: É com imenso prazer que li seus comentários em seu blog a cerca do conhecimento científico e de sua surpresa de encontrar um projeto de pesquisa elaborado a partir de suas reflexões. Gostaria de deixar registrado que as reflexões dentro da Universidade Federal de Sergipe sobre o ensino de química ainda é uma novidade. Temos, desde 2010, a nossa primeira professora doutora em ensino de ciências. Neste sentido, é com muita estima que lhe comunico que durante os dias 25 a 28 de janeiro/2011 está acontecendo a Escola de Verão em Ensino de Química. E para minha surpresa, e acredito que será a sua também, desde a palestra de abertura, oficinas e mini-cursos o senhor está sendo referência expressiva. Gostaria muito que fizesse, dentro de suas possibilidades e julgamento, comentar isto em seu Blog. Nós aqui do estado de Sergipe, nós que pensamos sobre a prática docente, ficaremos imensamente felizes em ler seus comentários falando sobre nós. Será motivo de orgulho, acredite será um grande incentivo. Um forte abraço, Ana Lícia de Melo Silva. Obrigado Ana Lícia. Na torcida pelo êxito da Escola de Verão. Recordo quando estive aí no último setembro e fiz duas palestras em Itabaiana, participei de banca e ministrei seminário no Programa de Pós-Graduação em Educação de Ensino de Ciências. Há um grupo de jovens estudantes que me entusiasmou pela garra que vi nos que estavam então comigo.

Certamente, lembraremos por muito tempo este 2011 como o ano no qual o prelúdio de ano novo se toldou de luto para uma multidão devido a morte de mais um milhar de pessoas nas tragédias na região serrana do Rio de Janeiro. Janeiro se vai e com ele a tragédia parece que vai sendo esquecida. Vale ler, a propósito o sempre sábio eco-teólogo Leonardo Boff. O texto está em www.amaivos.com.br Com ela meus votos de uma muito boa quinta-feira e a expectativa de nos lermos amanhã desde Recife.

O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.

Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que distribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.

A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.

Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.

Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.

No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.

Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.

Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário, teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.