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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

31.- Evocando 31 de outubro de 1517

Ano 6

www.professorchassot.pro.br

Edição 1915

Neste dia 31 de outubro é feriado em alguns municípios brasileiros, poderia trazer exemplos do Espirito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Não sei acerca de outros estados. Isto ocorre em municípios onde há um número expressivo de fiéis da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB, sínodo alemão) e da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB, sínodo missouriano). São municípios onde há significativa presença de descendentes de colonos alemães que chegaram ao Brasil na primeira metade do Século 19.

Qual o significado da data? Neste dia, em 1517, o então padre católico alemão Martinho Lutero, afixou na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, na Alemanha as suas 95 teses denunciando a cobrança de indulgências pela igreja de Roma. Esta data, que extrapola em significados sua consequência: um dos mais extensos cismas na igreja cristã é de tamanha importância que por muitos é considerada como o fim da Idade Média.

Num intervalo de mais de um século poderiam ser citadas outras datas, que marcam, numa leitura ocidental, o inicio dos tempos modernos: 1415 - A conquista de Ceuta pelos portugueses marca o início da expansão marítimo comercial europeia; 1429 - Santa Joana D'Arc liberta a França; 1440 - Johannes Gutenberg inventa a prensa tipos móveis; 1453 - A Tomada de Constantinopla, pelos Turcos Otomanos, põe fim ao Império Bizantino, terminando com o pouco que restava do antigo Império Romano; 1453 - Fim da Guerra dos Cem Anos; 1492 - Viagem de Cristóvão Colombo à América Central; 1498 - Vasco da Gama descobre o caminho marítimo para a Índia; e, 1534 - O "Act of Supremacy" de Henrique VIII dá origem à Igreja Anglicana.

Se tivesse que escolher uma aderiria a 1517: a Reforma Protestante, ou talvez 1440 ou 1492. Mas por que 31 de outubro de 1517 é tão marcante? Ao nos referirmos a Lutero, evocamos a separação da igreja católica, as noventa e cinco teses contra as indulgências e o inicio da igreja protestante. Isto realmente é importante, mas influência de Lutero na sociedade ocidental é muito mais significativa em outras dimensões como a influência da reforma na economia do período; e temas sociais como a criação da escola para todos, re-inserção da mulher na sociedade, formação da língua alemã que proporcionaria a formação posterior da Alemanha, a importância da paternidade e da maternidade, entre outros.

“As contribuições de Lutero para a ética, economia e a sociedade residem no fato de Lutero, como teólogo e pessoa comprometida com o evangelho, ter se ocupado com o assunto. Muita gente na história da Igreja e da teologia cristã não considerou ou considera as questões econômicas merecedoras de atenção. Lutero, com frequência, era procurado e consultado sobre os mais diferentes temas por pessoas que tinham suas consciências pesadas em razão de práticas delas exigidas no cotidiano. Foi o caso de muitos comerciantes e de gente envolvida com o sistema de crédito no pré-capitalismo há cerca de meio milênio. Lutero então, sem renunciar à sua vocação de teólogo, mas assumindo-a efetivamente, tentava ajudar as pessoas dentro de suas possibilidades. Sua reflexão ética tinha a Bíblia como referência fundamental. Ao mesmo tempo, levava em consideração as tradições antigas e medievais do pensamento cristão a respeito. Digno de destaque, contudo, é o esforço que empregou para entender a realidade do trabalho, dos negócios, e identificar as intenções e consequências das práticas aí reinantes”. Vale ver mais em http://www.luteranos.com.br/articles/10740/1/As-contribuicoes-de-Lutero-para-a-economia-a-etica-e-a-sociedade/1.html

A Escola como conhecemos hoje é uma presente da Reforma Protestante à Modernidade. Na visão de Lutero, que foi professor na Universidade de Wittenberg de 1508 até 1546, ano em que morreu, o professor era também um catequista, uma vez que a escola tinha por tarefa formar bons cristãos. Com a descoberta da salvação gratuita, da justificação por graça e fé, também mudou, para Lutero, o foco do ensino.

O alvo da ética não era mais o céu, como a garantia da própria salvação também pelo estudo, mas a terra, a preservação das coisas criadas por Deus. Para Lutero, "a educação é de responsabilidade da autoridade civil e não da autoridade eclesiástica". Sempre que for investido um florim em gastos militares, defendia o reformador, devem ser investidos cem florins em educação. "Para Lutero está claro que governar é criar e manter escolas"em http://www.luteranos.com.br/articles/ 6290 /1/Lutero-defendia-escola-publica-formadora-de-bons-cidadaos/1.html

Martinho Lutero (Eisleben, 10 de novembro de 1483 - 18 de fevereiro de 1546) foi um sacerdote agostiniano e professor de teologia alemão figura central da Reforma Protestante. Veementemente contestando a alegação de que a liberdade da punição de Deus sobre o pecado poderia ser comprada, confrontou o vendedor de indulgências Johann Tetzel com suas 95 Teses em 1517. Sua recusa em retirar seus escritos a pedido do Papa Leão X em 1520 e do Imperador Carlos V na Dieta de Worms em 1521 resultou em sua excomunhão pelo papa e a condenação como um fora-da-lei pelo imperador.

