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segunda-feira, 21 de abril de 2014

21. — UMA VEZ UMA PASCOELA DE VERDADE


ANO
 8
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 2750

O extenso e fruído feriadão vai para o ocaso. Temos hoje, não de direito, mas de fato uma pascoela. Quanto me lembre, está é a primeira vez que temos, como muitos países europeus, um feriado na segunda-feira de Páscoa, como também fazem na segunda-feira que segue a Pentecoste e no dia imediato ao Natal. Este ano o feriado de Tiradentes ganha outro status, pois é também uma pascoela.
Mas, sendo período de gostoso feriadão, nada melhor que este blogue por tal seja breve. Por merecido, faço aqui homenagem a Gabriel Garcia Marques (1927-2014), falecido na última quinta-feira. De suas muitas frases evocadas, escolhi uma.
Devo dizer que curti muito várias de suas obras. Publiquei, em novembro de 2004, no Leia Livro da Secretaria Estadual da Cultura de São Paulo um texto: Uma literatura asquerosa, acerca de uma novela publicada depois de uma vacuidade de dez anos.
Como esposo o preceito dos latinos — De mortui mihil nisi bene — não vou trazer aqui minhas críticas ao autor de Cien años de soledad. Então, com alarde (1.000.000 exemplares na primeira edição em espanhol) foi lançada uma curta novelita de 109 páginas (das quais oito sem texto) onde um velho à morte conta os seus amores com uma menininha de 14 anos. Memoria de mis putas tristes. Foi seu último livro. Pareceu-me, já então, um triste ocaso de um escritor.

domingo, 20 de abril de 2014

20. — UM ALIENÍGENA VISITA NOSSA TRIBO


ANO
 8
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 2749

Uma blogada ligeira para um domingo que ainda se diz especial, mesmo que o ressoar de festivos ‘aleluia’ esteja se perdendo em remotos ecoares. Na última quinta-feira escrevi que dos três momentos na EE EM Sepé Tiaraju, em Frederico Westphalen, o mais emocionante não foi nem a palestra para cerca de uma centena de alunos do ensino médio e nem à noite a fala para mais de cinquenta professores de duas escolas, mesmo que entre estes tenha encontrado a Eliane, a Emanuelle, a Henriqueta e o Clênio, meus ex-alunos do mestrado da URI. Hou algo muito diferenciado.
As emoções afloram fortes foram vividas em uma situação em que não tive fala programada. O Prof. Vanderlei Farias que cuidou de minha agenda na quarta-feira incluiu na programação algo que me pareceu exótico: almoço com crianças do programa mais Educação. Lateralmente devo dizer na pauta constava também uma visita às cozinheiras, onde soube elogiar a manjerona no feijão que disse lembrava aquele preparado por minha mãe. Havia um script do tipo ‘um alienígena visita nossa tribo’. O que é bem explicado nas emoções da cena que narro a seguir.  
Foram singulares as emoções. De repente parecia que eu era um boneco de mel, cercando por esvoaçantes abelhas que metaforizavam 50 ou mais crianças da primeira à quarta séries do ensino fundamental. Estas, por mais de meia hora disputavam autógrafos em cadernos, folhas de papel, guardanapos etc. A cada pedido desenhava um nome (e ouvia: bah! Nunca vi meu nome escrito tão bonito...) fazia uma dedicatória e datava.
Algumas não se contentavam com uma dedicatória. Pediam para um amigo que não veio ou para um professor. Mais de uma pedia também para mãe, avó ou madrinha. Perguntei para algumas crianças por que elas queriam para avó, por exemplo. Porque ela gosta de ler e o senhor é um escritor. Uma foi sagaz: um escritor tem que ter leitor. 
Por último, mas não sem emoção, refiro um ponto oficioso da programação: à noite, após a fala aos professores, fui acolhido na casa do Vanderlei, onde saboreei filés de tilápias preparados com esmero pela Lúcia, acompanhados de papos filosóficos e vinho de lagares próprios. Também autografei as agendas da Giovana e do Luvander, pois à tarde na escola, não haviam conseguido.

