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sexta-feira, 24 de junho de 2011

24.- Dia de são João com bíblia no criado mudo

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1786

Dia de são João, numa sexta-feira que para alguns sabe a feriadão. A previsão é que seja mais um dia chuviscoso e úmido como ontem, no melhor modelo do inverno gaúcho.

Dos mais badalados santos juninos – Santo Antonio, São João e São Pedro –, o de hoje é o mais festejado, com fogueiras, balões e festanças. Lembro, quando em 2004 estive em Jequié e vivi, pela primeira (e única) vez, a tradição de festas juninas do Nordeste, surpreendeu-me ver pirâmides de lenha armadas para serem transformadas em fogueiras, vendidas nas ruas como aqui se oferece pinheirinhos na época de natal.

Como anunciado ontem, trago a continuação do texto de José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo iniciado ontem. Este artigo foi publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Aliás, A Semana Revista], Domingo, 3 de abril de 2011, p. J8. Hoje apresento a parte final.

As versões vernaculares da Bíblia tiveram a histórica função de abri-la à compreensão de multidões em muitos lugares do mundo. A versão em português até hoje de grande popularidade, sobretudo entre protestantes, é a de João Ferreira de Almeida, do século 17. Português, sobrinho de padre, emigrou para a Holanda e lá se tornou membro da Igreja Reformada Holandesa e tradutor da Bíblia. Foi dela que se valeram os primeiros missionários protestantes que vieram para o Brasil, ingleses e americanos, cuja missão praticamente se resumia em distribuir gratuitamente exemplares da Bíblia. Apoiavam-se no pressuposto de que a Bíblia falava por si mesma, o que é bem protestante.

Um dos impactos significativos e emancipadores da distribuição da Bíblia no Brasil, na versão de Almeida, foi o da sua aceitação pelas mulheres. Prisioneiras de uma tradição de confinamento e dependência, própria da família patriarcal, as convertidas, tornaram-se cidadãs de suas igrejas antes de o serem da República. Antes mesmo que a República acordasse para a igualdade jurídica e cidadã das mulheres, o que só aconteceria provisoriamente em 1932 e se confirmaria em 1934, quando uma primeira mulher foi eleita deputada federal, a médica paulista Carlota Pereira de Queirós.

Ao professarem a fé, as mulheres adquiriam o direito de voto na escolha de oficiais e ministros de suas igrejas, ainda que se defrontassem com restrições para o exercício do ministério religioso. Nem por isso, pastores (e também padres) deixaram de invocar no rito matrimonial, e o fazem até hoje, aquele versículo 24, do capítulo 5, da Epístola de Paulo aos Efésios: “De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos.” O seu uso deplorável em cerimônias de casamento nos dias atuais acaba sendo um descabido insulto à mulher e o é também ao homem. Na própria modernidade que se anuncia nas motivações das versões vernaculares da Bíblia seria mais apropriado evitar esse versículo e reconhecer que mulheres e homens são sujeitos à sua consciência e não a outra pessoa.

Tanto a Bíblia do Rei James quanto a de João Ferreira de Almeida está parcialmente contida na edição bilíngue do Novo Testamento encontrada nas gavetas dos criados-mudos dos hotéis do Brasil e de Portugal. São distribuídas pelos Gedeões Internacionais, que desse modo disseminam o livro, que acaba lido como obra literária pelo valor das traduções. Sua organização nasceu nos EUA, em 1899, por iniciativa de três evangélicos que eram negociantes itinerantes. Eles aproveitavam suas viagens para deixar Bíblias nas gavetas dos hotéis em que se hospedavam. A distribuição gratuita da Bíblia do Rei James conjugada com as traduções locais encontrou na rede comercial de vendedores pracistas um eficiente suporte e um emblemático indicador da relação entre religião e expansão da economia.

