Porto Alegre * Ano 5 # 1642 |
Mesmo que a data possa sugerir, não vou analisar uma máxima que muito transita aqui: tempus fugit. Ainda nos surpreendemos nos desejando ‘feliz ano novo’ e já vivemos o ocaso de janeiro.
Encerramos o mês dedicado ao deus Janus, termina o período das celebrações januárias. Janus era o deus a quem os romanos creditavam o bom término de algo que estava começando. O templo principal de Janus, no Fórum, tinha portas voltadas para o leste e para o oeste. Entre as duas portas, estava a estátua de Janus com suas duas faces, que contemplavam em direções opostas: o começo e o fim do dia, para que esses fossem abençoados. Janus era o deus que ria e chorava ao mesmo tempo, ou melhor, um lado do rosto chorava e outro ria. Em toda casa, a oração matutina era dirigida a esse deus e para toda lide doméstica era solicitada a sua ajuda. Como o deus do começar, ele era invocado publicamente no primeiro dia de janeiro, assim denominado, pois Janus - sem similar na mitologia grega – começava o ano novo.
Neste janeiro, muito se chorou, pois ele passa para a História com aquele onde houve no Brasil a maior tragédia provocada por fenômenos climáticos. Chorou-se a morte e também se celebrou a vida.
Já contei, ante a exigência de postar a cada dia um texto, que recordo muito minha mãe. A cada noite era invariável sua pergunta. O que vou cozinhar amanhã? Alimentar, com limitações econômicas, um casal e sete filhos não era trivial. A mim, de vez em vez assalta a interrogação: O que postar amanhã? Ao final do domingo, já tinha estruturada uma blogada para o dia seguinte. Dei-me conta que tinha muitos ‘assuntinhos’ que sós na mereceriam uma blogada. Posterguei para inaugurar fevereiro: (In)mobilidade urbana. Para hoje ofereço um assamblage.
Assim esta blogada se transvestes com um nome poético: assemblage. Aprendi essa palavra em rótulos de vinhos. No Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, um enólogo explicou-me que consiste de vinho formado pela reunião controlada de dois ou mais varietais em proporções estudadas. Assim, por exemplo, cabernet sauvignon + merlot poderiam formar uma assemblage (o substantivo é feminino, numa evocação à assembleia), ou tanat + pinot noir, outra. Observaram como esses varietais (palavra não dicionarizada, usada para indicar tipos de cepas) têm nomes sonoros? Aqui a palavra cepa (que pode ser usado para designar cebola, a partir de seu nome genérico) está sendo usada em duas acepções no ramo das videiras: uma, como caule ou tronco da videira, de onde nascem os sarmentos; outra, como estirpe, linhagem ou tronco de família; cepo. O Houaiss me diz que assemblage, significa composição artística realizada com retalhos de papel ou tecido, objetos descartados, pedaços de madeira, pedras etc e diz que a etimologia é da palavra francesa homônima assemblage (datada de 1493) 'conjunto constituído de elementos ajustados uns aos outros'.
Mas eis os componentes da assamblage que fazem a edição de hoje.
Tanat O meu colega Guy escreve desde Cumming, na Georgia, USA: Chassot, acabo de saber que o Museu do Cairo foi saqueado e muitas peças milenares foram destruídas. Portanto, quero usar teu espaço para compartilhar minha dor. Abraços lacrimosos. Respondi assim: Meu querido Guy, lacrimejo contigo. Em 2002, quando estive no Egito Hosny Mubarak e sua prepotente mulher já eram detestados. Quanto ao museu do Cairo, lamentavelmente deve ter sido fácil saquear, pois das dezenas de museus que já visitei e incluo o teu Museu da Natureza, nenhum era tão abarrotado como ele. Um afago sonhando com a renuncia do Ditador (que na busca da Paz entre islâmicos e judeus sempre foi muito importante!) para que volte o bom senso, ac. Depois complementei: Meu caro Guy, Permita-me um bis a teu comentário. Coloquei no salvífico Google desktop a palavra ‘Mubarak’ e encontrei a seguinte nota de rodapé que escrevi em um texto sobre o Egito em abril de 2002: Hosni Mubarak é o ra’is – o presidente – que governa o Egito desde 1981 – quando foi assassinado Sadat – e está reeleito para governar por mais um mandato de 6 anos, ficando no poder até pelo menos até 2005. Governa como se fosse um Rei, sua foto segundo se diz de pelo menos 20 anos atrás, está em muitos lugares, inclusive nas ruas. É acusado de corrupção e as eleições parecem ter sido fraudulentos. Sua mulher Suzanne é uma figura pública muito importante; ambos estão diariamente nas páginas dos jornais. Há uma crescente insatisfação popular de uma população que, na sua maior parte continua empobrecendo, enquanto alguns políticos enriquecem muito. Os partidos de oposição são minoritários e têm poucas oportunidades de reverter o sistema hegemônico. E ainda demorou nove anos. Receba afago aí nos USA, ac. Esta sonhada reviravolta no Egito, como foi na Tunísia, não poderia ocorrer sem internet.
Merlot Quantos leitores sabem o que é persignar-se? Pois fiquei surpreso em minha última viagem. Dos quatro voos, em três tive jovens, como vizinhos de assento: dois rapazes e uma moça. Na quarta etapa estive sozinho. Os três tinham formação acadêmica, pelo rápido papo que desenvolvemos. Surpreendi-me, pois os três (sim todos) persignaram-se quando o avião alçou voo e também quando pousou. Pensei que isso era algo de priscas eras. [Persignar-se: Benzer-se, fazendo com o dedo polegar da mão direita uma cruz na testa, outra na boca e outra no peito].
Pinot noir E por falar em voo: quando concluímos a etapa Recife/Belo Horizonte, uma das comissárias (eram três comissárias e um comissário) anunciou: Nosso comissário Rodrigo, é Mister Recife 2010 e ao final do voo estará disponível para fotos. E o Mister desfilava coletando em um saco o material descartado pelos passageiros.
Cabernet sauvignon Quem sabe o que um polímata? Uma dica: eis alguns polímatas notórios: Leonardo da Vinci, Rui Barbosa, Bertrand Russell, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, José Bonifácio de Andrada e Silva, Vinícius de Moraes. Hoje ainda existem polímatas. Nesta estada em Recife, estive com um. O Paulo Marcelo Pontes é um polímata, (do grego polymathēs, πολυμαθής, "aquele que aprendeu muito") é uma pessoa cujo conhecimento não está restrito a uma única área. Em termos menos formais, um polímata pode referir-se simplesmente a alguém que detém um grande conhecimento. Falávamos de peixe: ele como pescador discorria sobre morfologia de diferentes variedades; o mesmo ocorria com plantas, pois é um produtor de bonsais; sabia acerca de carnaval de Olinda e também conhece a história do Náutico – do qual é fanático torcedor, como poucos; discorria sobre a invasão holandesa em Pernambuco, como se relatasse o que lhe acontecera na sala de aula ontem; como constrói robôs e venceu recentemente um campeonato que levará seus alunos à Turquia representar o Brasil, entende de robótica; a literatura de cordel é sua praia e o meu Ciência através dos tempos já teve partes ‘cordelizadas’; geologia marinha, particularmente formação de recifes explica com autoridade; como bibliófilo tem histórias para contar sobre livros antigos que coleciona; sabe sobre a presença de Darwin em Pernambuco e também sobre História e Filosofia da Ciência; como astrônomo amador monta seu telescópio na praça e dás aula de astronomia para o povo; e, é também um professor de Química reconhecido, seus colegas referiram-me como ‘o nosso cientista’. É muito bom ter um amigo polímata.