Estes relatos de manifestações de apreço são próprios  neste dia de Páscoa. Com eles votos de bom domingo aos que creem e aos que não creem no mistério da ressureição. 

sábado, 19 de abril de 2014

19. — ABANDONANDO A RELIGIOSIDADE E ...PRECONCEITOS

ANO
 8
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 2748

Vivemos uma semana muito especial. Mesmo que adjetivada de ‘santa’ nesta semana, neste sábado de aleluia, se cometia [com otimismo usei o tempo verbal no passado] as maiores discriminações e atos de violência. Refiro-me à ‘malhação de judas’. 
Se ontem dizia que neste século 21 cada vez mais parecem se esvair manifestações de religiosidade, parece que preconceitos contra os judeus estão desaparecendo no sábado santo, dia em que as imagem eram desvestidas de roxo e se quebrava os sinais de luto.
Nestes dias é usual interrogações acerca da definição da data da Páscoa e porque e como varia. Há poucas pessoas, quando se faz esta discussão, que fazem a associação de sempre a noite de Sexta-feira Santa ser de plenilúnio, ou seja, a lua é contemplada em sua intensidade máxima (= lua cheia).
A Páscoa ocorre sempre na primeira lua cheia do equinócio de primavera no Hemisfério Norte (ou de outono no Hemisfério Sul). Como o calendário lunar é independente do calendário solar vemos que essa variação é de trinta e quatro dias, ou seja, cinco semanas menos um dia. Como o equinócio (quando temos o dia com 12 horas de sol e 12 horas de noite) de outono (no Hemisfério Sul) é em 22 de março, há a possibilidade de variação entre 22 de março e 25 de abril.
Esta maneira de se definir a data da Páscoa aconteceu em 325, quando ocorreu Concílio de Niceia, tido na história como primeiro Concílio ecumênico. Até então o Cristianismo permanecia tão somente como uma seita do judaísmo tal como os Fariseus, os Saduceus ou os Essênios - os cristãos eram inicialmente conhecidos como Nazarenos -. É a partir deste Concílio que se pode falar em uma Igreja cristã.
Nicéia, atual cidade de Iznik, está localizada na província de Anatólia (nome que se costuma dar à antiga Ásia Menor), na Turquia asiática. Este primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, foi convocado pelo Imperador Flavius Valerius Constantinus (285-337). Constantino, estadista sagaz que era, inverteu a política vigente, passando da perseguição aos cristãos, à promoção do Cristianismo, vislumbrando a oportunidade de relançar, através da Igreja, a unidade religiosa do seu Império. Contudo, durante todo o seu regime, não abriu mão de sua condição de sumo-sacerdote do culto pagão ao "Sol Invictus". O Imperador Constantino tinha um conhecimento rudimentar da doutrina cristã e suas intervenções em matéria religiosa visavam, a princípio, fortalecer a hegemonia do seu governo. Assim, buscou com o Concílio a unificação de uma religião oficial para o Império e para tal trouxe propostas as mais diversas.
Uma das propostas de Constantino, aos mais de 300 prelados conciliares foi dissociar a data da celebração da Páscoa da data judaica. Há uma carta, marcada por um repugnante antissemitismo e provavelmente apócrifa, atribuída ao Imperador, da qual transcrevo um excerto, mesmo não crendo em sua autenticidade1. Não podemos, portanto, ter nada em comum com os judeus, porque o Salvador nos mostrou outro caminho; nosso trabalho segue um curso mais legítimo e mais conveniente (a ordem dos dias da semana): e, consequentemente, deste modo, numa adoção unânime, desejamos, caros irmãos, separar-nos da imprópria companhia dos judeus, porque nos é verdadeiramente vergonhoso os ouvirmos se vangloriarem de que, sem sua orientação, não podemos guardar essa Festa. Como podem eles estar corretos, se após a morte do Senhor, não se apoiam mais na razão, senão na violência, já que a ilusão é quem os impele? Como judeus e cristãos observavam o Shabat e participavam das mesmas festividades era preciso demarcar diferenças. Assim, outra decisão deste Concílio de Nicéia consistiu na transferência do dia santo e de descanso semanal guardado pelos primeiros seguidores de Cristo, de Sábado para a Prima Feria, que passou a denominar-se dies domini, daí Domingo.
[1] A íntegra da Carta de Constantino sobre a Celebração da Páscoa está no sítio http://www.veritatis.com.br/doutrina/documentos-da-igreja/6837 (Acessado em 17 de abril de 2014).

