ANO
9 |
EDIÇÃO
3059
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11 de julho sempre foi, na minha infância e adolescência, uma
data especial. Era o dia do aniversário do pai. Agora, me dou conta que não
dizíamos ‘o meu pai’. Não cabia o possessivo. Era ‘o pai’. Parece que o simples
artigo se traduz em super-possessivo. Hoje, o pai faz 109 anos. Sim, ele faz
109 anos. Aqui mais uma vez, uma questão gramatical.
Quando, há nove anos, filhos, netos e bisnetos, comemoramos o
centenário de nascimento dele, o evento foi marcado pelo mote: “Naquele tempo
existia um homem .
Ele existiu e existe, pois
narramos sua história .”
Assim justifica-se o tempo presente: ele faz 109 anos e não o condicional faria.
Dando crédito que nossos ancestrais deixam de existir somente
quando nós os esquecemos, a edição do blogue de hoje é para dizer algo de
Affonso Oscar Chassot (1906-1987). A narração quer contar dele para fazê-lo
presente. É claro que este narrar não tem a assepsia exigida de um verbete da
Wikipédia. É salutar que em muitos de nossos escritos possamos / devamos não nos policiar pela neutralidade.
Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século 20, falecido em 2012,
escreveu, entre obras, o livro (Pessoas extraordinárias: Resistência , Rebelião e Jazz . São
Paulo: Paz e Terra ,
1998) acerca de pessoas
cujos nomes
são conhecidos
apenas pelos
parentes e pelos
vizinhos . Esse
texto é para falar de uma pessoa que também é extraordinária .
O que meu pai fez para
ser alguém extraordinário? Talvez, um dia ter
visto que a pequena propriedade colonial
de seu pai
no Faxinal não podia ser
repartida para dela obter o sustento para novas oito famílias a serem formadas
por ele e por seus
cinco irmãos e duas irmãs. Faz então uma
opção não usual. Abandona a colônia, deixa de ser agricultor e parte para a
cidade desconhecida para aprender
um ofício em
uma fábrica de órgãos
em Hamburgo Velho .
O colono se fez um hábil marceneiro.
Essa
migração do colono para a cidade rompe uma tradição quase centenária. O elo fundador uma família Chassot chega
ao Rio Grande do Sul em 10 de novembro de 1855. A família pioneira foi a de
Jean Chassot, sua esposa e sete filhos. Eram suíços de fala francesa de
Vuisternens-devant-Romont, do cantão de Fribourg, distante 40 km dessa cidade.
Aqui se estabelecem como agricultores no vale do Caí. Eis as três gerações que
antecedem a meu pai.
1.- Jean Chassot
ou João Chassot, 42 anos, chegou com sua mulher Nanette
Torche, 32 anos, e seus sete filhos: Francisco (14), Denis (13), Jules
ou Júlio (11), Genoveva (9 e meio), Constantino (8), Pedro
(6) e Luisa (1 ano e meio). A sucessão de meus antecedentes segue a partir do
terceiro filho:
2.- Jules ou Júlio Chassot,
com 26 anos casou com Maria Rodrigues da Fonseca. Com esse
casamento, que se pode inferir pelo sobrenome da filha do senhor Mathias, o
idioma francês falado pelo então menino suíço que chegara ao Brasil 16 anos
antes passa a ser minimizado, pois Maria deveria ser de fala portuguesa. Mas a
perda do ‘falar francês’ vai se esvair de outra maneira. Deve ser então que os
Chassot de fala suíça se germanizaram em contato com os colonos de fala alemã
de quem eram lindeiros e que viviam nas margens do Forrromeco, no vale do Caí.
A língua de berço de meus avôs maternos (Ledur e Volkweiss) era o alemão. Jules
ou Júlio e Maria têm dez filhos. Minha ancestralidade se faz a partir do oitavo
deles.
3.-
João Guilherme Chassot,
que casou em Bom Princípio, em 28.6.1905, com Susanna Werner, filha
de Elisabeth e Theodoro Werner. João Guilherme e Susanna tiveram oito filhos,
sendo o primogênito Afonso
Oscar, meu pai.
O ex-colono era agora um marceneiro de ofício. Ingressa na Viação Férrea,
algo distinguido há época. Pode casar. Vai a Santa Terezinha, uma vila perto de
Bom Princípio então, município de
Montenegro. A escolhida:
Marichen [Depois Maria Clara Volkweiss
Chassot (1909-2001)]. Casaram em 20 de setembro
de 1937 (ele com 31 e ela com 28 anos). Se estabeleceram em Estação Jacuí – um
núcleo ferroviário formado por operários de uma oficina de via permanente da
VFRGS, onde meu pai era marceneiro. Estação Jacuí, onde eu nasci, era um
vilarejo de Cachoeira do Sul, hoje no município de Restinga Seca. A foto, talvez de 1942: Meu pai e minha mãe, com os dois filhos mais
velhos Sirne (1940-2001)
Não posso deixar de reconhecer que meu pai foi, na acepção de
Hobsbawm, alguém extraordinário. Talvez,
por ter sido um ferroviário
responsável por
dezenas de anos .
Ou um esposo
e pai dedicado à educação
de seus cinco filhos e duas filhas.
Em A ciência através dos
tempos fiz um ofertório, que ratifico nesta edição de um celebrado 11 de
julho deste blogue:
Para Afonso Oscar
Chassot (1906-1987), meu pai , que , mesmo nunca
tendo visto seu
nome impresso
em um
livro ou
jornal , muito
me ensinou: a gostar
de ouvir notícias ,
instrumental importante para conhecer e entender
a história , e a vibrar
com a profissão ,
marceneiro hábil
que era ,
trabalhando a madeira com amor . Para ele , este livro e estes versos ,
adaptados da poeta Hannah Szenes (1921-1944):
Trabalhar com amor, eis um dos maiores legados que podemos deixar. Quanto de amor habita em cada pessoa? Em algumas o suficiente para serem lembradas por bem mais do que um século.
ResponderExcluirParabéns, mestre por deixar-se empregnar do amor paternal.
Diante de tão belas palavras de carinho fraternal, refleti sobre o sentimento análogo que tenho pelo meu velho pai. Perguntei-me; por que geralmente temos sentimentos semelhantes por nossos antecessores? Senão vejamos, entre a adolescência e a juventude geralmente somos os "donos da verdade". Em tudo temos razão, e nosso opositor predileto são nossos progenitores. Com o passar dos anos, com o fardo de nossos erros, reconhecemos suas sábias palavras . Cá fico eu relembrando nossos papos, com direito ao acompanhamento do som do serrote onde foram me ditas as melhores verdades da vida. Que o meu carpinteiro esteja sempre vivo em minhas lembranças!
ResponderExcluirDiria que tal reconhecimento demonstra a manutenção da IDENTIDADE, fundamental para a historicidade do homem como sujeito de sua subjetividade no encontro objetivo, primeiramente com os seus. (créditos a Ernani Fiori e Eric Hobsbawm). Belo exemplo, como geralmente o é...Grande abraço.
ResponderExcluirCaro amigo Prof. Chassot,
ResponderExcluirJá acabei de ler a postagem sobre o seu pai. Não me emocionei, enterneci-me com o relato, com a precisão genealógica, com a homenagem afetuosa. Vou utilizar o modelo nos 100 anos do meu pai, a comemorar-se em maio de 2018. Espero estar são e salvo até lá para produzir o relato.
Grande abraço, querido amigo
José Carneiro