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sexta-feira, 17 de março de 2023

AINDA, DIA INTERNACIONAL DA MULHER: LILITH


 ANO 17*** 17/03/2023***EDIÇÃO 2076

Narrei na edição passada (10/03/2023) que agendara a publicação do conto Lilith revisita a Terra que fora Edênica, como celebração pelo Dia Internaciona da Mulher. que então se comemorava. Por razões técnicas publicação foi abortada. Expliquei, então, que conto é o primeiro de uma seleta com quatro narrativas que escrevi para a tese doutoral de Patrícia Rosinke UFMT) que envolve os elementos alquímicos TERRA / ÁGUA / AR / FOGO . Esses quatro contos foram produzidos inicialmente para livro organizado pelo Marlon (Soares, 2019). Posteriormente, a Editora  Livrologia de Chapecó transformou a tese doutoral da Patrícia em livro (Chassot & Rosinke, 2021 e dessa maneira a seleta ganhou nova edição. Em A ciência é masculina? é, sim senhora!, nas edições mais recentes (Chassot, 2019) apresenta referências acerca de Lilith. 

CHASSOT, Attico, A ciência é masculina? é, sim senhora! São Leopoldo: Unisinos, 2019.

ROSINKE, Patrícia & CHASSOT, Attico. Os quatro elementos entre ciência e religião. Chapecó: Livrologia, 2021

SOARES, Marlon Herbert Flora Barbosa, (org) Contos químicos por quimicos contista. Goiânia: Editora espaço acadêmico, 2019. 110 pag.

Isto posto resgato, com minha leitora e com meu leitor a promessa feita na edição passada lhe ofertando  Lilith revisita a Terra que fora Edênica

Seleta contendo quatro contos. nos quais cada um deles está imbricado em tentativas de relações entre o sagrado e o profano foram compilados, traduzidos, aditados de para saber mais e diagramados por Lucas Francisco, o Amauta, 

Sumário

1.- Lilith revisita Terra que fora edênica

2.- E a Água purificadora inundou Planeta

3.- O Ar é o sopro da vida e de morte

4.- Para qual dos  filhos Abraão levava o Fogo?


  1. Lilith revisita Terra que fora edênica 

Mathilde Aguillar Martínez*

E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom (Gn, 1: 9.10).

Estar no terceiro milênio da era cristã não faz imunes aos mitos antigos, em cuja sombra se tecem fantasias, lendas e inclusive cosmogonias com sabor atual. No romance Caim, Saramago destaca a figura de Lilith — esposa de Noah, das terras de Nod —, a quem destina o papel de iniciar a Caim na arte amorosa e com quem teria um filho: Enoc, bisavô de Matusalém.

Todavia, há outra Lilith, uma que permaneceu quase desconhecida e que forma parte dos mitos antropogênicos. Segundo a Cabala judaica, Lilith foi a primeira mulher, criada igual como Adão. Eva seria uma criação posterior, produto de uma costela do varão.

No sexto dia do primeiro relato da criação, Deus cria o homem a sua imagem e semelhança “Macho e fêmea os criou” (Gn 1:27). Esta narração refere ao primeiro casal humano que teve origem similar.

No segundo relato da criação, Deus forma o homem com pó da terra — um dos elementos primordiais — e lhe infunde alento de vida. Para que não esteja só e o ajude, faz um ser semelhante a ele de sua costela e forma a uma mulher, de quem o homem diz: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; ela será chamada varoa (virago), porquanto do varão foi tomada” (Gn 2:23).

Enquanto no primeiro relato a fêmea (mulher) é reflexo de Deus, no segundo, é reflexo do homem. Por que o Gênesis refere duas criações? Alguns consideram que os versículos são reiterativos e dão a conhecer um mesmo feito de uma maneira diferente. Outros, diferentemente, aduzem que no primeiro relato alude à criação de uma primeira mulher: Lilith, cujo nome se relaciona com a palavra hebraica lailah, que significa noite.

Lilith se torna o par de Adão, com quem comparte um mesmo gérmen ontológico. Teria uma personalidade forte e emancipada que faz com que se associasse com lado escuro e com a malignidade.