sexta-feira, 18 de abril de 2014

18. — SOBRE UMA SEXTA-FEIRA (EX)SANTA


ANO
 8
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EDIÇÃO
 2747

Vivemos, uma vez mais, uma Sexta-feira Santa, que envolve crentes e não crentes. É talvez o dia de maior religiosidade do calendário cristão. Não sem razão que existam os ‘cristãos de Sexta-feira Santa’. A imagem do crucificado, quanto mais parecer dolorosa, mais impregna ‘devoção’. Há também aqueles que durante o ano não são frequentadores de igreja, mas hoje se transvestem de penitentes.
A Sexta-feira Santa talvez seja a data da cristandade de mais densa em tradições. Recordo, em minha infância que nesse dia não ligávamos rádio (as emissoras de rádio, nesse dia só apresentavam música clássica, sem qualquer comercial ou noticioso – talvez por isso que no meu imaginário a música clássica foi por um tempo associada à música fúnebre), não se varria a casa, não se ordenhava as vacas, falava-se baixo e cantar ou assoviar jamais; o risco de pecar por assoviar nunca corri, pois até hoje não sei fazê-lo. A infração mais grave era pregar algo, pois então estaríamos repregando Jesus na cruz. Como filho de marceneiro pode-se imaginar quanto isto era cuidado.
Era o dia de colher marcela, antes que o sol secasse o sereno que ela recebera na noite da prisão de Jesus. A propósito desta tradição popular — ainda muito presente nos dias de hoje — escrevi um “Uma sexta-feira (ainda) santa”, conto que foi premiado no ‘Concurso os botos do rio Tramandaí’, nos anos 90, promovido pela Prefeitura de Tramandaí e pela UFRGS.
A manchete desta blogada: Uma sexta-feira (ex)santa se faz em contraponto ao titulo do conto antes citado. Agora, quando até os supermercados abrem na data, parece que a sacralidade da celebração se esvanece. Isto parece traduzir bastante o abandono do mundo religioso que vivêramos, há não muito.
Em 2002, quando vivi na Espanha durante o pós-doutorado, tive o privilégio de passar a Semana Santa na Andaluzia. Acompanhar as procissões — que podem ser lidas como verdadeiros desfiles de arte, organizadas pelas confrarias que as preparam o ano inteiro — é algo quase inenarrável. Fiz isto em Córdoba, Granada, Cádiz e Sevilha. Tenho um livro ‘Memórias de Viagens’ pré-pronto, no qual a Semana Santa andaluz de 2002 é um dos capítulos mais prenhe de emoções. Talvez, se pudesse bisar apenas uma de minhas dezenas de viagens, esta seria uma das preferida.
Neste dia desejo aqueles e aquelas que cultuam a data um dia de frutuosas meditações. A todos um muito curtido plenilúnio na noite de hoje. Como recordar faz bem à saúde, que este recesso seja tempo de remexer naquele baú rotulado semana santa.           

quinta-feira, 17 de abril de 2014

17. — JESUS DE NAZARÉ FALA DA “MINHA MULHER”