Lutero ensinava que a salvação não se consegue apenas com

boas ações, mas de um livre presente de Deus, recebida apenas pela graça através da fé em Jesus como um redentor do pecado. Sua teologia desafiou a autoridade papal na Igreja Católica Romana, pois ele ensinava que a Bíblia é a única fonte de conhecimento divinamente revelada e opôs-se ao sacerdotalismo, por considerar todos os cristãos batizados como um sacerdócio santo. Aqueles que se identificavam com os ensinamentos de Lutero eram chamados luteranos.

Sua tradução da Bíblia em outros idiomas que não o latim, fez o livro mais acessível, causando um impacto gigantesco na Igreja e na cultura alemã. Promoveu um desenvolvimento de uma versão padrão da língua alemã, adicionando vários princípios à arte de traduzir, e influenciou a tradução para o inglês da Bíblia do Rei James. Seus hinos influenciaram o desenvolvimento do ato de cantar em igrejas. Seu casamento com Catarina von Bora, ex-freira, estabeleceu um modelo para a prática do casamento clerical, permitindo o matrimônio de padres protestantes.

Como anunciei anteriormente a minha página pessoal tem novo endereço: www.professorchassot.pro.br nela, entre outras ofertas de informações a dados sobre palestras, minicursos que posso oferecer. Há também uma livraria virtual que disponibiliza meus livros.

domingo, 30 de outubro de 2011

30.- Sob/sobre jacarandás

Ano 6

www.professorchassot.pro.br

Edição 1914

Desde ontem, graças à minha nora Carla Scandar, coadjuvada pelo meu filho Bernardo, minha página pessoal, com novo endereço, voltou a circular. Obrigado a ambos. Assim, está disponível www.professorchassot.pro.br a todos.

Uno-me a milhões de pessoas que no Planeta, especialmente no Brasil, rezam/torcem/enviam eflúvios ao ex-Presidente Lula para que supere sua doença. A notícia, que recebemos no começo da tarde de ontem, toldou de tristezas o sábado ensolarado.

Neste ano, como em anos anteriores, já falei muitas vezes em um dos ícones dos outubros de Porto Alegre: os JACARANDÁS. Ainda na quinta-feira, quando comentava aqui o novo jornal que a cidade ganhava. eles eram assuntos em texto e foto. Há uma matéria promocional da Feira do Livro que fala nos encontros de livros e leitores que ocorrem a cada outubro sob os anosos jacarandás da Praça da Alfândega.

Eu desfruto um privilégio especial: nesta quadra do ano, vivo sobre os jacarandás. Evidencio isto em algumas fotos que tomei esta semana deste a minha Morada dos Afagos. Elas querem mostrar como o tintar arroxeado torna a cidade ainda mais linda.











Mas nas calçadas de minha rua, se está sob os jacarandás e então pisamos sobre as suas flores caídas e estas são, de vez em vez, causadoras de repetidas quedas aos transeuntes.


Assim nestas fotos, além de alerta aos passantes das calçadas inseguras, homenageio cada uma e cada um que vive distante de Porto Alegre, e deve sentir saudades dos jacarandás, como é a situação de Guilherme Neykova que mora em Brixton, Newham no Reino Unido e é leitor deste blogue. A todos um bom domingo e que os jacarandás sirvam para colocar redes imaginárias para embalar os melhores sonhos.

sábado, 29 de outubro de 2011

29.- Sobre livros a mancheias

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1913

Um sábado que se anuncia primaveril. Há uma tradição que as edições sabatinas seja dia de falar em livros. E há livros a mancheias. Ontem foi inaugurada a 57ª Feira do Livro de Porto Alegre – dita a maior feira do livro a céu aberto da América Latina. Lembro então da gigantesca feira do livro de Madri, que faz a nossa nanica.

Mas, a 57ª Feira do Livro de Porto Alegre – que uma gripe tirou a oportunidade de pela uma vez primeira ter Presidente da República na inauguração – enseja aqui dois comentários: Um, faço cálculos e dou-me conta que em 1957, quando vim a capital para mandar fazer os adesivos para os convites de formatura de minha turma do ginásio, eu visitei pela primeira vez a 4ª edição; deste então faltei a muito poucas. Outro, há ressaibos de desilusões, nesta edição: pelas razões que contei aqui na edição do dia 15 de outubro o Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto, não está nas bancas desta 57ª FL.

Antecipo um convite. A blogada de domingo será ‘sob/sobre jacarandás’ trazendo um dos ícones de Porto Alegre. Vale conferir.

