ANO 17*** 14/04/2023***EDIÇÃO 2080
Depois de publicarmos o primeiro e o segundo conto da Seleta acerca dos quatro elementos, nesta edição 14ABR2023 se publica o terceiro conto. Os quatro contos, como se narrou em outras edições, estão insertos em uma seleta de quatro contos, cada um acerca de um dos quatro elementos alquímicos: TERRA / ÁGUA / AR / FOGO.
Seleta contendo quatro ensaios nos quais cada um deles está imbricado em tentativas de relações entre o sagrado e o profano,
sendo estes compilados, traduzidos, e aditados para saber mais e diagramados por
Lucas Francisco, o Amauta,
especialmente, para
CONTOS QUÍMICOS POR QUÍMICOS CONTISTAS
Sumário
1.- Lilith revisita Terra que fora edênica
2.- E águas purificadoras inundaram o Planeta
3.- O ar é o sopro da vida e de morte
4.- Para que filho Abraão levava o fogo?
O ar é sopro de vida e sopro de morte
Joseph Cornwell Jr*
“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2:7).
"Se lhes faltar o ar, morrem, e voltam para o seu pó" (Livro dos Salmos (104.29).
Um dos atos capitais da narrativa da criação na vertente judaico-cristã está em um dos versos do capítulo 2 do Gênesis acima reproduzido. O ar é o sopro da vida que Deus insuflou ao ser (= boneco de barro), ainda inanimado, que então, se torna um humano com uma alma vivente e imortal. Uma leitura corânica, como está no versículo 3, da 76ª surata “Al Insan” (O Homem) parece traduzir uma melhor imagética: “Em verdade, criamos o homem, de esperma misturado, para prová-lo, e o dotamos de ouvidos e vistas”.
Se no Gênesis temos o sopro de vida, o verso do Salmo 104 se refere ao sopro de morte. A supressão do ar causa a morte.
Assim, por exemplo, como no ritual do batismo de algumas denominações cristãs, o celebrante sopra (= insuflação) três vezes sobre a criança e toca os ouvidos e narinas da criança com os dedos humedecidos com a própria saliva e para insuflar-lhe a vida, há em um outro extremo a prática ritual de se colocar um espelho próximo às narinas do recém falecido, para ver se ele ainda respira, para, na situação contrária (= sopro de morte), atestar a morte. O elemento ar (não é demais repetir que o dito elemento ar não é um elemento e sim uma mistura de gases; como por exemplo o ‘ar atmosférico’ ) assume simbolismos antípodas.
Em investigação realizada em um curso de Pedagogia, se ofereceu a estudantes, em uma atividade ligada à docência das Ciências da Natureza um elenco de perguntas. Cada aluno deveria escolher uma pergunta e buscar respostas à mesma, com no mínimo três pessoas de formação / profissão / crenças o máximo diferenciadas. Um dos alunos se propôs investigar o seguinte questionamento: por quê os bebês choram ao nascer? e da mesma foram trazidas quatro leituras bastante díspares [das quais se apresenta uma pequena síntese em seguida]: #1) de uma parteira [... pedindo o sopro da vida que a parteira infunde quando assopra nas narinas...]; #2) de uma obstetra [... para estimular o funcionamento dos alvéolos e ativar o início da respiração...]; #3) de uma pessoa sem escolarização formal [... o nenê chora de saudade da vida boa que tinha na barriga da mãe...]; #4) de um teólogo [... para pedir a Deus que lhe insufle a vida...].
Se olharmos cada uma destas quatro leituras, feitas pelas diferentes pessoas, vamos perceber que cada uma usou um tipo de óculos para ler o mundo: Talvez possamos identificar leituras marcadas pelo senso comum, pelos mitos, pelas religiões e pela ciência. Mas, também parece presente nas respostas trazidas uma necessidade de ativar (= tornar presente) um sopro de vida. Aqui o profano e o sagrado parecem transgredir fronteiras, mas também há um isolamento de cada um dos quatro. A situação parece se assemelhar a ilhas de um arquipélago unidas pelas águas que as separam.
É importante destacar que não se está julgando e, muito menos, desqualificando qualquer uma de outras leituras diferentes daquela que se coloca como a proposta pela academia (como a da obstetra), que se faz central quando se busca fazer alfabetização científica. Muito menos sugerindo que se abandone uma ou outra em favor desta leitura proposta pela Ciência.