Aqui no Brasil, o interesse literário e linguístico pelas traduções da Bíblia se manifestou em várias ocasiões, estimulando uma postura ecumênica em face do texto religioso, mas em nome de cuidados predominantemente estéticos e científicos. No período mais recente, a tradução da Bíblia de Jerusalém contou com a participação de católicos e protestantes, pesquisadores e professores de várias universidades, vários da USP.

Uma muito boa sexta-feira a cada uma e cada um, em especial aos que fazem feriadão. Minha agenda é extensa na parte da manhã: Tenho primeiro uma sessão de Academia, orientado pela Márcia, depois recebo a Anna Carolina e a Sabrina, minhas orientandas para definirmos algumas ações da parte empírica das pesquisas que realizam. Às 10 horas viajo para Estrela: vou fazer uma revisão dentária, fruindo do privilégio de uma filha e um genro cirurgiões-dentistas: a Ana Lúcia e o Eduardo. Após almoço com eles e com meus netos Guilherme e Felipe. Devo retornar a Porto Alegre no começo da tarde, para ao anoitecer curtir o primeiro shabath do inverno de 2011.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

23.- A Bíblia do Rei James de 1611

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1785

Uma vez mais vive-se um dualismo: feriado ou dia santo ou dia laboral? Hoje é um dia santo católico: Corpus Christi (expressão latina que significa Corpo de Cristo) é uma festa que celebra a presença real e substancial de Cristo na Eucaristia. Logo não é uma celebração cristã, pois as demais denominações, oriundas de reformas não seguem este dogma central do catolicismo: a transubstanciação do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo. Por exemplo, para os luteranos, o pão e o vinho recordam o corpo e o sangue de Jesus; em outros credos evocam a última ceia. Mas esta não minha ‘paróquia’ assim abstenho-me no estender comentários. Tenho leitores teólogos. Vi que entre os seguidores há inclusive um bispo.

Em muitos munícipios brasileiros, graças o poder hegemônico do catolicismo, este é dos feriados municipais que cada município pode eleger. Porto Alegre é um deles. De minha infância são memoráveis nesta data as procissões com os tapetes de serragem e pétalas coloridas nas ruas. Esta tradição ainda é mantida em muitos lugares. Mas, hoje, aqui não vou abrir o baú de memórias.

Trago um texto muito apropriado à data que penso despertará interesse em muitos de meus leitores. Independente de religiosidade se quer contemplar aqui uma obra prima literária, quando se evoca o quarto centenário da versão da Bíblia conhecida como a do Rei James. O autor desta recensão histórica é José de Souza Martins, Professor Emérito da Universidade de São Paulo e autor de vários livros e artigos. Entre os quais A sociabilidade do homem simples (Contexto). O artigo oferecido aqui foi publicado em O Estado de S. Paulo [Caderno Aliás, A Semana Revista], Domingo, 3 de abril de 2011, p. J8. Hoje apresento a primeira parte. Já anuncio para amanhã, como continuação, algo acerca das versões vernaculares da Bíblia que tiveram a histórica função de abri-la à compreensão de multidões em muitos lugares do mundo.

Numerosos eventos, no correr deste ano, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa, celebram o quarto centenário da versão da Bíblia comissionada pelo Rei James. Em junho, na Igreja de Santa Maria Maior, a igreja da Universidade de Cambridge, um seminário aberto ao público reúne especialistas em história e em literatura para analisar essa versão da Bíblia que é reconhecida como o mais nobre texto da prosa inglesa. Eventos como esse estão ocorrendo em Oxford desde janeiro e em outros lugares do Reino Unido. Desde o início do ano, a BBC vem transmitindo eruditos programas sobre essa efeméride literária e histórica, além de religiosa.