Mas livros usualmente trazem alegrias. Na quarta-feira recebi a seguinte mensagem: Caro Dr. Chassot, gostaria de lhe convidar a apresentar o nosso livro: ENSINO DE CIÊNCIAS E A CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS. Caso você aceite estarei enviando o arquivo completo. O conteúdo é o seguinte [Segue um sumário detalhado] Atenciosamente, Dr. Augusto Fachín Terán, UEA – Universidade do Estado do Amazonas – Manaus.

Aceitei, distinguido o convite, e dou-me conta que este é o segundo convite do ano. Na segunda quinzena de setembro, quando estive em na UEA participei do lançamento do livro Temas para o Observatório da educação na Amazônia, do qual no outono fizera a apresentação e que hoje se faz aqui dica de leitura.

Antes vale referir: atender agora o convite do meu colega Augusto é mais fácil se comparado ao aceite do convite de meu amigo Eduardo Segura. Então, o pujante grupo de Ensino de Ciências da UEA www.pos.uea.edu.br/ensinodeciencia/ era para mim quase uma abstração. Depois de viver de 21 a 24 de setembro intensamente o I Simpósio de Educação em Ciências na Amazônia, onde fiz a palestra de abertura, participei de uma mesa redonda e de duas bancas de qualificações do Mestrado Educação em Ciências na Amazônia do Programa Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia entendo o que fazem alguns bravos amazônidas pela Educação nas Ciências.

Não foi sem emoção, que nesta terça-feira fiz uma remessa de cerca de trinta de meus livros, em um pedido coordenado pela professora Aldalúcia Macedo dos Santos Gomes – uma semeadora de livros, complementando quase meia centena de outros que autografara em setembro. Registro que os 11 kg de livros postados no começo da tarde de terça-feira, chegaram ontem a Manaus.

Agora, já prelibo meu retorno a Manaus na segunda quinzena dezembro, para cumprir agenda na Universidade do Estado da Amazônia e no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. Está assim justificada a dica de leitura sabática de hoje.

AZEVEDO, Rosa Oliveira Marins; BARBOSA, Ierecê dos Santos; GONZAGA, Amarildo Menezes; SEGURA, Eduardo A. das Chagas & TERÁN, Augusto Fachin. Temas para o Observatório da educação na Amazônia. Curitiba: CRV, 2011. 163 p. 14 x 21 cm. ISBN: 978-85-8042-098-2

Hoje falar de Temas para o Observatório da educação na Amazônia,pelos novos envolvimentos que narrei acima, é mais sumarento do que quando escrevi a apresentação. O livro conta como cinco manauaras (alguns por generosa adoção à cidade): Amarildo Menezes Gonzaga, Augusto Fachín Terán, Ierecê dos Santos Barbosa, Eduardo A. das Chagas Segura e Rosa Oliveira Marins Azevedo assentaram olhares investigativos sobre a Educação científica na Amazônia.

Depois de minha apresentação, alguns esclarecimentos anunciam que o a obra está estruturado a partir de seis produções interdependentes, trazida de trabalhos acadêmicos dos autores ligados ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia, da Universidade do Estado do Amazonas que lançam olhares investigativos na Educação Científica na Amazônia:

O capítulo de abertura: Fundamentos da educação em ciências Augusto Fachín Terán, do Programa antes mencionado, faz uma muito bem composta tessitura da Trajetória histórica do Ensino de Ciências no Brasil.

No segundo capítulo Educação em ciências na formação de professores e o ensino com pesquisa, Rosa Oliveira Marins Azevedo, defende que a Educação em Ciências é condição para o professor enfrentar os desafios postos pelo trabalho docente.

No capítulo 3, Concepções sobre interdisciplinaridade, a produção do filósofo Eduardo Segura, vale-se das concepções de Interdisciplinaridade procurando evidenciar os pontos de similaridade e divergência entre diferentes teóricos sobre o tema em questão.

No capítulo seguinte: Elementos caracterizadores e impulsionadores da aprendizagem: uma abordagem psicopedagógica a luz da neurociência e da preventividade em Educação, Ierecê dos Santos Barbosa, se refere ao paradoxo da Ciência e Tecnologia que representam as glórias e as misérias do nosso tempo, e nisso encontra espaço para uma discussão da aprendizagem e da percepção, uma e outra miradas com óculos da neurociência.

No capítulo 5: O qualitativo na investigação educacional: da dimensão paradigmática ao gênero narrativo Amarildo Menezes Gonzaga e Solange da Silva Gonzaga, o primeiro dos autores traz narrares de seu ser professor, inclusive aprendendo na experiência de registrar as vivências não como um mero experimento, mas como um exercício de vida.

No capítulo 6: A pesquisa-ação como perspectiva metodológica o Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga faz uma mirada panorâmica na trajetória histórica da Pesquisa-Ação, reconhecendo que a década de 50 foi o período de letargia da Pesquisa–Ação, pois somente a partir da década de 70 que houve novamente o seu despertar.

