ANO
12 |
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EDIÇÃO
3323
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Anunciara, ao
encerrar última edição deste blogue, que inauguraria as blogadas de novembro
com referências ao 5º Centenário Reforma Luterana ocorrido no último
dia 31 de outubro. As mídias sociais parecem ter dado pouco destaque ao evento.
Por exemplo, a Rádio Vaticana (no programa brasileiro) só comentou a efeméride no
dia seguinte.
Na manhã desta
sexta-feira foi muito significativo ouvir a Joana Martins Apolinário, no
encanto de seus quase 8 anos, falar-me dos feitos de Lutero. Dedico a ela este
blogue, produzido a partir do capítulo Escola
e Universidade, p. 155-187 do ‘Das
disciplinas à indisciplina’
Há quando se quer definir o início
dos tempos modernos há propostas de eventos, que decretaram modificações
significativas na Europa, que podem marcar o fim da Idade Média. Assim, para o
seu término são propostos os seguintes eventos (aqui citados em ordem
cronológica): 1439: invenção da imprensa // 1453: queda de Constantinopla //
1453: fim da Guerra dos 100 anos // 1492: descoberta da América// 1517: Reforma
Luterana // 1534: Reforma Anglicana.
Mesmo que eu não seja historiador, se tivesse de eleger um, a
minha escolha seria, para o mais significativo, a Reforma Luterana, desencadeada por
Lutero*, talvez marcado pelo meu viés dito ‘igrejeiro’, (leia-se querer ler a
história marcada de maneira significativa pela presença da religião). Se fosse
eleger outro, seria a invenção da imprensa, reconhecendo-a tão importante,
quanto o invento da Internet, talvez, a criação mais revolucionária do Século
20.
Esta blogada não dá conta no destacar as muitas consequências
políticas, sociais, econômicas, culturais e educacionais advindas de diferentes
cisões no até então quase monolítico domínio da igreja católica romana. Destas
cisões são relevantes as consequências da Reforma Luterana. Talvez um dos
feitos mais significativos de Lutero foi traduzir toda Bíblia para o alemão, em
uma edição de 1534. Antes houve outras traduções parciais (especialmente dos
evangelhos) em diferentes idiomas.
A Bíblia de Lutero se torna referência na manutenção da
ortodoxia nas igrejas reformada. Ela confere ao alemão o status de língua culta
e com isso fortalece o emergente conceito de ‘Estado nação’. Há quem mostre que
a língua alemã e mesmo a Alemanha tenham como uma das geratrizes a Bíblia
traduzida por Lutero.
Importância mais significativa desta tradução foi que então a
Bíblia estava acessível a todos (que soubessem ler). Aqui, vale destacar uma
ação muito significativa: Lutero para a facilitação da tradução fez incursões
nas cidades próximas para ouvir como falavam as pessoas nos portos e mercados.
Ele queria garantir que sua tradução fosse a mais próxima possível da linguagem
contemporânea. A tradução de toda a Bíblia para outras línguas (nos anos
seguintes surgiram edições em francês, espanhol, tcheco, inglês, neerlandês)
foi considerada um divisor de águas na história intelectual da Humanidade.
Os cultos nas igrejas reformadas passaram a ser em vernáculo**,
pois além da Bíblia, os hinos foram traduzidos (ou produzidos) na língua local.
Ocorre que essa inovação não pode ser fruída pela população, que era em sua
maioria analfabeta. Foram criadas, então, escolas junto a cada igreja reformada
para se ensinar a leitura, assim o povo poderia ler a Bíblia e ler os hinos nos
cultos.
Na educação, o pensamento de Lutero produziu uma reforma global
do sistema de ensino alemão, que inaugurou a escola moderna. Seus reflexos se
estenderam pelo Ocidente e chegam aos dias de hoje.
A ideia da escola pública e para todos, organizada em três
grandes ciclos (fundamental, médio e superior) e voltada para o saber útil
nasce do projeto educacional de Lutero. “A distinção clara entre a esfera
espiritual e as coisas do mundo propiciou um avanço para o conhecimento e o
exercício funcional das coisas práticas”.
