TRADUÇAO / TRANSLATE / TRADUCCIÓN

domingo, 21 de abril de 2013

21.- UMA DOMINGUEIRA PAMPEANA


ANO
7
www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
2454
Quando desenvolvo laboratórios de escrita, estes têm como mote: ‘aprende-se a escrever, escrevendo’ mas para o qual há um pressuposto: ‘ler é preciso’. Lastreado nestas duas teses a proposta tem como atividade fulcral: ler e escrever. E o ler implica — também — em ler (boa) ficção. Na prática desta recomendação, para fazer esta domingueira, trago um conto publicado no Segundo Caderno da Zero Hora de ontem na secção Pampeanas.
O homem que apostava*
Que era homem educado, lá isso ele era.
Também, cria dos Tavares, só podia sair de tratos maneirosos. Acontece, porém, que aos verdes campos preferiu as verdes mesas de carteados.
Outro vício não tinha, afora apostar até a mãe, se apostador houvesse.
– Aposto que o Dr. Naziazeno vai discursar no enterro. Aposto que o Dr. Fico ganha essa eleição.
Tudo era aposta.
Pois numa noite já crescida em horas, estava o Tavares num joguinho sofrido, nos altos do Comercial, quando o Dr. Marcírio testaviou na mesa. Caiu duro e fulminado e que Deus o tenha em sua glória.
– Quem de nós leva a notícia lastimosa para Dona Cristina Magalhães, esposa do parceiro ora falecido?
Outra não foi a sábia escolha. O Tavares.
Lá se foi ele circunspecto pela madrugada fria.
A mãozinha de ferro da porta começou delicada para retumbante, até que se abriu a porta com a senhora mal desperta, arrumando o cabelo sob o lenço de seda.
– Boa noite ou bom-dia, senhora. Desculpe o adiantado da hora. Sou o Belico Tavares e, por certo, a senhora deve ser a viúva do Dr. Marcírio Magalhães, não?
Aflita, a senhora contestou pela metade a madrugadeira pergunta:
– Sou Cristina Magalhães, viúva não...
Imediatamente o Tavares reagiu:
– Quer apostar?
·      Luís Coronel, escritor e publicitário.

sábado, 20 de abril de 2013

20.- UM TEXTO PARA FAZER HISTÓRIA



ANO
7
Porto Alegre
EDIÇÃO
2453
Depois de um ex/intenso dia em Frederico Westphalen já retorno a Porto Alegre, onde devo chegar quase às 06h. Longas horas para construir castelos.
Há textos que tem um propósito e — pelo seu significado intrínseco — podem ter outra dimensão. Neste sábado, ofereço a meus diletos leitores uma carta escrita por um professor conhecido aqui não apenas por seus usuais comentários neste blogue. A ilustração, por semelhanças históricas, é de Giordano Bruno (1548-1600) e a adito pelo pseudônimo escolhido pelo autor. Transcrevo a carta, suprimindo o nome da escola. Preservo, a pedido, o nome do autor. Não vou aditar nenhum comentário.
Talvez ouse: se houver sabedoria nos pedagogos da escola, se desencadearia uma revolução anti-conteúdista.
Porto Alegre, 17 de abril de 2012
Exmo. Srs. Professores membros da equipe diretiva do Colégio X Y Z,