Temas para o Observatório da educação na Amazônia está, tênue e entusiasmadamente sugerido nesta dica de leitura sabática. Espero que tenhamos conseguido aproximar o Oiapoque do Chuí, para ser geograficamente correto do Monte Caburaí ao Chuí. Agora um convite prenhe de emoções. Adentre em um dos capítulos. Não uma ordem para saboreá-los. São independentes. Depois leia mais um e depois os outros. Sonho que transubstanciados por esse binômio fantástico: escritura ó leitura, consigamos fazer alfabetização científica. Desejo que diálogos catalisados por este livro posam gerar tsunamis na educação nas Ciências. Esperamos (e aqui o plural não é majestático: os autores, cada uma e cada um dos leitores e eu) especialmente que homens e mulheres amazônidas, por saberem melhor ler o mundo onde vivem, possam viver plenamente a florestania/cidadania então contribuírem para que tenhamos um Planeta cada vez mais saudável.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

28.- Ainda sobre testes que empobrecem a educação

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1912

Uma sexta-feira que sabe a fim de semana e a fim de mês. Neste fim de semestre letivo estas paradas são vitais. Evoco a chamada do SINPRO (Sindicato dos Professores) propondo uma greve para um domingo. Ratifico para o próximo. Assim, antecipo já aqui votos de que, após uma fruída sexta-feira, cada uma e cada um temam um curtido e repousante fim de semana.

Há os que atribuem a Lorde Kelvin (1824–1907) a afirmação: ‘só se pode falar daquilo que se pode medir’ Na edição desta quarta-feira, dia 26, apresentamos aqui o posicionamento de um prêmio Nobel (de Economia em 2000, por sua contribuição na criação de métodos estatísticos) mostrando que a ênfase em testes empobrece a qualidade da educação na Escola.

Havia prometido uma continuação para o dia seguinte, mas as evocações trazidas ontem catalisadas com a chegada à Porto Alegre do jornal Metro, fazem que nesta sexta-feira traga a parte final da matéria com o professor da Universidade de Chicago James Heckman. Os créditos da produção que segue estão na blogada antes referida.

Folha Essas habilidades não captadas em testes podem ser ensinadas em escolas, ou é algo que se aprende só em casa?
James Heckman - Famílias têm um papel importante. Pais ensinam aos filhos essas habilidades encorajando-os, estabelecendo limites ou dando exemplos de bom comportamento. Mas há intervenções específicas desenhadas para ensinar crianças pequenas que as ajudam a ter foco na execução de tarefas e a trabalhar com os colegas de modo organizado e disciplinado.
É o caso do programa pré-escolar Perry, iniciado nos anos 60 no Estado de Michigan com alunos pobres de três e quatro anos. As crianças vão para a sala de aula e aprendem a planejar uma tarefa, a desenvolvê-la em grupo e a avaliar o resultado com os colegas. Num trabalho, mostramos que adultos que participaram desse projeto na infância se envolveram menos em crimes, tiveram rendas maiores e ficavam menos tempo desempregados se comparados a pessoas com as mesmas características que não participaram do programa.

Folha Sabe-se que o cuidado nos primeiros anos de vida é muito mais importante do que se pensava para o desenvolvimento humano. Isso significa que crianças pobres que não se beneficiaram de uma intervenção adequada até os seis anos serão casos perdidos?
Seria insano achar que a trajetória de um ser humano vai se resumir ao que foi feito nos primeiros anos de vida. Nunca defendi que as intervenções feitas após esse período da vida são inúteis ou que devemos parar de investir em programas para quem não teve essa oportunidade quando criança. O meu ponto é que uma política adequada para a primeira infância fará todas as intervenções posteriores mais efetivas. O custo-benefício de uma intervenção nos primeiros anos de vida é muito mais vantajoso do que tentar remediar mais tarde. Mas há muito que pode ser feito, especialmente no desenvolvimento de habilidades não cognitivas que terão impactos na vida adulta, mesmo após os dez anos.

Folha Ao enfatizar o cuidado nos primeiros anos de vida, não há risco de sobrecarregarmos ainda mais as mulheres, que dedicam mais horas que os homens para educar os filhos?
Creio que as evidências sobre a importância do cuidado adequado nos primeiros anos e seu impacto na vida adulta valorizam e reconhecem ainda mais o trabalho que hoje, de fato, é feito principalmente pelas mulheres. Mas ninguém está dizendo que elas têm que ficar em casa cuidando dos filhos, até porque há estudos mostrando que o aumento da escolaridade e da participação das mulheres no mercado de trabalho tem impactos positivos no desenvolvimento infantil.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

27.- Curtindo saudade com uma novidade

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1911

Ao concluir a edição de ontem anunciava que o assunto dos testes poderia ter sequência hoje, Vou posterga-lo. Na manhã chuvosa e ainda sabendo a ressaca da noite anterior com quatro aulas, surgiu uma novidade. Mesmo que seja apenas local, ei-la.

