ANO
11 |
Breve, um novo livro
Das disciplinas à
indisciplina
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EDIÇÃO
3221
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Inauguro as blogadas de novembro embalado por sumarento registro. Na
segunda-feira, dia 24 de outubro, o Fronteiras do Pensamento teve mais uma edição áurea. No Auditório Araújo Vianna — que sempre
oferta evocações de eventos que até imaginara volatilizados — mais de três mil
pessoas ouviram encantados o escritor britânico Ian McEwan. O evento se
constituiu em edição especial da série de 2016, em celebração aos 10 anos de
projeto que faz Porto Alegre distinguida.
Uma apreciada atração da fala foi quando Mc Ewan apresentou a literatura
como uma forma de investigação da natureza humana. O papel do autor, a sua
experiência com o realismo, o trabalho em alguns de seus livros.
McEwan, nascido em 1948, falou também sobre a morte do autor,
tema que se adequa a data de
hoje, quando evocamos nossos queridos que já se foram. "Vivamos a vida com
paixão, apesar de nossos mortos. Eu, ou melhor, os homens da minha idade,
contabilizamos nossos defuntos todos os dias. Após os cinquenta anos, a vida é
parecida com um campo de batalha, onde os companheiros tombam e um pedaço de
nossa energia e de nossa história se vai com eles”(DAUNT,
Ricardo. Migração dos cisnes). Por tal, esta blogada é dedicada ao Prof. Aron Taitelbaun, que nos deixou nesta noite de Finados.
McEwan disse no Fronteiras: “O que fica, realmente, após o funeral, o
obituário e, talvez um ano depois, o memorial construído pelos amigos mais
próximos? Segundo ele, permanecem a reputação e outras coisas que não se podem
prever. “O sucesso e o declínio do autor, por exemplo. Durante muitos anos, o
autor passa ao obscurantismo, e talvez depois volte a ser mais famoso ou
repentinamente famoso após sua morte." Para alguns escritores, o que
restam são 60 centímetros na prateleira de uma estante. Ou dois metros, no caso
de outros. Mas este espaço físico representa uma história que um autor ou
autora jamais poderiam ter planejado. “É como se fosse uma metaficção: ficção a
respeito da ficção".
A trajetória de McEwan na literatura começou aos 20 anos com a produção
de contos, um gênero que, de acordo com ele, permite ao escritor fracassar e
não levar muito tempo para constatar isso, passando por vários níveis de
experimentação. Sua estreia foi com o volume de contos Primeiro amor, últimos
ritos. “As minhas histórias estavam repletas de coisas escuras, sinistras, com
narradores escuros e sinistros. Narradores que pareciam repletos de paixões até
ridículas. Eu esperava que essas histórias fossem vistas como histórias de
humor negro. Na verdade, eu esperava que elas fossem descritas como sendo
histórias de humor negro. Mas, depois de um tempo, eu percebi que fui cada vez
mais me colocando contra a parede. E comecei a expandir a minha escrita e entrei
na área do realismo. A luta de tentar representar um mundo numa página, que é
um mundo do qual todos compartilhamos e reconhecemos."
A representação deste mundo envolve pesquisa. E foi exatamente a pesquisa
que se tornou uma das maiores paixões do escritor. “Com cada romance é como se
eu estivesse começando uma nova jornada. Com apenas um mapa mínimo para guiar o
meu caminho. A investigação da natureza humana era a alma deste projeto, de
tentar gerar a sensação de um mundo compartilhado." Para escrever o romance
Sábado, McEwan acompanhou, durante
dois anos, o neurocirurgião Neil Kitchen, participando da rotina de trabalho a
partir das 6 da manhã, assistindo a cirurgias e procedimentos e utilizando as
mesmas roupas. Sem revelar sua identidade de escritor, em uma ocasião, foi
abordado no bloco cirúrgico por duas estudantes de medicina que gostariam de
assistir ao procedimento e o confundiram com o médico. “Eu disse a elas:
'Aproximem-se aqui. Gostaria de lhes mostrar estas imagens de tomografia'. Eu
já era uma fraude absoluta. Mas pensei: se eu não conseguir me safar com isso,
não vou conseguir escrever este livro. Então, com a minha melhor voz de
autoridade no assunto, eu disse: 'Nós vamos agora bloquear este aneurisma na
artéria mediocerebral, e vamos utilizar esta via que foi criada por um
cirurgião canadense e vamos fazer o bloqueio do vaso'. Eu falei durante cinco
minutos. E, ao final da minha fala, elas me agradeceram. 'Muito obrigada,
doutor. Foi muito iluminador'. E foram embora. Eu sempre fiquei me perguntando
que nota elas tiraram na prova."
McEwan comentou o quanto a ficção busca o realismo. E isto é desejado
pelos leitores. Citou exemplos da vigilância dos leitores. Assim, mesmo quando
se tenta descrever um mundo governado por instituições, o escritor acaba
fazendo coisas erradas. Exemplificando, contou o caso de uma correspondência
recebida a respeito de um livro publicado há 28 anos, intitulado Deus-Dará. Em
determinada cena, os personagens estão em Veneza, em julho, e olham para o céu
claro, visualizando a constelação de Órion, a mais linda do mundo para McEwan.
A leitora, no entanto, não perdoou a falha. “Ela escreveu que era impossível
ver a constelação de Órion em julho no Hemisfério Norte. 'Se você faz questão
de ver Órion em julho é melhor ir à Nova Zelândia' – ou Porto Alegre, ela
poderia ter dito. E acrescentou: 'Já que o seu romance é tão sinistro, por que
não a constelação de escorpião? Eu tenho 87 anos e moro numa pequena ilha no
Canal da Mancha. Eu passo grande parte do meu tempo, nas noites de verão,
deitada numa rede olhando as estrelas. Boa sorte com os seus livros'. Eu não
tive escolha. Na edição seguinte do livro, mudei a constelação."
É esta busca pelo realismo e a sua tradição que o escritor valorizou em
seu mais recente romance, Enclausurado.
O livro parte de uma impossibilidade física e biológica, com um feto palestrando
e opinando sobre o mundo e a sua ansiedade, enquanto presencia os planos da mãe
e do amante dela de assassinarem o seu pai. “Eu vejo este livro como um romance
que segue a tradição do realismo. Porque, uma vez que esta primeira premissa é
aceita, todo o resto que eu faço, neste romance, está no universo de um mundo
compartilhado que eu acho plausível." McEwan finalizou a sua conferência
lendo dois trechos de Enclausurado.
Apossei-me
na produção desta edição, uma vez mais, de excertos de um bem elaborado resumo
da conferência produzido por Luciana Thomé que pode ser acessado na integra em www.fronteiras.com/resumos
Então, existe mesmo ficção ou apenas parte da realidade ficcionada?
ResponderExcluirSaudações frederiquenses.
Oi, o Aron Taitelbaum a que a dedicatória se refere seria o professor de Matemática? Obrigada!
ResponderExcluirSim, Karina!
ResponderExcluiré ao professor Aron que foi professor (e diretor) do Instituto de Matemática da UFRGS, que dediquei a blogada a que te referes.
Ele foi meu professor na faculdade e sempre tive muito carinho por ele. Fico triste em saber que ele já não está mais aqui. Muito obrigada por me responder! Abraços
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