ANO
 8
Frederico Westphalen/ Porto Alegre
EDIÇÃO
 2745

Depois de dois dias em Frederico Westphalen volto durante a madrugada à Porto Alegre. Dos três momentos na EE EM Sepé Tiaraju, o mais emocionante não foi nem a palestra para cerca de uma centena de alunos do ensino médio e nem à noite a fala para professores de diferentes escolas. Foi em uma situação em que não falei onde por mais de meia hora fui envolvido por 50 ou mais crianças das séries iniciais do ensino fundamental que queriam autógrafos. Em outra edição devo contar acerca disso. Agora, embalo sonhos para um curtido feriadão.
A propósito de feriadão, quando já vivemos noites de lindos plenilúnios e estes — por serem os primeiros depois do equinócio de outono no Hemisfério Sul — nos remetem à semana santa. Hoje a liturgia cristã recorda a última ceia. Não há como não evocar uma das obras de Leonardo da Vinci (1452-1519) mais reproduzidas e também mais marcada pelo machismo, traduzida na presença de 13 homens e nenhuma mulher.
Notícia do jornal espanhol ‘El Pais’ do último dia 12 de abril relata que um fragmento de papiro do século IV, escrito em copta, a língua do antigo Egito, que já causou um grande reboliço ao ser descoberto, em 2012, de acaba de ser considerado autêntico pela prestigiosa Escola de Teologia da Universidade Harvard, pela Universidade Columbia e pelo MIT.
A notícia da suposta autenticidade desse documento, embora não de seu, conteúdo, atraiu uma enorme atenção dos acadêmicos depois de ele ser exposto em público numa conferência sobre língua copta que acontece em Roma, porque nele, e pela primeira vez, Jesus de Nazaré fala da “minha mulher”, o que significaria que era casado. Mas, nesse caso, quem era ela?
O papiro gnóstico deve seu nome (Evangelho da Esposa de Jesus, embora não revele sua identidade) e a pesquisadora estadunidense, Karen King, diz que está convencida de que se trata de Maria Madalena.
A pesquisadora afirma: “Para nós, que há anos analisamos os textos evangélicos da Igreja, sejam os canônicos ou os apócrifos, sobretudo os gnósticos, não é nenhuma novidade que Jesus foi casado e certamente teve filhos, pois seria algo muito anormal na sociedade judaica daquela época que não fosse assim”.
Nada mais precioso para um judeu do que a prole. A ponto de que, na Bíblia, Deus permite aos patriarcas, cujas esposas eram estéreis, que se deitassem com uma escrava que lhes desse um filho.
O papiro não nos diz quem era essa mulher de Jesus. Quem revela esse enigma com uma simples análise hermenêutica são os quatro Evangelhos canônicos, que nos contam que, durante a crucificação, Maria Madalena estava na primeira fila, enquanto todos os discípulos homens ficaram escondidos e com medo.
Madalena aparece também ungindo o cadáver do Jesus. E no domingo de Páscoa é ela a que vai de novo ao lugar da crucificação, e é para ela que aparece ressuscitado.
O Doutor da Igreja, são Tomás de Aquino, perguntava-se, incrédulo, por que Jesus, ao ressuscitar, apareceu a Madalena e não a Pedro e aos seus apóstolos. Isso porque, além do mais, a mulher judia não era fiável nem podia atuar como testemunha em um processo judicial. Por isso, Pedro “não acredita” quando ela vai lhe dizer que Jesus havia ressuscitado, e ele mesmo se dirige ao sepulcro para comprovar isso, encontrando-o vazio.
Os quatro evangelistas colocam Maria Madalena aos pés da cruz. Os três sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) a citam junto com “outras mulheres”, mas o Evangelho de João, que foi o último e mais recente, 90 anos depois da morte de Jesus, e que conhecia bem os outros três, cita apenas Madalena. Mais ainda, oferece detalhes que unicamente ela poderia ter lhe contado em vida, como sua saída no domingo para o Gólgota “na alvorada”, quando “ainda estava muito escuro”, e que diante do sepulcro vazio “se pôs a chorar”.
Quando o escritor José Saramago, Nobel de Literatura, ele comentou com Pilar, sua esposa: “Se apareceu para ela, antes que a Pedro e até mesmo à sua mesma mãe, claro que era sua mulher”, e acrescentou: “Pilar, se quando eu morrer pudesse ressuscitar, a quem iria aparecer primeiro se não a ti?”.
O papiro copta encontrado em que Jesus fala da “minha mulher”, se for realmente autêntico, como parece, não faria mais do que corroborar o que os teólogos biblistas defendem há mais de 50 anos: que Jesus foi casado com a gnóstica Maria Madalena, a quem aparece antes mesmo que aos apóstolos, que precisaram se resignar a saber por ela da importante noticia da ressurreição.