Página de rosto da edição de 1611 da Bíblia do Rei James: O rei James I, filho de Maria I, católica, sendo rei da Escócia, assumiu o trono inglês com o falecimento de Elizabeth I, anglicana. Era um erudito, amigo de autores como Shakespeare. Em 1604, durante três dias, reuniu no Palácio de Hampton Court, em Londres, um grupo de especialistas para projetar e realizar uma tradução da Bíblia para a língua inglesa, um trabalho que se estenderia até 1611. Uma comissão de 54 tradutores e revisores foi formada, constituída de sábios e especialistas de Oxford, Cambridge e Westminster, gente das duas grandes universidades e da Igreja da Inglaterra. Numa sociedade convulsionada por guerras religiosas, que eram guerras sociais e políticas, adversários religiosos queimados vivos em diferentes lugares do país, aquela tradução da Bíblia acabou se impondo como um fato político sobre a guerra das ideias. Ela expressava a lucidez de um monarca culto e teórico da monarquia. James I, era também James VI da Escócia, e na Escócia conhecera as tensões políticas decorrentes das divergências dos puritanos, presbiterianos e não-conformistas. John Knox, fundador do presbiterianismo escocês, convivera com Calvino em Genebra e levara para a Escócia, no fundo, uma igreja republicana. O livre acesso à Bíblia em língua vernácula era parte desse republicanismo de base.

A primorosa Bíblia do Rei James legitimava a Igreja da Inglaterra e o rei como seu cabeça. Uma boa indicação nesse sentido foi o dilema quanto a certas palavras, quanto a que tradução dar ao ajuntamento dos fiéis: “igreja” ou “congregação”. “Igreja” traduzia melhor a dimensão de poder e autoridade que se pretendia dar à instituição, algo mais próximo do catolicismo do que do protestantismo. “Congregação” refletia melhor o puritanismo protestante e seu republicanismo ao por a ênfase não na instituição, mas no ajuntamento republicano do povo e, portanto, no membro da igreja. A Bíblia do Rei James consagra a dimensão revolucionária que há no livro sagrado em vernáculo. Mas é ao mesmo tempo a Bíblia da ordem, não só religiosa. Sem propriamente legitimar enrijecimentos sociais tão característicos das sociedades estamentais, como era a inglesa e foi a nossa, expressa essa característica tão própria da sociedade inglesa e da sociedade moderna que é a de mudar para permanecer.

A celebração literária e histórica da Bíblia do Rei James tem sua razão de ser não só nesses motivos históricos. Ela se tornou um texto referencial da língua inglesa e da lógica discursiva das sociedades anglo-saxônicas, algo como Os Lusíadas, de Camões, para a língua portuguesa. Ou La Divina Commedia, de Dante, para a língua italiana. Ou Don Quijote de La Mancha, de Cervantes, para a língua espanhola. Textos referenciais da língua, da fala, e também dos respectivos imaginários e modos de pensar.

O sugestivo título de um programa sobre o tema, transmitido pela BBC, em fevereiro, “Quando Deus falava inglês: a feitura da Bíblia do rei James”, é bem indicativo do fato de que essa versão da Bíblia tornou-se o mais poderoso instrumento da expansão da visão anglo-saxônica do mundo e da vida e o cimento do padrão de civilidade que acompanhou a disseminação internacional dos negócios ingleses, primeiro, e americanos, mais tarde. Essa versão da Bíblia, além do conteúdo religioso, continha também as bases referenciais das categorias da modernidade. É de pouco, a bela retórica bíblica de Barak Obama em sua campanha eleitoral. O Rei James foi um de seus principais eleitores. Sem a Bíblia do Rei James, Obama não teria dado o que é de certo modo a cor profética de sua ascensão ao poder.

Um bom dia santo para os de fé católica; um bom feriado, para os que vivem em áreas feriais e para os demais um bom dia laboral. E hoje é noite de pular a fogueira. Não me cabe recomendar cautela, pois parece que nesta noite as brasas não queimam. Certamente as orações para amarrar o sol já estão funcionando e as noites começam a diminuir. Renovo o convite para amanhã nos abeberarmos de algo acerca das versões vernaculares da Bíblia.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

22.- Otto Richard Gottlieb 1920-2011

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1784

A primeira blogada do inverno 2011 se constrói três evocações de ontem. É uma edição que se tece muito em um blogue ser, também, diário.

