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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

22.- Os quatro elementos numa leitura hodierna



ANO
 13
AGENDA 2 0 1 9
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EDIÇÃO
3394
Estou usando tetramorfos numa acepção metafórica, pois originalmente tetramorfos se referem aos quatro animais bíblicos referidos no Apocalipse — o leão, o cordeiro, a águia e o touro que representam, na mesma ordem, os 4 evangelistas — Marcos, Mateus, João e Lucas. Assim, uso também tetramorfos para um conjunto de 4 seres ou fenômenos correlatos.
De 25 de janeiro a 11 de fevereiro — apenas 18 dias deste tão conturbado e quase agônico 2019 os 4 elementos disseminaram no Brasil morte e muita dor. As tragédias se fizeram particularmente em 3 dos quatro estados da Região Sudeste, aquela tida por nós outros como a mais rica, e talvez a mais festeira.
Eis, a presença apocalíptica dos 4 elementos nestes 18 dias nos quais cada uma das quatro tragédias se encordoou uma na outra gerando duas novenas de luto  desencadeados pela Água, pela Terra, pelo Fogo e pelo Ar (na ordem dos símbolos alquímicos na imagem).
A Terra, no dia 25 de janeiro, se fez lama amorfa que avassaladora matou crianças, matou homens e matou mulheres, algumas com o ventre prenhe com uma nova vida, que lama matou também. Morreram 177 pessoas e ainda há 133 desaparecidos. Muitos animais e muitas árvores foram levados de roldão pela lama de Brumadinho, nome sonoro que até há um tempo não conhecíamos...parecia poesia pensar em uma bruma tênue se fazendo brumadinho. A poesia terminou logo. Agora brumadinho parece um dos infernos de Dante. Casas, maquinas, caminhões, trens foram destruídos também pela lama voraz e um Ministro abjeto disse que devíamos valorizar estas perdas da Vale assassina.
A Água, no dia 9 de fevereiro, no Rio de Janeiro houve uma chuva e esta se fez catadupa. A água que nos remete, de uma maneira muito terna e saudosa, ao útero materno que nos rejuvenesce no banho, na piscina, nos rios, nos lagos, nos mares... esta mesma água, agora fazia mortes. Sim, até a água consumida em excesso mata por um fenômeno conhecido como afogamento. Numa precipitação de um mês em umas poucas horas nove pessoas morreram. Estas nove se somaram a outras noves que foram chacinadas na região metropolitana da cidade que era cantada como “cidade maravilhosas, cheia de encantos mil...
O Fogo, no mesmo dia e na mesma cidade em que a água matava, o fogo foi inclemente. Num poético Ninho do Urubu um dantesco incêndio mata dez jovens de 14 a 15 anos e ainda deixa três feridos. Era aquele fogo que Prometeu deu aos humanos quando se desentendeu com Zeus. Este fogo tão importante, que muda a maneira de nossos ancestrais viverem, pois, com a descoberta da cocção se define outro sistema alimentar. É o fogo que coze e também que mata. Para os humanos este presente foi oneroso, pois a vingança de Zeus ao feito de Prometeu foi fantástica e exigente: Zeus para vigar-se da dádiva (= o fogo) que recebêramos de Prometeu nos dá Pandora e as consequências todos sabemos.
 O Ar, no dia 11 de fevereiro se faz cenário da quarta tragédia para completar 18 dias lutuosos. Sempre foi sonho dos humanos voar, estar no ar. Há muitas narrativas acerca desta ânsia. Recordo uma. Ícaro, o filho de Dédalo, é comumente conhecido na mitologia grega pela tentativa de deixar a ilha de Creta voando. Ícaro e o pai constroem um par de asas. Há uma dupla recomendação para seu uso. Não se pode voar muito alto, pois o sol derreteria a cera onde se fixavam as penas. Não se pode voar muito baixo pois a umidade do ar encharcaria as penas e as asas ficariam por demais pesadas e não haveria força para batê-las. A tentativa é frustrada, como foi o voo de Ricardo Boechat. Um morreu caindo nas águas do mar Egeu, na região conhecida como mar Icário; outro, um dos mais vibrantes jornalista brasileiro da atualidade morreu, pois, helicóptero bateu na parte dianteira de um caminhão que transitava pela Rodovia Anhanguera.
Assim, as milenares e muito dispares leituras de nosso tetramorfo germinal do mundo que habitamos e buscamos ler, parece merecer uma leitura hodierna. Esta é apenas uma das muitas possíveis. Talvez, valha experimentar outras. 
Expectante.

Ofereço este texto para a doutoranda Patrícia Rosinke (UFMT/campus Sinop) que, na tessitura da tese me desafia em reflexões acerca dos 4 elementos na tênue interface entre o sagrado e o profano.

Um comentário:

  1. Meu orientador Chassot!
    Agora com mais uma orientanda do Estado do Acre, pela REAMEC... tive a honra da leitura prévia desse texto sobre um tetramorfo "profano/sagrado" Terra, Água, Ar e Fogo... diante das catástrofes naturais guiadas por mãos humanas interesseiras... falhas... enfim... no contexto daquilo que estamos presenciando ou vivendo nesse início de ano.
    Quero registrar a admiração que tenho por teu intelecto, são teus os incentivos que me guiam na jornada do doutorado!
    Ótimo texto para reflexões... abracos

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