Parece importante referir uma outra dimensão para o elemento ar representa a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Ao referir a visão cristã de Deus implica que consideremos que a rigor, nem o judaísmo nem o cristianismo são religiões monoteístas — este é trinitário e aquele é henoteista (segundo Max Muller, orientalista alemão, 1823-1900), forma de religião em que se cultua um só Deus sem que se exclua a existência de outros. Assim, apenas o islamismo é rigorosamente monoteísta.
A doutrina trinitária professa a existência de um só Deus, onipotente, onisciente e onipresente, revelado em três pessoas distintas. Encontra-se muitos poucos trechos da Bíblia que possam caracterizar o Deus trinitário e por tal este é um dogma quase vedado à compreensão. Um dos exemplos mais referidos é o relato sobre o batismo de Jesus, em que as chamadas "três pessoas da Trindade" se fazem presentes, com a descida do Espírito Santo sobre Jesus, sob a forma de uma pomba.
Há defesas da trindade que parecem muito frágeis, como criação do homem se apresenta um criador plural "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança"(Gn 1,26) ou no episódio da torre de Babel o Senhor Deus fala no plural: "Vamos: Desçamos para lhes confundir a linguagem, de sorte que já não se compreendam um ao outro”(Gn 11,7). Ora, quantos erros de tradução podem ter ocorrido nestes milênios dos textos ditos fundantes e originais com as versões dos dias atuais.
Para os cristãos trinitários, esta liberdade do Espírito exclui que este possa ser um princípio impessoal, um meio ou instrumento, mas antes pressupõe a sua independência relativa, e é muito entendido como o ar (pneumatos) que envolve o cosmos.
Houve movimentos heréticos que surgiram em meados do Século 4º, que negavam a divindade do Espírito Santo. Os seguidores dessa nova abordagem radical também foram chamados pneumatómacos, "adversários do Espírito";
Na filosofia estóica, pneuma (πνεῦμα) é o conceito de "sopro de vida", tendo origem nos autores médicos da Grécia Antiga, que localizavam o elemento de vitalidade dos seres humanos na respiração, pneuma, para os estóicos, é princípio ativo e gerador que organiza quer o indivíduo e o cosmos. Na sua forma mais elevada, pneuma constituí a alma humana (psychê), que é um fragmento da pneuma que é a alma divina (Zeus). Como uma força que estrutura a matéria, ela existe também em objetos inanimados.
Pneu, pneumático, pneumonia e outras são palavras que associam para nós ar, como, por exemplo osso pneumático .
Vimos até então o ar como sendo o Espirito Santo (pneuma), o sopro de vida e o sopro de morte. Para encerrar adito a estas três dimensões uma quarta leitura do ar, onde este determina uma das quatro mais significativas revoluções científicas:
Em tempos pré-iluministas (antes do Século 18) o flogisto ou flogístico ou flogiston era um conceito fundamental da Ciência e a Química se assentava nele suas bases teóricas. A teoria do flogisto, estabelecida pelo médico alemão G. E. Stahl (1660-1734), afirmava que os metais são tão complexos que contêm o flogisto (princípio material que confere a condição para a queima de uma substância) e o que resta depois de perdê-lo são seus derivados deflogisticados (que numa interpretação atual seriam seus óxidos, resultantes da combinação do metal com o oxigênio). Por extensão se dizia que qualquer substância queima por conter o flogisto, assim podia haver massa positiva se o resultado da queima ficasse mais leve (como na queima do enxofre) ou negativa, se ficasse mais pesado (como na queima de um metal). Lavoisier não apenas explica como ocorre a combustão. Mostra o quanto a respiração animal é uma reação de combustão. Assim além de terminar com o flogisto, o vitalismo também recebe um profundo golpe. A nova teoria foi criticada pelos tradicionalistas, que não podiam conceber um sistema onde não figurasse o flogístico. As dúvidas sobre a existência do flogístico foram expostas por Lavoisier, mas os defensores das ideias de Stahl não viram, a princípio, razões para abandoná-las. Macqueur, por exemplo, uma das maiores autoridades da época, escreveu: "Onde estaríamos nós com a nossa velha química, se fôssemos levantar um edifício completamente diferente? Confesso que, por mim, teria abandonado a partida". A frase de Macqueur, escrita em tom de desprezo pelas hipóteses lavoisieranas, mostra, contudo, a atitude retrógrada de muitos químicos do Século 18. Em geral, os mais velhos combateram encarniçadamente as novas ideias, e os mais jovens as defenderam com não menor ardor.