Segundo a tradição judaica, Lilith se opõe a aceitar a postura amorosa que Adão desejava — deitada e por baixo — por se considerar igual. Como Adão quis obrigar-lhe a obedecer, ela o abandona, deixando o Jardim do Éden.

Eva, em troca, assume uma atitude mais submissa, menos crítica. Por originar-se da costela de Adão, está sujeita a seu domínio. “... e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (Gn 3,16).

Lilith e Eva poderiam ser os arquétipos de um duplo feminino: a maldade versus a bondade, a obscuridade versus a luz, a dureza versus a doçura, a mulher-demônio que se opõe à mulher-mãe. 

A primeira se orienta ao egoísmo, a autogratificação, ao prazer sensual; a segunda ao sacrifício, à união espiritual e à procriação. Extremos dos opostos: demônio/santa, rameira/virgem, que tem categorizado e estigmatizado o mundo feminino.

Sem dúvida, uma e outra compartem de ter desorientado ao homem e até se pode pensar, serem mais potentes que ele. Potência ligada em parte à falta de compreensão que o homem tem do feminino. 

Lilith enfrenta a Adão e o abandona como uma forma de emancipar-se; não se submete, o desafia. Eva o faz transgredir: é a autora intelectual do pecado original, sua força reside má sedução passiva.

Segundo uma velha tradição, Lilith seria uma figura sedutora, de longos cabelos, que voa à noite, como uma coruja, para atacar os homens que dormem sozinhos. As poluções noturnas masculinas podem significar um ato de conúbio com a demônia, capaz de gerar filhos demônios para a mesma. As crianças recém-nascidas são as suas principais vítimas. A crença em Lilith, durante muito tempo, serviu para justificar as mortes inexplicáveis dos recém-nascidos. Uma forma de proteger as crianças contra a fúria da bela demônia é escrever na porta do quarto os nomes dos anjos enviados pelo Senhor. Outra maneira é a de afixar no berço do recém-nascido, três fitas, cada uma delas com um nome de um anjo. À véspera do Shabat e da Lua Nova, quando uma criança sorri é porque Lilith está brincando com ela. Afirmava-se que, na Idade Média, era considerado perigoso beber água nos solstícios e equinócios, períodos estes em que o sangue menstrual de Lilith pinga nos líquidos expostos. 

Aos olhos masculinos, a mulher é em si mesma a caixa de Pandora: enigma indecifrável e fonte do mal.

Se a mulher foi melhorada — produto de um upgrade ou turbinada —, o homem não? Poderia se pensar que assim como se deduz ter havido uma Lilith do primeiro relato possa ter havido outro primeiro homem?

Do ponto de vista antropológico, o Gênesis é um mito de origem que busca explicar o surgimento do primeiro homem e como tal não difere muito de outros mitos, integrantes das diferentes cosmologias existentes.

Devido a maior agudeza da psicologia feminina, o crítico literário Harold Bloom formula a hipótese que alguma parte inicial da Bíblia foi escrita por uma mão de mulher.

Se bem que os desígnios de Deus são inescrutáveis, nós, suas criaturas, nos encarregamos de interpretá-los. 

PARA SABER MAIS: Jardim do Éden revisitado in Rev. Antropol. vol.40 n.1.São Paulo, 1997 http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77011997000100005


*Mathilde Aguillar Martínez é doutora em História pela Universidade de Louvaina e Professora da Universidade Hebraica em Bogotá. É de fé judaica, mas não manifesta adesão formal a práticas de vertente de judaísmo ortodoxo. Email: mathiguima@gmail.com

ADVERTÊNCIA FINAL: Lucas Francisco, o Amauta e os 4 autores dos 4 contos: Mathilde Aguillar Martínez, Jean Jacques du Chambery, Joseph Cornwell Jr e Ephrain Bin Mustaphat são cinco personagens ficcionais e qualquer semelhança com pessoas reais, é mera coincidência. Os quatro PARA SABER MAIS não são ficções.

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