Porto Alegre Ano 4 # 1397 |
Madrugada, mais uma vez, chuvosa. Uma blogada, ao mesmo tempo de abertura e de clausura. Abrimos uma semana e fechamos um mês. Mas fico apenas na segunda-feira que abre uma semana que tem feriado. Ou melhor ‘um dia santo’ que talvez a maioria daqueles que o fruirão ‘não estão nem aí’ para o seu significado. É mais uma destas tantas datas que em outros tempos era muito cultuada. Agora, esmaece até porque a religião hegemônica que a decretou não tem mais a força que já teve. Os 100 anos de pentecostalismo reconfiguraram o ‘a maior nação católica do mundo’.
Mas como eu não terei feriado e muito menos feriadão nessa semana vou me abster de mais uma fez dar as usuais alfinetadas em algo que me incomoda. Já disse aqui que as blogadas de segunda sabem a domingueiras. Essa não será diferente,
Meu domingo foi de ficar em casa. O clima convidava para tal. Dei uma saidinha, a pé, com minhas sacolas ecológicas, para ir ao mercado. Foi bom voltar com uma linda orquídea violácea para a Gelsa. Li muito jornal. Mas de tudo que li, está na ‘nova’ Folha – continua merecendo minhas restrições – algo comovente, que me obrigo a repartir com meus leitores, pois acredito que nem todos têm acesso a este jornal.
A matéria está no caderno Cotidiano: Escrito com o nariz onde Mario Cesar Carvalho conta acerca de advogada, que mesmo sofrendo de síndrome de esclerose lateral amiotrófica (ELA), lança amanhã livro escrito com ajuda de software, onde conta os círculos infernais das prisões. Vale ver o texto.
A advogada Alexandra Lebelson Szafir não anda, não move os braços, não deglute e não fala. Os movimentos que lhe restam são os dos olhos e da cabeça, que move devagar para a direita e a esquerda, como se a vida passasse em câmera lentíssima.
Foi com esse movimento e um software que escreveu "Descasos - Uma Advogada às Voltas com o Direito dos Excluídos". Levou dois anos para encher as 82 páginas em que narra os círculos do inferno das prisões e da Justiça.
O software exibe um teclado na tela, e ela escolhe as letras que vão compor a palavra movendo a ponta do nariz – faz às vezes dos dedos. Para se comunicar, sua cuidadora segura uma tabela de letras, as quais ela aponta com o olhar até formar a palavra, num processo penoso.
Alexandra tem uma doença rara, a síndrome de ELA, que pode ser provocada por fatores tão díspares quanto envelhecimento precoce de neurônios, estresse, infecção viral ou excesso de exercício físico em atleta profissional.
Aos 39, Alexandra, irmã [gêmea] do ator Luciano Szafir [pai da filha da Xuxa], sentiu as primeiras dores nas pernas. Para andar, tinha de arrastá-las. Achou que uma bengala resolveria.
Dois anos depois estava numa cadeira de rodas. Há um ano e cinco meses, teve de implantar uma sonda para receber alimento. Fez traqueostomia e respira com a ajuda de um aparelho.
A ligação da síndrome com a morte é "muito evidente" porque a paralisia é irreversível, diz o neurologista Acary Souza Bulle Oliveira, professor da Unifesp.
"Pergunte a qualquer pessoa normal o que ela faria nessa situação e ela vai te dizer: "Prefiro morrer". O que me impressiona é que as pessoas que têm ELA querem viver. Não têm mágoa nem amargura. Quando começo a ficar meio besta, penso nesses pacientes", diz o médico.
O que move os portadores da síndrome são os desafios, já que a atividade cerebral permanece intacta.
Alexandra tem pilhas de livros ao lado da cama. Seu gosto vai do best-seller "Marley e Eu" a "The Life and Opinions of Tristram Shandy", de Laurence Sterne, e "On Beautiful", de Zadie Smith.
O livro de Alexandra foi um desses desafios. Nos anos 90, ela participou de uma experiência inovadora no Brasil por meio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Criminalista, sócia do escritório de Alberto Toron, fez mutirões em cadeias. Achou um doente mental que estava preso havia meses. Quando levado ao juiz, todos se chocaram com o fato de um homem naquele estado não estar num hospital.
Descobriu que a confissão de oito homicídios por uma só pessoa fora obtida sob tortura. Conheceu um juiz que nem olhava para quem fazia a defesa e, sem ver que o advogado estava em cadeiras de rodas, disse: "Nesta corte é norma que os advogados falem em pé!".
O livro não recorre aos salamaleques habituais do mundo jurídico. "Maldade, burrice ou falta de atenção" são os predicados de um certo juiz. "Às vezes as coisas têm de ser ditas pelo nome", disse em entrevista à Folha.
Sobre as razões que a levaram a escrever, diz: "Veja a última frase do livro". É do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797): "Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco". Como ela diz no livro, advogados têm o "dever de meter o nariz onde não são chamados". [DESCASOS - UMA ADVOGADA ÀS VOLTAS COM O DIREITO DOS EXCLUÍDOS, EDITORA Saraiva QUANTO R$ 19 (82 p.)]
Penso que o texto dispensa qualquer apêndice. Uma muito boa segunda-feira a cada uma e cada um e que venham os festejados dias juninos, pois ‘tempus fugit’!