Há um livro intitulado Oxigênio (Carl Djerassi* & Roald Hoffmann**) que interroga: O que aconteceria se o Prêmio Nobel tivesse que ser concedido a algum cientista do Século 18? Qual descoberta seria tão fundamental que mereceria o Prêmio? Quem seria agraciado? Oxigênio, uma peça de teatro em 2 atos e 20 cenas, que se alterna entre 1777 e 2001, conta essa história fictícia e revela os bastidores históricos — estes, sim, verídicos — da descoberta do gás que respiramos, quase simultaneamente realizada pelo químico francês Lavoisier, pelo farmacêutico sueco Scheele e pelo pastor inglês Priestley. Os três cientistas e suas esposas estão em Estocolmo em 1777, a convite do rei Gustavo III.
A questão a resolver é: quem descobriu o oxigênio? As mulheres desempenham papel de destaque na peça, revelam suas próprias vidas e a de seus maridos cientistas. O sucesso do livro Oxigênio (com edições em alemão, búlgaro, chinês, coreano, espanhol, francês, inglês, italiano, japonês e polonês) e das dezenas de Representações e Leituras demonstram que temas éticos como prioridade e descoberta permanecem tão atuais hoje como o foram em 1777.
O oxigênio respirado pelos organismos aeróbicos, liberado pelas plantas no processo de fotossíntese, participa na conversão de nutrientes em energia intracelular (ATP). O oxigênio molecular é o aceptor final de elétrons da cadeia de transporte de elétrons na respiração aeróbica celular. Permito-me exemplificar com algo da área das ciências da natureza: podemos organizar uma atividade para um extenso período apenas com discussões acerca das reações da combustão e da fotossíntese.
Um ser humano adulto em repouso respira em média 13,5 vezes por minuto - 1,8 a 2,4 gramas de oxigénio por minuto. A soma total da quantidade inalada por cada pessoa no planeta produz um total de 6000 milhões de toneladas de oxigénio por ano.
E, agora algo não tão comentado “Existia, porém, um imenso tabu. Era difícil cogitar que o oxigênio, essencial à vida, tinha um lado vilão”. No entanto, hoje se sabe que, ao se respirar, 2 a 5 por cento desse gás acabam gerando radicais livres.
Os radicais livres são verdadeiros vilões das células. Podem prejudicar estruturas celulares o funcionamento normal do metabolismo celular, acarretando diversas patologias, dentre elas, a diabete, inflamações, osteoporose, neoplasmas e principalmente o envelhecimento precoce.
Outra faceta do oxigênio vilão poderia ser o quanto se perde de materiais pela ‘indesejada oxidação’. A ferrugem a ficar em um exemplo visível em nosso cotidiano.
Assim o “elemento ar” esteve neste texto marcado por posições antípodas: o Espirito Santo (pneuma) que faz de uma religião monoteísta ser trinitária, o sopro de vida e o sopro de morte e por fim dentro das duas mais singulares (e antípodas reações: a combustão e a fotossíntese o oxigênio é herói e bandido.
Para saber mais: HISTÓRIA DA MEDICINA: O ENIGMA DA RESPIRAÇÃO; COMO FOI DECIFRADO. http://www.jmrezende.com.br /respiracao.html
*Joseph Cornwell Jr é doutor em História da Química pela Columbia University, Canadá e Professor Boston School of Science e no Seminário Teológico Jesuítico de Mont Serrat, Espanha. Email: jocorjr@bostonschool.edu
Advertência final para os quatro contos: Lucas Francisco, o Amauta, Mathilde Aguillar Martínez, Jean Jacques du Chambery, Joseph Cornwell Jr e Ephrain Bin Mustaphat são cinco personagens ficcionais e qualquer semelhança com pessoas reais, é mera coincidência. Não são ficções os quatro ‘para saber mais’ e citações bíblicas e corâmicas.
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