Quando fui convidado a lecionar nesta egrégia instituição, em meados de 2012, senti-me honrado e contente pela confiança em meu trabalho e em minha biografia profissional. Alegrei-me ainda mais quando encontrei um colégio dotado de uma completa e confortável infraestrutura, onde poderia desenvolver trabalhos de Ciências fora dos limites da sala de aula e otimizar o aprendizado. Visto que estava imerso em um ambiente educacional apropriado. Ao começar o ano letivo vi-me acolhido com ternura e respeito por meus colegas e, para minha imensa satisfação, fui aceito imediatamente pelos alunos. Em momento algum fui tratado com negligência por quaisquer membros desta comunidade, tenho consciência de que a recíproca foi verdadeira.
Apesar de todos estes aspectos positivos, um pequeno e íntimo desconforto foi gerado nos primeiros dias ao ser informado da assunção da escola ser abertamente “conteudista”. Desconforto este que só fez aumentar...
Comecei a perceber, pouco a pouco, que não sintonizava com a pedagogia vigente na escola. Como pesquisador da Educação carrego um mosaico de princípios educacionais do qual não abro mão. Entendo o educar como um processo de descoberta, redescoberta, ação, emoção em um ambiente de liberdade. Sempre contemplando as múltiplas inteligências de cada indivíduo. Distanciando-se bastante de armazenamento de conteúdos, da memorização de conceitos, da transmissão de informações, da cobrança e, muito menos, de penalidades e punições.
Discordo do sistema de avaliação por notas, considero a competição e a meritocracia “coisas de adulto”, de aspectos éticos questionáveis, das quais alunos de 6º ano devem ser poupados. Não entendo o ensino básico como um preparo para concursos, portanto, fazer uma prova com questões de ENEM ou vestibular para crianças de onze ou doze anos parece-me uma ação inócua e com traços de treinamento behaviorista.
Não tenho a pretensão de mudar os princípios pedagógicos desta ou de qualquer escola, mas exijo autonomia total como docente. Após o fechar a porta o professor deve ser soberano, mestre dos conteúdos e mestre de sua arte de educar, não necessita prestar contas de cada passo que dá ou dará. Durante meus quatro anos de docência nunca precisei assinar atas de compromisso em reuniões ou ser monitorado em minhas ações docentes. Para trabalhar em meu ótimo preciso de liberdade.
Por estas profundas incompatibilidades entre mim e a escola, após longa reflexão e minucioso exame de consciência resigno-me, em caráter irrevogável, do cargo de professor do Colégio X Y Z na presente data.
Reitero o mesto sentimento que me encharca por deixar meus alunos os quais me cativaram e alegraram com sua aceitação e carinho demonstrados sempre. A estes jovens promissores meus agradecimentos comovidos e minhas sinceras desculpas por minha resignação precoce.
Prof. Hipatius Giordanus,
Biólogo