Primeiro vale destacar a criticidade coerente de quatro de seis comentaristas que ao aditar comentários no texto de Dráuzio Varella – Jair (Florianópolis), Matilde (Guayaquil), Cris Flor (Juiz de Fora) e Vitor (Xyz) – que de maneira independente (pois por problemas de postagem as duas leitoras me enviaram seus comentários e eu os postei) mesmo aceitando a tese do médico global surpreendem-se com a sua ortodoxia. Matilde, acertadamente questiona: ¿esos pensamientos mágicos que cuestiona el médico autor no son acaso también parte de saberes populares o primevos como usted llama? Já o Jair afirma convicto: existe muito mais coisas sob o sol que a ciência médica pode imaginar. De todas essas medicinas alternativas, já utilizei a acupuntura e deu resultados impressionantes. A Cris Flor contesta dizendo: Há que se pensar alternativas à abordagem cartesiana do corpo humano, não acha? Por fim, a analogia entre o carro e o corpo humano é grosseira e só legitima o pensamento mecanicista desse corpo. [Recomendo a íntegra do comentário da Cris Flor]. O Vitor recorda: Num passado não tão distante não existia farmácias e nem por isso as pessoas morriam por causa de pequenas enfermidades, usavam da medicina alternativa passada por gerações.

Vibrei ao ver o quanto meus leitores foram menos ingênuos que eu. Também por isso é bom ser bloguista.

A segunda referência ao dia de ontem: ocorreu na Morada dos Afagos, pela manhã e em parte da tarde uma frutuosa atividade de clausura do Seminário de História e Filosofia da Ciência. Recebi o Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin, que partilhou comigo neste semestre a condução do Seminário e os alunos do Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão Denise Piltcher e Alexandre Greco. A seleção imagética registra alguns momentos.

No

chimarrear, acompanhamos a viagem de Darwin no Beagle e analisamos a difícil e a ainda inconclusa transição do criacionismo para o evolucionismo. Depois olhamos um pouco a revolução freudiana com as implicações do inconsciente em nossa maneira de estarmos no mundo.

Em momento saboreamos um almoço com pratos da cozinha indiana. Fizemos também uma avaliação de nossas aulas neste semestre, marcadas por sumarentos encontros de discussões.

A terceira evocação é um registro pesaroso: Às 12h de ontem, no Cemitério Comunal Israelita do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro, foi sepultado Otto Richard Gottlieb. O professor, químico e pesquisador faleceu na madrugada de 20 de junho, no Rio de Janeiro, aos 90 anos e deixou esposa, três filhos, 11 netos e um bisneto.

Nascido em Brno (atual República Tcheca) em 31 de agosto de 1920, Gottlieb chegou ao Brasil em 1939 e, no ano seguinte, ingressou no Colégio Universitário. Durante esse período, estagiou no Laboratório de Imunologia do Instituto Butantã e foi redator da revista Química, publicada pela Escola Nacional de Química.

Em 1945, o cientista se formou em primeiro lugar no curso de Química Industrial pela Universidade do Brasil, que originou a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde fez doutorado e obteve o título de livre-docente.

Após se formar, Gottlieb trabalhou por dez anos na indústria química do pai, que fabricava óleos essenciais da flora brasileira, utilizados como matéria-prima de perfumaria. Dez anos depois, aos 35, decidiu participar de um dos mais importantes grupos de pesquisa sobre produtos naturais da época, o Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, iniciando uma investigação sobre o isolamento de substâncias químicas de plantas e a determinação de sua estrutura.

