ANO
10 |
EDIÇÃO
3152
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Sempre me parece muito
pretensioso dizer o que outros mereceriam ler. Hoje, uma vez mais, farei isso. Destaco aqui um texto de Ismael Canepelle. Aqueles que já me ouviram no
laboratório de escrita: A arte de escrever Ciência com arte, talvez evoquem um texto
acerca do jovem que reencontra uma amiga com a mão amputada na rodoviária de Porto
Alegre.
Na edição de Zero Hora
deste sábado/domingo Canepelle tem um texto que desejo partilhar com cada uma e cada
um dos leitores deste blogue. Acredito que vale sorvê-lo.
Eu
quero que ela morra, mamãe! Minha amiga é mãe de um garoto de cinco anos. Trabalha o dia
inteiro, mal tem tempo de ficar com o pequeno. Os dias do filho se diluem entre
o pai, a escola e a moça contratada para cuidar. Há dias em que minha amiga
conversa com o filho somente quando acorda. Quando retorna à casa, o garoto já
está a dormir.
Era depois das 10 horas da noite quando ela chegou, semana
passada. Como sempre, tratou de se desinfetar antes de entrar, sorrateira, no
quarto da criança. Sabonetes, álcoois, lenços umedecidos. Aquela era a melhor
hora do dia. Sabia que, no futuro, sentiria falta do menino. Já sentia, mesmo
sem saber.
Notou que o pequeno, pela primeira vez, parecia não estar
tranquilo em seu sono. O rosto carregava uma tensão que ela ainda não conhecia.
Um rosto novo era aquele filho que dormia. Não demorou muito e ele acordou,
assustado. Olhou para a mãe e não sorriu. Minha amiga perguntou se estava tudo
bem, ao que o menino respondeu negativamente. Com o rosto sério, disse apenas:
– Eu quero que a Dilma morra, mamãe.
Exposto o desejo, voltou a dormir.
Minha amiga passou um tempo olhando em volta, tentando encontrar
algum sentido na lógica desarrumada dos brinquedos. Mãe, buscava entender
quando foi que o desejo de morte se instaurou no corpo do filho. No divã, procurava
associar a morte da mãe à morte de Dilma.
– Talvez eu seja Dilma... – insinuou minha amiga.
– Somos todos Dilma – completou o analista.
Naquele dia, ela foi embora do consultório sabendo ainda menos
sobre os desejos de morte. Saiu sem entender se devia procurar algum culpado
pelo desejo incrustado no filho. No carro, tentava assimilar os arquétipos,
tanto da mãe quanto da morte. Pensou em Dilma e sentiu pena dela.
À noite, voltou mais cedo para casa. Sem avisar ninguém,
estacionou o carro na garagem. O carro do marido, estacionado na vaga ao lado,
lhe deu quase uma certa certeza tranquila de que tudo estava em seu lugar. No
elevador, passeou os dedos pelo Facebook, sentindo raiva de cada machismo
sofrido pela mulher cuja morte o filho havia desejado. Correu os olhos pela
lista da Odebrecht e ficou surpresa com os nomes de Manuela D’Avila e Maria do
Rosário. Procurou pelo nome de Dilma e não o encontrou.
Quando abriu a porta da casa, tudo estava lá. O marido deitado
no sofá, o pequeno tentando fazer os temas de casa e a televisão desejando o
pânico. Os grampos de Dilma, reproduzidos à exaustão, a tornavam mais mulher e
menos presidente, o que não era de todo mal. Ela beijou o marido, e ele
estranhou ela ter chegado em casa mais cedo. Também estranhou a blusa vermelha
e os cabelos suados. Ele perguntou onde ela havia estado, e ela respondeu:
– Eu fui na marcha lutar pela Democracia.
Depois, encarou William Bonner e sentenciou:
– Não vai ter golpe!.
O marido não conseguia entender aquele grelo duro que,
subitamente, havia se materializado dentro da própria casa.
– Você saiu para defender essa bandida? – gritou o homem,
saltando do sofá.
Ela nada respondeu. Pegou o filho, os cadernos e o estojo, e deixou
a sala em silêncio. Desde então, os dois nunca mais dormiram juntos.
O que retrata?
ResponderExcluirMera coincidência?
De onde vem tanto ódio?
O que está acontecendo com a humaneidade dos humanos?
Grande abraço, mestre!