Finalmente já é junho. Maio não queria terminar. Na virada maio/junho os fazeres eram tantos que parecia que eu ia desabar. Finalmente já vivemos um mês que tem um adjetivo exclusivo {junino} que veste garbosamente um substantivo {festa}. <festa junina>. E há os que não valorizam adjetivos! Dispam festa e a veremos encarangada!
Este preâmbulo é para justificar a trazida de uma edição passada. Podia dizer: na última quarta-feira, voltei à Amazonia, embalado pelas 200 páginas da tese doutoral “Por uma Pedagogia Surda: preposições de licenciandos surdos da Área de Ciências Naturais” da doutoranda Francisca Keila de Freitas Amoedo. A leitura da volumosa obra e a sessão de defesa da tese me levou uma vez mais à Parintins AM (local da defesa) e reencontrar os bois Garantido e Caprichoso prenhes de míticas narrativas.
Esta defesa faz aflorar muito os meus mais de 10 anos de amazônida, nos quais orientei o doutoramento da Célia, da Irlane, do Eduardo, da Patrícia e da Uiara. Peço as minhas leitoras e os meus leitores que relevem a não originalidade deste blogar. Trago a seguir a trazida de um relato emocionante que foi publicado em 18 de janeiro de 2013 (com breve atualização).
Parece que foi Jacques Maritain (*1882 †1973) — filósofo católico autor de mais de sessenta obras e um dos pilares da renovação do pensamento tomista no século 20 —, que me ensinou, quando ele fala de como conheceu sua futura esposa — Raissa Maritain (*1883 †1960) russa e judia de nascimento, escritora, poeta convertida à Igreja Católica —, que ‘Deus rege o mistério dos encontros’.
Já pensei muito nesta frase, desde a madrugada de ontem. Por coerência, a parafraseei, numa leitura politeísta e agnóstica: os anjos que cuidam de nossas agendas, de vez em vez, nos brindam com encontros sumarentos. Nas 3,5 horas de voo Manaus/Guarulhos (ainda, antes da decolagem e depois do desembarque em S. Paulo) frui de uma companhia sumarenta: ‘sou Thiago de Mello’ eu respondo ‘aquele de Os Estatutos do Homem’!
Depois disso conversamos quase a viagem inteira, com algumas cochiladas, parecendo que no estado de vigília a conversa fruía. Lamento que não tenhamos gravado nossos diálogos. Certamente daria um texto muito original.
Amadeu Thiago de Mello {Barreirinha (AM), *30 de março de 1926 / †Manaus (AM)14 de janeiro 2022} foi um dos poetas mais influentes e respeitados no paÍs, reconhecido como um ícone da literatura regional. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura (1964-1985), exilou-se no Chile onde fora embaixador, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo. Thiago morou em ‘La Chascona [descrevi a casa de Neruda aqui há um ano, quando a visitei] mais de cinco anos e foi ali que escreveu o celebrado ‘Os Estatutos do Homem’ onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana.
Uma das primeiras afirmações que me fez: A CIÊNCIA DEVE ESTAR A SERVIÇO DA ESPERANÇA e sob esta frase escreveu no meu diário: “Abraça, Attico, tu cientista, esta causa eajuda na construção de uma sociedade humana solidária. Na alegria de nosso encontro, Thiago de Mello, 16 de janeiro de 2013”
Depois preparou uma linda agenda para ser seu novo diário de bordo e apresenta-me a primeira página, para que eu faço o texto de abertura da mesma. Escrevo uma protofonia celebrando o voo MAO/GRU, que se fez mistério de encontros e, especialissimamente este onde nos encantávamos sabendo dos fazeres um do outro.
Ele falou-me que durante seu exílio, morou na Argentina, Chile, Portugal, França, Alemanha. Com o fim do regime militar, voltou à sua cidade natal, Barreirinha, onde vive até hoje numa ilha amazônica, onde não há automóvel, a 330 km de Manaus, na região de Parintins, só acessada por barco. Fiquei seduzido com o convite de visita-lo lá.
Nossas horas de conversa renderiam aqui muitas curiosidades. Vou trazer, hoje, apenas duas. Este encontro deve fruir outros blogares.
Thiago recebe lá na sua Barreirinha um convite da ONU, para integrar uma Comissão Internacional de Notáveis para pensarem ações em prol da UNICEF. Responde algo como: “Não sabia que eu era notável! Notáveis são as crianças da Amazônia que nascem desnutridas, se criam na miséria, resistem e se tornam gente.”
De outra feita, foi convidado para um milionário lançamento de um empreendimento onde, sem consulta-lo, o edifício chama-se ‘Thiago de Mello’. Ouve uma série de falas laudatórias a qualidade prédio e os profissionais — engenheiros, paisagistas, arquitetos... — que construíram a faustosa obra. Ao final é convidado a falar, disse algo como: “Vocês elogiaram a tantos e esqueceram aqueles que são os mais importantes nesta obra: os operários.” Mais adiante continuou: “Trago uma recomendação. Já que por suas riquezas, provavelmente não saberão disfrutar de uma afável convivência entre vizinhos, pelo menos se cumprimentem nos elevadores!”
Teria muito mais a contar. Prelibar o poeta declamando seus versos foi maravilhoso. Em um futuro falo de Os Estatutos do Homem. Não recordo, em minha história de mais de uma centena de voos, que os anjos houvessem me presenteado com uma viagem tão frutífera.
Excelente texto. Me vez lembrar da Amazônia
ResponderExcluirFANTÁSTICO! ME SENTI NESTE VOO MESTRE..
ResponderExcluirImagino tua alegria nessa partilha de casos! Bom teres partilhado com a gente.
ResponderExcluire eu que imaginei teu encontro com Van Helsing e o Conde Dracula...esse encontro com Thiago de Melo está além do fantástico!!!
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