Quantas vezes tu já saboreaste um exemplar do dia de um jornal com estes dados na capa: Ano 1 No

1. Pois, eu fiz isto ontem. E mais, fiz isto curtindo saudades.

Aqui, o paradoxo é aparente, pois o jornal que entrava no cenário de uma Porto Alegre invernosa quando os jacarandás primaveris (também na foto) estão em floração plena era um velho conhecido. Justifico. Eis três excertos do que escrevia em julho de 2002, quando arrumava as malas, quase ao encerrar o período de pós-doutorado em Madri.

Outras de minhas paixões aqui foram os periódicos, já disse que se não tivesse nada a fazer aqui, me faltaria tempo para ler os sumarentos jornais. Já sei, quando voltar ao Brasil, o quanto terei saudades dos jornais gratuitos que conheci em varias cidades da Europa e me encantam por sua objetividade noticiosa, e trago uma confissão um pouco indiscreta: ler alguns dos anúncios classificados tem um sedutor sabor erotismo.

[...] Vale referir ainda a existência de pelo menos dois jornais noticiosos, que circulam de segunda a sexta-feira, que são oferecidos gratuitamente e que têm milhares de leitores. Mais de uma vez, estes justificaram a opção de uma estação do metrô mais distante, por esta ser uma onde há ponto de distribuição, para ter pelo menos um deles como leitura de bordo. Aliás, esta distribuição de jornais gratuitos nem sempre tem sido muito tranquila. Em fevereiro de 2002, por exemplo, em Paris houve várias manifestações iniciadas pelos sindicatos dos distribuidores de jornais e revistas, que incluíram destruição dos jornais distribuídos gratuitamente. Em Madrid, numa viagem matinal, no Metrô pelo menos uma pessoa em cada três está lendo um destes jornais.

[...] E agora uma inconfidência. Um dos meus prazeres na vida é ler jornal. Isso está entre as minhas necessidades quase vitais. Devo confessar que todos meus escrúpulos de alguém envolvido também com Educação Ambiental são violados nessa quase paixão, pois minhas necessidades não são saciáveis com leituras de jornais digitais. Tenho precisão de notícias em papel. Esqueço-me de quantas árvores devem ser abatidas para a produção do papel ou quanto cloro foi usado no branqueamento da celulose ou quanto descarto de folhas de jornal por semana. Para absolver um pouco minha consciência deposito, com compunção, em um dos muitos containers que recolhem diferentes tipos de materiais para reciclar. Há algo sensual até no ir a “minha banca de jornais” de alpargatas, antes do café da manhã dominical. Aliás, um desjejum com jornais é muito mais saboroso.

Estas memórias se fizeram fortes ontem. Há por que. Agora, Porto Alegre tem o Jornal Metro, uma publicação do Grupo Bandeirantes, começou a circular nesta quarta-feira, nove anos depois que me despedia dele em Madri. Aqui ele vai circular em 31 pontos da cidade, com tiragem inicial de 40 mil exemplares e distribuição gratuita. Essa será a oitava edição brasileira da publicação, que já circula em São Paulo, Campinas, ABC Paulista, Santos, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte.

De acordo com a equipe de marketing do Metro, a versão gaúcha da publicação vai priorizar notícias locais, com foco principalmente em Porto Alegre, além dos fatos mais importantes do Estado. As edições estarão divididas basicamente em Cidade, Cultura e Esportes.

Com a nova edição, o jornal passa a circular em 129 cidades de 22 países no Planeta. A tiragem total é cerca de oito milhões exemplares/dia. É possível acessar cada uma destas edições locais em www.metropoint.com. Somente no Brasil, a publicação chegará a 440 mil exemplares diariamente.

Há sempre uma interrogação: como um jornal de boa qualidade (não estou dizendo que seja tão bom quanto a Folha de S. Paulo, por exemplo) pode ser distribuído gratuitamente? A resposta é óbvia: a publicidade que está inserida. Então, ¿por que os grandes jornais, que têm páginas e páginas de publicidade e cadernos de pequenos anúncios são tão caros, inclusive para os assinantes?

Não é sem razão que em alguns lugares se ‘ameaça’ a distribuição gratuita! Por ora, além de matar a saudades, resta desejar que o maior acesso a informação que será oferecido, sem maiores custos aos leitores, sirva para formar cidadãs e cidadãos mais esclarecidos, sonho que já era de Diderot e D’Alambert quando anunciaram, no Século das luzes, a Enciclopédia.