sexta-feira, 19 de abril de 2013

19.- MILHO CRIOULO versus MILHO HÍBRIDO



ANO
7
Porto Alegre /
 Frederico Westphalen
EDIÇÃO
2452
Mais uma vez uma edição começa a circular quando já cumpri a primeira das seis horas de viagem de minhas jornada bimensais à Frederico Westphalen. Dois são os catalisadores que determinam a eleição do tema de hoje:
Um, a blogada da última terça-feira, quando se denunciou aqui a biopirataria da Monsanto e outras transnacionais que se apropriam do patrimônio da humanidade, para fazerem suas várias espécies de cultivares tradicionais.
Outro, meu dia de hoje na URI, onde além de encontros individuais com minhas quatro orientandas, há sessões da oficina da escrita no Programa de Pós Graduação em Educação.
Estes catalisadores trazem evocações fortes e por tal emociono-me contar de maneira muito panorâmica como Antônio Valmor de Campos mostrou o quanto agricultores que cultivam milho crioulo são pesquisadores e por esta razão detêm propriedade intelectual sobre as sementes às quais agregam valores.
Antônio é graduado em Biologia e em Direito. Em 14 de agosto de 2006 se fez mestre em Educação. Obteve seu título no mestrado Interinstitucional que a URI Campus Frederico Westphalen realizou com a UNISINOS. Hoje ele é professor na UFFS no campus de Chapecó.
A dissertação “O reconhecimento de agricultores do município de Anchieta-SC, que cultivam sementes de milho crioulo, como pesquisadores e detentores de direito da propriedade intelectual sobre a melhoria dessas sementes” narra o trabalho de agricultores de Anchieta, SC e de municípios lindeiros, na seleção e na produção de sementes de milho crioulo. Estes resistem aos oligopólios das sementeiras que seduzem os agricultores para que adiram ao plantio de milho híbrido, cujas ‘sementes não são sementespois na safra seguintes são estéreis, obrigando-os a comprar, a cada plantação, novas sementes.
Antônio acompanhou durante quase um ano o processo de seleção de mais de uma dezena de variedade de semente de milho e o cruzamento destas para a produção de novas variedades que apresentam características nutricionais e de resistência a pragas com vantagens se comparadas, inclusive, com as alardeadas sementes híbridas. Uma característica fundamental destas sementes caipiras ou crioulas: por não serem patenteadas por transnacionais, elas continuam sendo patrimônio da humanidade, como foram/são a milênios. Lamentavelmente aqui não se pode colocar o tempo verbal serão. Em uma analogia com os softwares livres na área de informática, na dissertação foi defendida a busca de alternativas para que esses agricultores tenham seu trabalho de pesquisa protegido pela outorga de propriedade intelectual sobre o mesmo, para a preservação contra a biopirataria.
O trabalho foi reconhecido pela banca que o avaliou como de profundo significado político e ético, destacando o consistente balizamento teórico-metodológico, recomendando a publicação do mesmo. No trabalho trazido à defesa foi destacado como homens e mulheres que resistem ao ato predador das apátridas empresas de sementes, não estão apenas defendendo a biodiversidade de espécies, mas estão lutando pela não ruptura cultural. Esta consequência danosa determinada pelo oligopólio sementeiro tem custo ambiental difícil de mensurar. Também, no caso das sementes, e vale também para as matrizes animais como as galinhas ou suínos, estamos cometendo um epistemicídio, pois se está terminando com toda uma cultura a respeito da preservação da biodiversidade. Não é sem razão que Anchieta, SC, hoje é reconhecida como capital nacional do milho crioulo.
Quando, enquanto orientador da dissertação, visitei com o Antônio os agricultores do Oeste Catarinense, apenas me convenci o quanto aqueles homens e mulheres que resistem a sedução do milho híbrido que encantou a nossos avós assim como as sereias seduziram a Ulisses e seus navegadores, como aprendemos na Odisseia. Elas e eles são realmente geneticistas que repetem com milho aquelas experiências que monge agostiniano Gregor Mendel fazia com ervilhas nos jardins do monastério onde vivia há 1,5 século. Não sei quantos dos leitores deste texto conseguem imaginar o que significa resistir a promessa de lucros fáceis quando se passa a usar sementes produzidas por empresas biopiratas? É uma situação desigual. No meu livro Educação ConsCiência ao tratar desse assunto evoco o bíblico duelo Davi lutando contra Golias. Ainda um adendo ao relato daquela que é muito provavelmente entre as produções de mestres e doutores que orientei a mais significativa.
A dissertação se fez livro. O Antonio soube tornar um texto acadêmico, às vezes árido, em livro muito palatável: “Milho crioulo: sementes de vida. Pesquisa, melhoramento e propriedade intelectual” [Frederico Westphalen: Editora da URI, 2007]. Tive o privilégio de escrever a apresentação. Conclui assim o prefácio do livro. “Esse é um livro que vale a pena, pelo menos, pelo desafio que trás: oferecer opções para ações possíveis. Ouçamos o Antônio nos dizer. Ousa fazer diferente. Não deixa que apenas os poderosos digam qual o caminho. Então, uma muito boa leitura.” Se algum dos leitores quiser enveredar por uma leitura que vale a pena, encomende o livro diretamente ao autor: prof.antoniocampos@gmail.com

