ANO
10 |
EDIÇÃO
3105
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Há alguns dias, terminei de ler Fome de Saber livro de memórias de
Richard Dawkins. Fez-se inevitável para mim, por primeiro, comparar com a
autobiografia de Olivier Sacks, Sempre em movimento:
uma vida, resenhada neste blogue em 11/10/2015. As evocações de Sacks me encantaram muito mais que as de Dawkins, mesmo
que, talvez, tenha me decepcionado por três arestas que não quisera ver em alguém
que tenho como ídolo: 1) seu envolvimento continuado com drogas pesadas; 2) os
exageros do motoqueiro fanático; e 3) o halterofilista um tanto exagerado no
culto ao corpo. Talvez o ponto de destaque do livro é como Sacks lida bonito
com sua homossexualidade.
DAWKINS, Richard. Fome de Saber A formação de um
cientista, Memórias. [Original inglês: An
appetite for wonder (Tradução Érico Assis)] 344p. 14.00 x 21.00 cm; 416g;
lançamento no Brasil, 15/05/2015. ISBN 978-85-359-2583-8. São Paulo: Companhia
das Letras, 2015.
Dawkins é um falso africano de 74 anos, nasceu em, Nairóbi Quênia, em 26
de março de 1941. Seus pais serviam, então, a coroa britânica em diferentes
colônias na África ao tempo de Jorge VI (Rei de 1932~1952). Lá nasce e cresce
um menino que se descreve prodígio e que pelo seu berço de pais naturalistas torna-se um biólogo evolucionista, considerado
mais darwiniano que o próprio Charles Darwin.
As críticas usuais que dirijo no meu
blogue a Richard Dawkins – que ouvi e aplaudi emocionado (e, também,
decepcionado), em 25 de maio de 2015, no auditório Araujo Vianna, em Porto
Alegre, junto com quase 4 mil pessoas – e a José Saramago não são, apenas, por
suas militâncias ateístas, mas pelo deboche que fazem de Deus. Isso me ofende,
pois destrata o Deus que foi de meus pais. Não me parece ético fazer conversões
de religiosos ao ateísmo. Faço uma afirmação: algo que me encanta é dialogar
com uma pessoa religiosa. Atesto isso num prosaico episódio familiar. Certa vez
telefonei, para a casa de um de meus filhos. Atendeu-me minha neta. Ao pedir
para falar com seu pai, respondeu: ‘Papai, agora, está rezando!’. Fiquei muito
emocionado. Mais fiquei muito feliz. Outro pai talvez tivesse que ouvir que o
filho estava chapado ou consumindo drogas.
O pseudo-título de ‘Papa dos ateus’ atribuído
à Dawkins, foi ratificado com seu livro mais polêmico, Deus, um delírio [São Paulo, Companhia das Letras, 2007] no qual, num
texto sagaz e sarcástico, ataca impiedosamente o que considera um dos grandes
equívocos da humanidade: a fé em qualquer divindade sobrenatural.
Neste livro de memorias Dawkins fala
muito pouco na defesa do ateísmo. De seus livros o que merece maiores
comentários nestas memórias é O gene egoísta, (1976) seu
primeiro livro, lançado em 1976 (no Brasil: São Paulo, Companhia das Letras, 2007) no qual popularizou o gene como a principal
unidade de seleção na evolução e que catapultou Dawkins ao estrelato. Também
introduziu o termo “meme", o equivalente comportamental do gene, para
incentivar o pensamento de que os princípios darwinianos podem ser estendidos
para além dos domínios dos genes.
Dawkins conta em Fome de saber uma
história sobre Galileu, que parece importante destacar aqui e “resume a
novidade da Ciência renascentista – [...] este estava apresentando a um homem
instruído algum fenômeno astronômico através do telescópio. O cavalheiro disse,
mais ou menos: ‘Senhor, sua demonstração com telescópio é tão convincente que,
não afirmasse Aristóteles o contrário, eu acreditaria’” (2015, p.167). Eu não
teria melhor ilustração para mostrar a marca do dogmatismo. Transcorrido 2.000
anos a autoridade de Aristóteles, ainda se impunha frente a experimentação. Não
há como não lembrar um iluminista escocês: “Se acreditamos que fogo esquenta e a
água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente!”
David Hume (1711-1776).
Encero este
comentário com uma observação muito pessoal: Ver em uma orquestra uma violoncelista sempre tem
para mim certo erotismo. Isso aumentou muito lendo Fome de Saber onde relata: “Só fui perder a virgindade muito
depois, na idade bem avançada de 22 anos, em Londres, com uma linda
violoncelista. Ela tirou a saia para poder tocar para mim, em sua quitinete
(não há como tocar violoncelo com saia apertada) — e então tirou o resto da
roupa” (2015, p. 171). É fácil imaginar (gosto deste verbo: fazer imagens) a
linda cena.
Concordo com o senhor mestre, quando se sente ofendido com os comentários que tentam denegrir a imagem do Deus dos corações das pessoas. Penso que ninguém tem o direito de ofender a quem amamos, muito menos ao Deus que cultuamos. Embora todo o ser humano tenha seus momentos de incerteza e dúvida, não há como não pensar em uma força maior que é responsável pela existência. Richard Dawkins é uma prova viva disso. Em um de seus livros, (não me recordo no momento qual deles, mas deve ser "The God Delusion) ele elabora uma lista de crentes, mais ou menos crentes e descrentes. Os dois últimos itens da lista dizem: (desculpe-me a má tradução) "É muito pouco provável que Deus exista" e finamente, "definitivamente Deus não existe" o nosso querido autor se posicionou na penúltima posição. Sintomático, não?
ResponderExcluirMuito estimada Alice,
ResponderExcluirprimeiro obrigado pelo comentário. Há muito admiro tua presença como leitora deste blogue, mediada pela amizade com duas pessoas muito especiais e muito queridas: Fábio e Clóvia.
Quanto a Dawkins, como se disse: desconforta sua militância virulenta em prol do ateísmo, como em “Deus, um delírio”. Ser ateu ou ser religioso são muito respeitáveis opções pessoais.
Mesmo não comungando o mesmo credo que professaram meus ancestrais, incomoda ver o Deus que eles criam ser dilapidado.
Minha admiração e reconhecida gratidão,
attico chassot
Admiro os corajosos, mesmo para defender teorias essencialmente controvérsias. Quanto à religião, entendo a não aceitação de tudo o que é imposto, principalmente da maneira como são tratadas. Porém a religião, os deuses são criações humanas, desde que o homem ficou intrigado com o seu destino: a morte. Daí que negar a Deus, negar os deuses ou atacar a(s) religião(s), em si, com o uso do deboche pode ser arriscado demais. Não convence. Perde-se a confiança, uma vez que a argumentação para negar a historicidade deste "mentefato" cultural desde a pré-história é um verdadeiro suicídio. O homem é um animal racional, emotivo, sensitivo e religioso: é a história que prova. Posso não concordar com a maneira como certas religiões ou deuses são conduzidos. Mas aí o problema não é a religião, nem seu Deus, são as pessoas (indivíduos) que a conduzem...Quem mais pode falar sobre nosso destino?
ResponderExcluirGrande abraço.
Muito querido colega Vanderlei.
ResponderExcluirconcordo com tuas posições. As religões só poderão ser saudáveis aos humanos se houver tolerância e respeitarmos as posições do outro. Respeitar não significa aderir.
Obrigado por tua presença aqui,