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sexta-feira, 7 de maio de 2021

07MAIO2021 *** Muito prazer, Sr. Palomar


 

 ANO 15

Agenda de Lives em página

www.professorchassot.pro.br

EDIÇÃO

1317

 

Uma das marcas desta funérea primeira semana de maio foi a falta de vacina em quase todo o Brasil. Vacina é novo nome da esperança. Houve, todavia, momentos frutuosos.

Eu tive um design de como serão, nos próximos meses, minhas semanas plenas. Tardes de quartas-feiras: três horas de aula com o Licurgo — In memoriam —e a Sílvia na UFPA; manhãs de quintas-feiras: três horas de aulas com Manuella e com a Márcia no IFES; tardes de sextas-feiras duas horas de aulas com o Daniel, na UNIFESSPA. Adite-se ainda reuniões individuais e/ou grupais com 10 orientandos.

E, ...se não houvesse pandemia, como seria este design? Eu não sou exceção! E, depois se diz que os professores já estão mais de um ano em férias!

Há, ainda, que sobrar tempo para estudar, preparar aulas (pois meus compartilhadores sãos de escol) e para lazer. Este para mim se traduz em escrevinhares e em leituras.

Um dos livros mais interessante [este adjetivo é trazido em uma homenagem a meu amigo madrileno Emmanuel Lizcano (UAM), que vez ou outra me admoestava: vocês brasileiros, quando não sabem como qualificar algo dizem: é interessante!] que leio e releio nos últimos dias, quando escrevo um texto acerca do uso de modelos para ler a Ciência é Palomar, o último livro de Ítalo Calvino (São Paulo: Companhia das Letras, 1994, 120 p; ISBN: 978-85-716-4409-0).  

Italo Calvino (Santiago de las Vegas, 15/10/1923 — Siena, 19/09/1985) foi um dos mais importantes escritores italianos do século 20. Nascido em Cuba, seus pais eram cientistas italianos que passavam uma curta temporada no país para depois retornar à Itália pouco tempo após o seu nascimento. Sua literatura é considerada sincera, delicada e extremamente ágil.

 O Sr. Palomar é o protagonista dos 27 textos fascinantes amealhados em Palomar. São contos breves (cerca de duas ou três páginas) e sábios. Palomar é o nome de um famoso observatório astronômico que durante muito tempo ostentou o título de maior telescópio do mundo. Por intencional ironia, é também o nome do protagonista destes textos curtos de Ítalo Calvino. Este senhor Palomar é todo olhos, mas funciona quase sempre como se fosse um telescópio ao contrário, voltado não para a amplidão do espaço, mas para as coisas próximas do cotidiano. É como se ele nos dissesse que as grandes questões do mundo e da existência também estão presentes em cada objeto que observamos, em cada cena que presenciamos, e que tudo é digno de ser interrogado e pensado. Palomar foi o último livro publicado em vida por Ítalo Calvino.

Em Palomar, fazendo uma sábia mistura de descrição, narração e reflexão, Calvino revela a mesma inquietude de suas outras obras, sem esquecer aquela pitada de humor refinado que contribui para a leveza de seus textos. Em meio a suas reflexões filosóficas, por exemplo, o senhor Palomar preocupa-se também com a angustiante questão de como se comportar na praia diante de um par de seios nus.

A citação de alguns títulos dos capítulos, oferecerá ao meu leitor (que ainda não leu livro) a ratificação de minha apresentação do Sr. Palomar. Ei-los: A leitura de uma onda; O seio nu; os amores das tartarugas; O assovio do melro; A lua do entardecer; A contemplação das estrelas; A barriga do camaleão; O museu dos queijos; O gorila albino; A pantufa desemparelhada; Do morder a língua; Como aprender estar morto.

Para corroborar minha afirmação faço o ofertório de excertos de O modelo dos modelos:

Houve na vida do senhor Palomar uma época em que sua regra era esta: primeiro, construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; segundo, verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; terceiro, proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam [...] A construção de um modelo era, portanto, para ele um milagre de equilíbrio entre os princípios (deixados à sombra) e a experiência (inapreensível), mas o resultado devia possuir uma consistência muito mais sólida que uns e outra. Num modelo bem construído, na verdade, cada detalhe deve estar condicionado aos demais, para que tudo se mantenha com absoluta coerência, como num mecanismo em que, parando uma engrenagem, todo o conjunto para. O modelo é por definição aquele em que não há nada a modificar, aquele que funciona com perfeição; ao passo que a realidade, vemos bem que ela não funciona e que se esfrangalha por todos os lados; portanto, resta apenas obrigá-la a adquirir a forma do modelo, por bem ou por mal. [...] Já que se trata de reprovar os danos da sociedade e os abusos de quem abusa, ele não hesita (salvo enquanto teme que, por falar demais, também as coisas mais corretas possam soar repetitivas, óbvias, exauridas). Acha mais difícil pronunciar-se sobre os remédios, primeiro porque gostaria de certificar-se de que não provocariam danos e abusos maiores e que, se sabiamente predispostos por reformadores iluminados, poderiam pois ser postos em prática sem dano pelos seus sucessores: talvez ineptos, talvez prevaricadores, talvez ineptos e prevaricadores a um só tempo. Só lhe falta expor esses belos pensamentos de forma sistemática, mas um escrúpulo o retém: e se daí decorresse um modelo? Assim prefere manter suas convicções em estado fluido, verificá-las caso a caso e fazer delas a regra implícita do próprio comportamento cotidiano, no fazer ou no não fazer, no escolher ou no excluir, no falar ou no calar-se. (CALVINO, 1994).