quinta-feira, 18 de abril de 2013

18.- TALVEZ, TOMANDO UM NOME EM VÃO



ANO
7

EDIÇÃO
2451
Se colocarmos no buscador do Google ‘Três peneiras’ ele automática oferece a alternativa ‘... de Platão’ com 17.200 resultados em 0,30 segundo e para ‘...Sócrates’ 21.400 em 0.34 segundo. Se a busca for ‘As três peneiras de Sócrates blog’ aparecem em 0,20 segundo 52.900 resultados.
Nesta última busca sei que existe um ‘Guia dos blogues católicos’. Nele, e em centenas de outros, aparece um muito difundido texto:
Conta-se que a ideia das três peneiras foi atribuída a Sócrates, filósofo ateniense, que se pautava a sua vida sob três pilares ou peneiras: VERDADE, BONDADE e NECESSIDADE.
Sempre que algo lhe ocorrer e sentir desejo de compartilhar com os demais, lembre-se das Três Peneiras:
1)- A primeira peneira é a da VERDADE:
Pergunte-se se você tem certeza de que esse fato é absolutamente verdadeiro. Se lhe sobrar no espírito alguma dúvida ou receio, então, não pode ser tido como verdadeiro.
2)- A segunda peneira é a da BONDADE:
“Pergunte-se se o que você vai contar, mesmo que seja verdade, se gostaria que os outros também dissessem a seu respeito”. Se por qualquer motivo lhe causar horror ou transtorno, então não pode ser tido como algo bondoso.
3)- A terceira peneira é a da NECESSIDADE:
Pergunte-se se você acha mesmo realmente necessário contar esse fato ou mesmo passá-lo adiante? Respondendo: Por que? A pessoa te deu esta liberdade? Isto irá beneficiá-la? Irá fazer-lhe algum bem?
Se o que você irá contar realmente passou pela terceira peneira, então, poderá passar adiante.
Se as pessoas usassem desses critérios, seriam mais felizes e usariam seus esforços e talentos em outras atividades, antes de obedecer ao impulso de simplesmente passá-los adiante, pois: “Pessoas inteligentes falam sobre ideia; pessoas comuns falam sobre coisas; pessoas mesquinhas falam sobre pessoas”.
O abundar — graças ao utilíssimo CtrlC & CtrlV —  cada vez maior da apocrifia [característica ou condição do que é apócrifo (= que não é do autor a que se atribui)] que se traduz num copismo (quase) incontrolável faz nos supor que nem Sócrates (que não deixou nem um texto escrito) nem seu discípulo Platão sejam autores da ‘edificante’ historieta moral, que tece a edição desta quinta-feira.
Não tomo em vão os nomes dos dois atenienses que há cerca de 2.500 A.P. (= anos antes do Presente) dividiram a filosofia em dois tempos (pré-socrática e pós-socrática) fazendo-os autores aqui, mas vale levantar a hipótese que muitas vezes recebemos (e até disseminamos) textos apócrifos. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

17.- BEBÊS, UM DOCUMENTÁRIO EMOCIONANTE


ANO
7

EDIÇÃO
2450
Nesta terça-feira, meus alunos de Teorias do Desenvolvimento Humano do turno da tarde (Música) e da noite (Educação Física e Pedagogia) assistiram comigo o filme: Bebês [França, 2011, colorido, legendado, 71 min]. Recomendo com entusiasmo.
O documentário partiu de uma ideia do ator Alain Chabat (“O Gosto dos Outros”). Em quatro países — Namíbia, Mongólia, Japão e Estados Unidos —, as câmeras do diretor Thomas Balmès flagraram bebês, do nascimento aos primeiros passos, durante um ano. Não há como ficar indiferente a gestos de amor, travessuras, tombos e contatos ‘perigosos’ com animais.
Sem diálogos formais, mas de envolventes linguagens gestuais, o registro começa na Namíbia mostrando a chegada de Ponijao, que vive com a mãe numa paupérrima tribo. A bebê Ponijao tem sua família no interior da Namíbia e engatinha livremente pelo chão de terra na desértica e famélica da nação do sul da África, com as maiores taxas de mortalidade infantil e com esperança de vida de apenas 39 anos.
Bayar nasce nas estepes da Mongólia — um país sem costa na Ásia central, com esparsa população nômade em sua maioria. O menino mongol, que nasce em um hospital, convive com muita naturalidade com rebanhos de vacas e cabras. Aparecem também tradições budistas na família.
Há ainda as garotinhas de cidade grande Mari (Tóquio, Japão) e Hattie (São Francisco, Estados Unidos). Mari, que habita uma mega-metrópole, tem contato constante com a tecnologia, experimenta diversos jogos educativos e frequenta creches onde se busca estimular os bebes. Situação de Hattie, que reside em São Francisco, não muito diferente em a um mundo com ofertas consumistas e sofisticação tecnológica, já assinalada no parto, especialmente se compararmos com o nascimento do garotinho namíbio.
Fica clara a intenção do documentarista: não importa em qual lugar no mundo, o bebê, além de queridinho da família, consegue arrancar suspiros dos pais (e por tabela do espectador) com sua curiosidade diante da vida
A observação dos quatro bebês em seu primeiro ano revela não apenas cenários e personagens multiculturais dos muito dispares ambientes que os acolhem para a vida, como tudo o que os une. No primeiro estágio da jornada humana, lutam para conquistar o domínio do mundo ao redor e do próprio corpo.