Adito agradecimentos a Rose, que catalisada pela Gelsa, me trouxe Ano 1 No 1 do Metro Porto Alegre. Uma boa quinta-feira a cada uma e cada um.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

26.- Ênfase em testes empobrece a qualidade da educação

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1909

Inicio a edição desta quarta-feira com um agradecimento. Ontem no preâmbulo trazia um interrogante ¿Por que a cada dia edito uma edição deste blogue? e justificava até marcado por uma inquietude acerca da oportunidade destas postagens diárias. Um leitor – também comentarista diário –, fraternalmente, me confortou: Caro Chassot, mais que um compromisso com os leitores é uma questão de saúde. Se não fazes uma postagem, nalgum dia, a gente irá te telefonar para saber como estás, como está a tua saúde etc. Já nos consideramos, os leitores, partes da tua família. Um abraço, Garin. Vou me esmerar para na abertura de cada novo dia dar sinal de vida, para privar de preocupações meus leitores.

Trago um assunto que recorrente em nossas falas enquanto professores: Ênfase em testes empobrece a qualidade da educação. Agora, isto dito por um Prêmio Nobel tem outro status. Para o economista estadunidense James Heckman, as escolas estão deixando de trabalhar habilidades como motivação, controle emocional e interação social. Eis parte da matéria assinada por Antonio Gois publicada na quarta capa do primeiro caderno da Folha de S. Paulo de 17 de outubro.

Pressionadas pela cobrança de resultados em testes que medem o desempenho de alunos em leitura e matemática, as escolas estão cada vez mais negligenciando outras disciplinas e aspectos da formação igualmente importantes para explicar o sucesso na vida adulta. Essa crítica não é feita por alguém avesso a avaliações. Pelo contrário. O autor é o professor da Universidade de Chicago James Heckman, 67 anos.
Ele ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2000 justamente por sua contribuição na criação de métodos estatísticos que ajudaram a medir com mais precisão o impacto de políticas públicas. Seus estudos mostram que intervenções de qualidade que beneficiam crianças de famílias pobres desde a primeira infância têm impactos duradouros na vida adulta.
Os impactos mais significativos, porém, não são medidos em testes de matemática ou linguagem. São, principalmente, o que chama de habilidades não cognitivas, como motivação, controle emocional, disciplina ou capacidade de interação social.
Essas são características que também devem ser trabalhadas pela escola e que têm impacto significativo em fatores com renda futura, envolvimento em crimes, gravidez precoce e outros apontados em seus estudos.
Alguns deles foram feitos com o economista brasileiro Rodrigo Pinto, doutorando da Universidade de Chicago que participou da entrevista.
Folha - O papel da escola está sendo reduzido a preparar para testes?
James Heckman - Com certeza. É curioso porque, se pesquisarmos o que diziam os criadores desses testes, hoje aplicados a milhões de estudantes, eles sempre afirmaram que os exames captavam apenas parte do que se esperava da escola. Antes dos testes, a visão tradicional da educação era que as pessoas iam para escola para aprender a ter caráter, persistência, sociabilidade, coisas assim.
Daí surgiram medidas para avaliar outras habilidades. Foi o caso do teste de QI, criado no início do século passado para prever quem ia ser bem sucedido na escola. Um dos primeiros pesquisadores a desenvolver avaliações como essa, o psicólogo francês Alfred Binet, já admitia desde aquela época que outras habilidades importantes para o sucesso na escola não eram medidas por esses testes. O mesmo diziam os criadores do teste de Iowa, que foi uma enorme inovação nos EUA, há 60 anos, ao permitir que respostas fossem marcadas em cartões lidos por máquinas que facilitaram a aplicação de provas em massa. É irônico que o foco da escola tenha sido revertido para ensinar apenas os alunos a ir bem nesses testes. É uma subversão. As escolas nos EUA têm abandonado aulas de música, física ou outros assuntos por entenderem que isso é irrelevante e que o que importa é ir bem em testes de leitura e matemática.
Se eu digo que algum aspecto da sua vida será recompensado e outros não, as pessoas vão naturalmente desenvolver mais a parte que é recompensada. É o que está acontecendo nos EUA. Professores e diretores estão agindo assim
não porque estão interessados em desenvolver a criança, mas em prepará-las para testes para que eles sejam vistos como bons professores e diretores.

FolhaMas não é importante também avaliar os estudantes para saber se estão aprendendo o básico em leitura e matemática?
Testes têm o seu lugar, e não estou dizendo que devam ser abolidos. Você pode medir a performance de um professor, mas não deve reduzir essa tarefa a saber se um aluno passou ou não num teste. É importante também avaliar como o estudante encara tarefas que lhe são dadas, se é perseverante, se sabe trabalhar em grupo.
Rodrigo Pinto - Um bom exemplo é o processo seletivo de Harvard. Quando alguém tenta uma vaga, não avaliam apenas o desempenho em testes. Querem saber quais atividades paralelas o candidato tem, que esporte pratica, se já foi representante de classe, como é sua rede de relacionamento social.
Harvard não faz isso só por achar interessante ter um aluno com esse perfil, mas porque sabe que esses aspectos também são importantes para definir que sucesso o estudante terá na vida adulta. Boa parte dos recursos de Harvard vêm da doação de ex-alunos, então é preocupação deles admitir quem tem maior probabilidade de ser bem-sucedido.