Tão importante quanto Lutero para a educação foi Philipp
Melanchthon (1497-1560). Durante o período que Lutero passou impedido de se
manifestar publicamente, Melanchthon foi o porta-voz da causa reformista e se
encarregou de reorganizar as igrejas dos principados que aderiram ao
luteranismo. Esse trabalho resultou no projeto de criação de um sistema de
escolas públicas, depois copiado em quase toda a Alemanha. A reforma da
instrução era uma das principais reivindicações das camadas mais pobres da
população, insatisfeitas com as más condições de vida e com o ensino escasso e
ineficaz oferecido pela Igreja. Esses foram alguns dos motivos da revolta armada
dos camponeses, sangrentamente reprimida em 1525.
Melanchthon e Lutero viam na educação um assunto do interesse
dos governantes. “A maior força de uma cidade é ter muitos cidadãos
instruídos”, escreveu Lutero. Para isso, foi criado um sistema que atendia à
finalidade de preparar para o trabalho e à possibilidade de prosseguir os
estudos para elevação cultural. O currículo era baseado nas ciências humanas,
com ênfase na história.
Paradoxalmente, a Reforma Luterana é muito benéfica à igreja
romana, pois com a contrarreforma há uma refontização, na busca das verdades e
das práticas que haviam sido perdidas.
Assim a Escola como conhecemos hoje é produto da Reforma
Protestante. A primeira ordem religiosa ensinante da igreja romana (antes as
ordens religiosas são pregadoras, esmolantes, orantes, hospitalares,
militares...) é a Companhia de Jesus (jesuítas) fundada por Inácio de Loyola em
1531, quase 15 anos depois do histórico 31 de outubro de
1517, quando foram afixadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de
Wittenberg.
Claro que não se desconhece que, na Idade Média, particularmente
a partir do momento que a Igreja cristã, com Constantino, no século 4º, se faz
hegemônica no Império Romano (e este é apenas o mundo do qual sabemos falar)
havia escolas e essas se confundem com as ações de educação da igreja. Todavia,
é preciso reconhecer que essas escolas (anteriores à Reforma e à
Contrarreforma) não eram destinadas a todos, mas apenas as elites. Estas podiam
ter tutores para ensinar seus filhos. Também os aspirantes a ordens religiosas
tinham o acesso a Escolas de maneira mais privilegiada que a população em
geral.
Em síntese, podemos dizer que a Escola, no modelo que temos hoje
— muito especialmente na sua dimensão de acesso a todos — é um legado da
Reforma Luterana, na inauguração da modernidade. Acrescente-se que esta Escola
vem ferreteada com as marcas do dogmatismo herdado da igreja que foi sua
geratriz.
Talvez outra dádiva da reforma foi fazer a igreja abandonar
muito de suas posturas monacais e assumir-se mais inserta no mundo, preocupada
com a realidade terrena, e não sonhar expectante com a futura vida celestial.
Há quem possa ler de maneira oposta esse comentário. Foi dádiva? Ou foi perda?
* Martinho Lutero
(Eisleben, norte da Alemanha, 1483-1546). Em família estava destinado a seguir
a carreira jurídica. Seguindo os desejos maternos, inscreveu-se na escola de
direito da universidade de Erfurt. Mas tudo mudou após uma grande tempestade
com descargas elétricas, ocorrida em 1505: um raio caiu próximo de onde ele
estava passando, ao voltar de uma visita à casa dos pais. Aterrorizado, teria,
então, gritado: "Ajuda-me, Sant'Ana! Eu me tornarei um monge!" Tendo
sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu todos os seus livros, com
exceção dos de Virgílio, e entrou para a ordem dos Agostinianos, de Frankfurt,
a 17 de julho de 1505. Aos 25 anos, foi para a Universidade de Wittenberg, onde
se formou em estudos bíblicos. Uma viagem à Roma se torna decisiva em sua vida:
escandaliza-se com o comportamento do clero. Ao voltar, iniciou carreira de
professor e pregador. Segundo a tradição, em 31 de outubro de 1517 foram
afixadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Essas teses
condenavam o que Lutero acreditava ser a avareza e o paganismo na Igreja como
um abuso e pediam um debate teológico sobre o que as Indulgências significavam.