Em 1961, retornou ao Brasil para assumir o cargo de tecnologista do Instituto de Química Agrícola (IQA), onde foi responsável por importantes descobertas como o pau-rosa. Em 1964, seguiu para a Inglaterra, para lecionar como professor visitante na Universidade de Sheffield, e para os Estados Unidos, para realizar um estágio de um mês na Universidade de Indiana. No mesmo ano, retornou ao Brasil para a chefiar a implantação do Laboratório de Fitoquímica da Universidade de Brasília (UnB).

Em 1967, fundou, com financiamento da FAPESP, o Laboratório de Química de Produtos Naturais no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), onde se aposentou em 1990.

Em seguida, retornou ao Rio de Janeiro para trabalhar como pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde atuou até sua aposentadoria no antigo Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica.

Com mais de 700 trabalhos e alguns livros publicados, Gottlieb é considerado o pioneiro na introdução do estudo das moléculas que fazem parte do metabolismo das plantas (fitoquímica) no Brasil, concomitantemente com a química orgânica moderna.

Entre as espécies estudadas por Gottlieb estão as lauráceas, a que pertencem o sassafrás e o louro, e as miristicáceas, representada pela noz-moscada. Seus estudos sobre a canela também resultaram em aplicações medicinais, fitoterápicas e culinárias da espécie, além de propriedades aromáticas utilizadas na indústria cosmética. Descobriu ainda substâncias de grande importância para a medicina, como as neolignanas, que têm efeitos comprovados contra a doença de Chagas e propriedades antiinflamatórias.

Integrando a química à biologia, à ecologia e à geografia, Gottlieb desenvolveu uma nova área de estudo no campo da química de produtos naturais: a sistemática bioquímica das plantas, também chamada de quimiossistemática ou taxonomia química, que consiste na identificação de grupos de substâncias químicas presentes nas plantas.

Considerado o maior nome em química de produtos naturais da América Latina, Gottlieb foi indicado em 1999 ao Prêmio Nobel por seus estudos sobre a estrutura química das plantas, que permitem analisar o estado de preservação de vários ecossistemas. A indicação foi feita oficialmente pelo polonês naturalizado norte-americano Roald Hoffmann, que recebeu o Nobel de Química em 1981.

“Ele foi uma pessoa fascinante e está incluído entre os grandes cientistas do Brasil. Saiu divulgando a química de produtos naturais por todo o país em uma época em que, praticamente, se desconhecia técnicas como a ressonância magnética e a espectrometria de massas. Do laboratório dele no Instituto de Química da USP saíram as maiores lideranças que temos hoje no Brasil em química de produtos naturais”, afirmou disse Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que foi sua orientanda de mestrado e doutorado.

A homenagem deste blogue ao professor Otto Richard Gottlieb se faz na trazida de um texto seu:
“Hoje, a questão básica já não é mais se podemos produzir alimentos, fármacos, energia, produtos em quantidade suficiente, mas quais as consequências ambientais disso. Na velocidade vertiginosa da destruição da biosfera, da atmosfera e até da estratosfera, cujas composições químicas afetam os organismos em geral e a humanidade em particular, dentro de algumas dezenas de anos custará uma inconcebível fortuna à pesquisa básica visando a uma extensão do período remanescente do homem no planeta. O drama não consiste tanto na capacidade do homem de alterar o ambiente, mas no desejo de alterá-lo antes de entender com precisão os fatores que governam a estrutura e o funcionamento desse meio. Por isso assistimos hoje à criação de grupos de estudos ecológicos, formados no Brasil principalmente por botânicos e zoólogos preocupados com a observação da interação de organismos em seus ambientes naturais. Tal observação só leva à compreensão do fenômeno se sua causa é baseada em comportamento ou forma. Mas a causa é mais frequentemente baseada em química, e o biólogo que carece de conhecimento nessa área não irá longe em ecologia. Portanto, engrenar biologia e química é uma medida de defesa das gerações futuras.”