Amanhã, certamente este tema de testes poderá ser continuado. Todos tenham uma excelente quarta-feira acalentando sonhos deste final de semestre, lembrando que a próxima será feriado, pois estaremos em 2 de novembro.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

25.- Para uma sonhada PAZ no Oriente Médio

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1909

À apresentação do que é título, permito-me uma breve reflexão preambular. ¿Por que a cada dia edito uma edição deste blogue? Muito provavelmente para responder a expectativas de mais 150 leitores diários, dos quais 10% do exterior. Tenho uma pretensão: fazer, em uma dimensão muito ampla, alfabetização cientifica. Mais: conhecimentos para, não apenas ler o mundo que vivemos, mas contribuir que as transformações que cada uma e cada um fazemos seja para melhorar o Planeta. Claro que isso é muito mais amplo que conhecer a Ciência, tida como uma linguagem para lermos o mundo natural.

Ter edições diárias me obriga, até pelos muitos outros fazeres enquanto pesquisador e professor que vive o cotidiano da sala de aula na graduação, na pós-graduação e na Universidade do Adulto Maior, a trazer textos de outros.

Isto é feito em duas dimensões: a primeira já referida: ajudar-me a cumprir a tarefa da blogada de cada dia a outra oferecer alguns textos, nem sempre acessível a meus leitores.

Nesta segunda dimensão trago um texto que me impressionou fortemente na Folha de S. Paulo. Há quantos anos ouvimos falar em Paz no Oriente Médio! Sabemos do grande impasse: um Estado palestino. Sim um país independente, como Israel é o Estado judeu desde 1948. Leiam a lucidez do texto de Jaime Pinsky – historiador, professor titular da Unicamp e diretor da Editora Contexto – destacando quanto direitos históricos não devem ser alegados: não há consenso sobre quanto tempo a terra precisa ser habitada para que passe a pertencer a um povo.

Desejo a cada uma e cada um que na leitura da proposta vislumbre algo que possa ser feito pela paz no Oriente Médio.

Continuar acreditando em uma paz estável e duradoura no Oriente Médio pode parecer ainda mais ingênuo que acreditar em Papai Noel. Pode, mas não é: o passar dos anos só reforça a convicção de que a paz entre israelenses e palestinos é não apenas viável, mas inevitável.
Não há outra solução para o conflito: a vitória de qualquer dos lados envolvidos não é possível, a não ser que ocorra um inconcebível massacre de proporções diluvianas.
Assim, a única solução será um acordo de paz entre as partes, mediado pela ONU, pelos EUA, pela União Europeia ou até pelo Brasil.
Já que pode nos caber papel relevante nesse palco, convém pensar em uma atuação eficiente, decisiva, não voltada para o aplauso fácil da plateia. É o caso, pois, de tentar listar os pontos sobre os quais um acordo de paz poderia ser fechado:
1 - Nenhuma das duas nações deve reivindicar seu direito a territórios com base no direito divino.
Até prova em contrário, divindades manifestam-se de modo diferente para diferentes seguidores, mesmo quando as partes cultuam o mesmo Deus. De resto, verdades divinas são, por definição, inquestionáveis (deuses costumam ficar irascíveis quando contrariados) e se manifestam como dogmas de fé, não como pontos para um debate.
2 - Nenhuma das duas nações deve alegar direitos históricos sobre territórios. Não há consenso sobre quanto tempo uma terra precisa ser habitada para passar a pertencer, em definitivo, a um povo. Fica difícil também estabelecer o período que um povo pode ficar sem aparecer em um território e continuar tendo a propriedade moral e material sobre ele.
Por outro lado, também é complicado determinar se uma nação tem direito a um território não reivindicado durante séculos.
O melhor, portanto, é dar como certo que palestinos e israelenses possuem, ambos, direitos sobre um pedaço daquela nesga de terra. E que eles devem entrar em acordo sobre como dividi-la melhor.
3 - Chega de hipocrisia: israelenses (inclusive os de direita) devem reconhecer a existência de um Estado palestino e estes (inclusive o Hamas) devem aceitar o fato de o Estado de Israel existir.
4 - Os líderes devem parar de envenenar os povos um contra o outro. Que tiranos da região finjam ter pena dos palestinos e demonizem os israelenses para unir seus povos contra um suposto inimigo externo (Israel) entende-se perfeitamente, embora se lastime.
Mas que líderes de povos vizinhos (israelenses e palestinos), com muito em comum, incitem os jovens de seus povos contra o "demônio" sionista ou os "terroristas" palestinos é difícil de aceitar.
Assim, preliminarmente, israelenses e palestinos devem assinar um compromisso de começar a tratar "o outro" com respeito e com dignidade.
5 - Israel deve cessar, imediatamente, de construir na Cisjordânia. Quando houver um acordo de paz, pode ser que parte do território israelense seja cedida aos palestinos em troca de terras ocupadas e colonizadas. Essa virtualidade não pode ser entendida, contudo, como uma licença para construir no terreno do vizinho.
Depois, é resolver o resto. Ah, e a questão de Jerusalém? Sem mísseis disparados sobre os israelenses, sem revistas humilhantes para os palestinos, haverá atmosfera para acertar todo o resto, como dividir ou não Jerusalém.
É uma falácia a ideia de que a coexistência em uma cidade dividida é impraticável: é muito mais fácil dividir a capital entre amigos do que um vasto território entre inimigos. Jerusalém não perderia seu encanto e potencializaria sua capacidade de atrair peregrinos e outros turistas se sediasse os dois governos.
Muitos já ganharam o Nobel pelos esforços feitos pela paz no Oriente Médio. É chegada a hora de os povos ganharem a paz.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