 É trivial imaginar, enquanto um professor de Ciências, sempre envolvido com o uso de modelos — que agora elabora mais um texto acerca do assunto, foi envolvido no conviver com o Sr. Palomar com seus modelos e muito outros temas sumarentos.

E não foi sem razão que acima transcrevi excertos de um dos significativos textos que Ítalo Calvino amealhou no último livro que escreveu: Palomar. Leiamos, para lançar iscas pare prelibar texto ainda em gestação, o que o Sr. Palomar diz sobre modelo. Concordamos com a primeira exigência: construir um modelo na mente, o mais perfeito, lógico, geométrico possível; aderimos a segunda colocação: verificar se tal modelo se adapta aos casos práticos observáveis na experiência; e, quanto, a terceira etapa: proceder às correções necessárias para que modelo e realidade coincidam. Parece que há que discordar! Por quê? O modelo nunca se igualará a realidade. Pois, se tal acontecesse, não existiria mais modelo só existiria a realidade.

 Recordo quando eu era professor Instituto de Química da UFRGS, lecionava a cada semestre para cerca de duas a três turmas de Química Geral1 (QUI 101) dos cursos de Química, Farmácia e Engenharia química. Era a primeira disciplina de Química na formação de graduação desses três cursos. Para os alunos tudo era novidade. O cenário era algo conquistado por méritos: estar ingressando em uma universidade pública federal, em cursos de ingresso muito disputados. Eu usualmente os recebia com uma pergunta: quem poderia me dar um exemplo de um gás ideal? As respostas eram as mais variadas Hélio, Hidrogênio, Gás Carbônico, Neônio, Metano, Propano etc.

Eu não recordo nenhuma situação que alguém dissesse a resposta que eu mais esperava: gás ideal não existe, ou melhor ainda, gás ideal não existe porque tal é uma ficção.  E aí começava, de maneira usual, uma excelente discussão acerca do que é um modelo e como se pode caracterizar o quanto um gás real é mais ou menos aproximado do modelo de gás ideal.

Vale aguardar o capítulo de um livro em gestação, Por ora um recado (quase) final: se não conseguir fazer modelos, lembre-se que tanto na Torá judaica como no Alcorão ordena que “...dele não farás imagens!”

Postdata: Uma meritíssima homenagem a todas as Mães. Neste tempo de afastamentos, aquelas que estão em outros céus parece que estão até mais perto.

2 comentários:

  1. Saudações, Chassot, amigo! Estava pensando, antes de ler esta última blogada, e agora, ainda mais, sobre a afirmação de que professores estão gozando férias já tem mais de ano. Então, cabe direcionarmos o telescópio para dentro, para o cotidiano e para a convivência. Será que ele pode nos ajudar a compreender tal afirmação para dizermos de seus equívocos interesseiros, manipuladores e viciados? Creio que é o momento para ampliarmos visão, compreensão e julgamento, já que, à primeira vista, tal afirmação parece fazer sentido. Então, de fato, os professores estariam em férias permanentes, gozando alegria, saúde e bem-estar em meio ao flagelo da humanidade e, particularmente, de um Brasil desgovernado (sem Governo)? Talvez seja a distância do observador que faz um julgar de modo tão equivocado. Então, cabe dizermos que para julgar é preciso aproximar-se do objeto julgado, conhecê-lo por dentro, por fora e por suas relações nascidas em sua constituição. Depois disso, sim, teremos alguns parâmetros para estabelecermos critérios, não sem isolarmos vício e erro nos julgamentos divulgados. Eu, cá comigo, penso e reflito que mais ouço reclamação pelos excessos de compromissos e trabalhos dos professores: são lives em profusão, correção e indicação de leituras e pesquisas, lições aos montes, contatos com as famílias sem horário respeitado, afinal, diz-se, sendo on-line pode-se estar 24h conectado. Então, não me venham dizer que os docentes curtem férias, porque num isolamento que apavora, para quem tem portão e porta e por eles pode olhar, não existe sossego e tranquilidade para desfrutar e curtir os prazeres da vida. Obrigado pelo espaço de desabafo! Meu Abraço!

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  2. Meu querido amigo e colega Élcio! Realmente se o Sr. Palomar assestasse seu telescópio às avessas ele, como tu, se asseguraria que os professores não estão de férias. Ou melhor, exatamente o contrário: estão trabalhando mais. O que eles temem — porque cumprem a mais repetida recomendação que ouvimos repetida, a toda hora, de maneira generosa: Te cuida! — é arriscar sua vida.
    Quem de nós, que nunca trabalhou num zoológico aceitaria o emprego de tratador de animais que exigisse a entrada em uma jaula de leões ditos domesticados?
    Obrigado por — com teus comentários — dares um upgrade aos meus blogares.

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