Que este 22 de junho seja agradável apara cada uma e cada um na gostosa evocação de tantos eventos juninos e na curtição do feriado que se avizinha. Lemo-nos então.

terça-feira, 21 de junho de 2011

21.- ¿E as aulas de Ciências?


Ano 5

Porto Alegre

Edição 1783

Por primeiro um muito “Feliz inverno” a leitores do Hemisfério Sul e ‘Feliz verão àquela dezena de leitores do Hemisfério Norte. Aos de regiões equatoriais os votos são de ventos frescos para minimizar o quase constante calor.

Hoje, às 14h16min ocorrem os quase invisíveis rituais de troca de estação. Esta é marcada pelo solstício (do latim sol + sistere, que não se mexe) de inverno no Hemisfério Sul. Este é o momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador. E aqui uma correção ao que escrevi ontem e o faço agradecendo o alerta do Alorino, meu aluno na Universidade do Adulto Maior. No solstício de inverno de inverno: quando teremos a única noite em que as horas de sol e de noite se igualam. Isto que está riscado, ocorre quando dos equinócio de primavera e de outono e na linha do equador onde a duração dos dias é fixa ao longo das estações do ano com 12 horas de luz e 12 horas de noite.

O que ocorrerá esta noite é realmente a noite maior do ano. A partir de amanhã as noites começam uma vez mais a diminuir, para se igualar em 23 de setembro [equinócio de primavera: vem do latim, aequus (igual) e nox (noite), e significa "noites iguais”] e continuam a diminuir até 22 de dezembro (datas de 2011) quando teremos a menor noite, solstício de verão, para então as noites começarem uma vez mais a aumentar, se igualando de novo em 20 de março de 2012 (equinócio de outono), continuando aumentar até o próximo solstício de inverno dentro de um ano.

Esta tarde -- das 15 às 16h -- no III SIEMAT – Seminário Internacional de Educação Matemática, evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNIBAN, em São Paulo, a palestra Educação Matemática e política do conhecimento na contemporaneidade será proferida pela Profa Dra. Gelsa Knijnik (UNISINOS, RS). Conhecendo a qualidade do trabalho já antevejo mais um sucesso. Isto não exclui de estar aqui na maior torcida. A palestra terá transmissão on line: http://www.uniban.br/siemat/programacao.html

O texto que ofereço hoje aos meus leitores tem um endereço especial: alunas e alunos da turma de saberes químicos escolares da Professora Dra. Cristhiane Flôr da Universidade Federal de Juiz de Fora, que nas terças-feiras iniciam as aulas com a leitura deste blogue. Na tarde da próxima terça-feira, dia 28, estarei via Skipe com a turma em mais uma edição dos “Diálogos de Aprendentes”.

O texto e do médico Dráuzio Varela e foi publicado na Folha de S. Paulo na quarta capa da Ilustrada da Folha de S. Paulo. Com votos de uma frutuosa leitura adito desejos de uma muito boa terça-feira.