24.- A escola pública deve ser laica

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1908

Uma segunda-feira, na semana que quase encerra outubro. Na próxima terça-feira será novembro.

Hoje é 24 de outubro. Porto Alegre tem uma de suas ruas mais importantes com este nome. É provável que se perguntarmos aos residentes da capital gaúcha incluindo os residentes na ‘simpática 24 de outubro’ um número muito significativo não saberá o porquê do nome. A Wikipédia esclarece:

A atual Rua 24 de Outubro inicialmente era chamada de Estrada da Aldeia dos Anjos, e era o caminho natural para aqueles que seguiam rumo a Gravataí, à época conhecida como a Aldeia dos Anjos. Por ela passavam viajantes em mulas e cavalos, peões tocando a boiada, carreteiros transportando charque, arroz, feijão, batata, milho e hortaliças.

Com a construção de moinhos de vento nos arredores da Estrada da Aldeia, esse caminho conquistou importância estratégica e econômica no final do século 19 e início do século 20. A estrada passou a ser chamada de Caminhos dos Moinhos de Vento e, depois, Rua Moinhos de Vento. O decreto municipal de 24 de outubro de 1933 mudou a denominação de Rua Moinhos de Vento para a denominação atual.

Seu nome é uma homenagem à Revolução de 1930 quando, em 24 de outubro daquele ano, os militares depuseram o presidente Washington Luís, semanas antes do fim de seu mandato, e o poder foi entregue a Getúlio Vargas, dando-se inicio à Era Vargas.

A rua (na verdade uma avenida), atualmente começa na Praça Júlio de Castilhos e termina na Avenida Plínio Brasil Milano, e cruza os bairros Independência, Moinhos de Vento e Auxiliadora. É uma rua comercial e residencial.

Mas uma segunda-feira requer um assunto menos prosaico. E mais, até polêmico. Assim meus votos de um dia muito fecundo se faz com o texto Procissão da alegria de Hélio Schwartsman, publicado na p. A2 da Folha de S. Paulo, 16 deste mês. As ilustrações são inclusões deste blogue. Antecipo-me ao debate, anunciando que adiro às ideias do articulista da Folha.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, está prestes a cometer um pequeno crime contra as crianças da cidade. Ele deve sancionar ainda neste mês o projeto de lei recém-aprovado pela Câmara que prevê a contratação de até 600 professores para darem aulas de religião em escolas municipais.
É claro que pais são livres para educar seus filhos na fé de sua preferência, mas isso deveria ser feito no contexto de seus lares e templos. Assim como igrejas não têm o hábito de ensinar física e aritmética em seus cultos, a escola pública não deveria ensinar religião.
O primeiro argumento é de ordem econômica. Não faz sentido a prefeitura investir recursos numa procissão de 600 professores de religião quando ainda há tantas lacunas no ensino de matérias tão fundamentais como português e matemática.
No que diz respeito ao quadro institucional, a encrenca é ainda maior. Na trilha do governo estadual, o projeto cria um modelo de ensino religioso-confessional, que é difícil de conciliar com o princípio da laicidade do poder público. Pela proposta, de autoria da própria prefeitura, os docentes, formados em sociologia, filosofia, história ou teologia, precisarão seguir as orientações da "autoridade religiosa" que representem.


Isso significa que o professorado estará dividido em feudos eclesiásticos, nos quais cultos majoritários acabarão engolindo os minoritários, e que as tais autoridades religiosas terão poder de definir o que será ensinado aos alunos da rede pública, numa clara violação da separação entre Estado e igreja.
O pecado original, vale lembrar, não é de Paes, e sim da Constituição de 88, que estabeleceu o ensino religioso no ciclo fundamental. Mas a Carta em nenhum momento determina que se rifem cargos públicos – e com eles o futuro das crianças – como parte de um acerto que atende aos interesses eleitorais do prefeito e aos apetites de algumas igrejas.