Para todos os efeitos, contudo, nelas Lutero não questionava diretamente a
autoridade do Papa para conceder as tais indulgências. Quatro anos depois foi
excomungado pelo papa Leão X e reafirmou suas convicções perante os governantes
alemães, na Dieta de Worms (reunião parlamentar), de onde
saiu condenado. Após um ano refugiado, sob proteção de amigos, retomou a vida
religiosa em Wittenberg. Em 1525, casou-se com a ex-freira Katherina von Bora.
Nas duas últimas décadas de vida, ganhou prestígio popular, enquanto o apoio
dos governantes variava com as circunstâncias. Morreu durante visita a sua
cidade natal.
** Vernáculo: nome dado à língua nativa de um país ou de uma
localidade. Até recentemente (anos 50 do século 20), estudos científicos,
filosóficos ou religiosos publicados na Europa eram em sua maioria escritos em
latim. Já os trabalhos escritos em uma língua local, como o italiano, o
espanhol ou o alemão eram denominados de escritos em vernáculo. Pode-se referir
a uma língua vernacular em contraste à língua litúrgica. Por exemplo, a igreja
católica romana manteve todas suas celebrações litúrgicas em latim até o
Concílio Vaticano 2º (1962-65).
Amigo Chassot, companheiro nas Letras e defensor da liberdade. Certamente, já estivemos irmanados, igrejeiramente falando, em momentos passados. Quem sabe, movidos pela Teologia da Libertação, nossas vidas se convergiram, ainda que à distância. Hoje, participando de mais uma blogada tua, reflito sobre o movimento histórico que abalou o poder da Igreja Católica Romana naquele 31/10/1517. Quem dera, outros movimentos históricos pudessem abalar os poderes constituídos para fazê-los retornar às origens do seu aparecimento, já que, distanciando-se das fontes, a organização burocrática e os aparelhos repressores tendem a distanciar as ações dos primeiros sentimentos e assim, criam verdadeiro fosso entre o falar e o agir. Eis o que legou à prática cristã a organização baseada no poder e ao espaço esperançoso da fé cristã que se transformou em espada, muito distante da cruz. Enfim, outras manifestações surgiram e agora, reflito: que elas não se percam em seus códigos e regras, distanciando a criatura do Criador nas centenas de pecados que se multiplicam e ferem o que temos de mais genuíno: o sentimento. Que não se caia em armadilhas do individualismo egoísta devotado à divindade pessoal sem vínculos com a coletividade que sofre. Enfim, meu amigo, fica a esperança de que a prática da crença seja pela melhor vida da coletividade, ainda que esta não reconheça o Divino, afinal, Ele não precisa de defesa, de igrejas e nem de quem Nele acredite, mas as criaturas, quem sabe, por vergonha e limitação se escondem naquilo que criam em nome do Criador. Entre igrejeiros, meu abraço de esperança!
ResponderExcluirLutero contribuiu fundamentalmente para a aceleração do processo de concretização da ideia da educação como formação de cidadania. Como não reconhecer que com a reforma a sociedade se livra da tirania religiosa? partir de então é possível possibilitar outras formas de exercer sua crença. Diria que foi a grande luz para se ascenderem outros faróis para que a humanidade pudesse ter liberdade. Graças à colaboração indiscutível de Gutemberg o monge Lutero faz o que deveria ser dogma dos cristão: igualdade de acesso. Fosse, ainda, católico seria São LUTERO. Quiçá os governantes tivessem a virtude luterana na área social para que a Todos fossem fossem permitidos DIGNIDADE. Jesus Cristo foi bem claro: Que Todos tenham VIDA em abundância. Não fez distinção alguma. Lutero compreendeu...
ResponderExcluirGrande e fraterno abraço,
Família Farias