A ignorância e o corpo Em matéria de corpo humano, a ignorância brasileira é crassa. Nosso currículo escolar devia dedicar mais tempo e atenção à anatomia e à fisiologia, para que as crianças se formassem com conhecimentos mínimos sobre o funcionamento do organismo.
Não admitimos que nossos filhos estudem em colégio que não lhes ensine informática. Fazemos questão que se familiarizem com os computadores, sem os quais serão atropelados pela concorrência do futuro, mas aceitamos que ignorem a organização básica da estrutura da qual dependerão para respirar até o dia da morte.
Houvesse mais interesse em despertar no aluno a curiosidade de decifrar como funciona essa máquina maravilhosa, que a evolução fez chegar até nós depois de 3,5 bilhões de anos de competição e seleção natural, desde pequenos trataríamos o corpo com mais respeito e sabedoria e não daríamos ouvidos a teorias estapafúrdias, a superstições, ao obscurantismo e à pseudociência que faz a alegria dos charlatães.
Entendo que uma pessoa simples e sem instrução diga que fica gripada quando apanha friagem, que engorda por causa da tireoide ou que se queixe: "Sou agitada porque tenho sistema nervoso". O que não consigo compreender é como gente que cursou as melhores faculdades e tem acesso irrestrito à informação de qualidade consegue conformar-se com tanta ignorância em relação ao corpo que a acompanhará pela vida inteira. Gente que diz "eu não faço febre", que ao falar do baço aponta para o lado direito do abdômen, e que convive durante meses com sintomas de doenças graves, sem notar que existe algo errado.
Semanas atrás encontrei uma amiga, professora universitária, chocada com o médico que lhe havia receitado um analgésico para aliviar a dor de cabeça que a atacava no período pré-menstrual. "Também, o que se poderia esperar de um cidadão que confessou não saber em que século aconteceu a Revolução Francesa", acrescentou com desdém.
Por outro lado, estava encantada pelo naturalista que, em vez de contentar-se em tirar-lhe a dor, como faria qualquer alopata obtuso, propunha tratar a causa da cefaleia com pílulas que corrigiriam o equilíbrio energético do órgão em quem os brasileiros jogam a culpa de todos os achaques: o coitado do fígado.
Como os anos me ensinaram a não questionar pensamentos mágicos nem crenças religiosas, juro que ouvi o relato com uma expressão facial tão impassível quanto se me houvessem contado que naquele momento garoava em São Petersburgo. A prudência foi de pouca valia, no entanto; tive que escutar um discurso interminável sobre a superioridade da assim chamada medicina natural e do valor nutritivo dos alimentos orgânicos.
Depois de tudo, o epílogo: "Pena que você não acredita nessas coisas".
Acreditar? A medicina é um ramo da biologia, ciência que se propõe a estudar os seres vivos e as leis que os regem, não é domínio da crença; não é religião.
Invejo os homens que consertam o carro que dirigem. Quebrou na estrada, eles pegam as ferramentas, abrem o capô e reparam o defeito. Para resolver uma emergência dessas é necessário conhecer mecânica, entender como as peças foram engendradas e saber repará-las. Nessa hora, quem acreditaria em medidas alternativas para ativar a energia vital do motor com gotinhas pingadas no tanque de gasolina de duas em duas horas? Alguém faria o carro andar apenas com a força do pensamento positivo?
O organismo humano é a estrutura mais complexa que conhecemos – alguns o consideram mais complexo do que o próprio Universo. Estudar os mecanismos responsáveis pela circulação e oxigenação do sangue, pela digestão dos nutrientes, ter uma ideia de como ocorrem as principais reações metabólicas e aprender que nosso corpo é uma máquina que se aperfeiçoa com o movimento é a melhor forma de evitar que ele nos deixe no meio da estrada.
Num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia, o ensino de ciências deve começar na pré-escola. Aprendendo desde cedo, as crianças incorporarão o pensamento científico à rotina de suas vidas e descobrirão belezas e mistérios inacessíveis aos que desconhecem os princípios segundo os quais a natureza se organizou.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

20.- Lésbicas de Cristo

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1782

A segunda-feira abre uma semana muito especial. Esta tem os quase invisíveis rituais de troca de estação. Esta é marcada pelo solstício (do latim sol + sistere, que não se mexe) de inverno no Hemisfério Sul. Este é o momento em que o Sol, durante seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador. Este ano o solstício de inverno de inverno, ocorrerá amanhã, às 17h16min, quando teremos a única noite em que as horas de sol e de noite se igualam. Na linha do equador a duração dos dias é fixa ao longo das estações do ano com 12 horas de luz e 12 horas de noite.

Também teremos nesta semana um feriado, ou mais corretamente um dia santo, que originará para muitos um feriadão, que incluirá o dia de São João, na sexta-feira. É uma semana marcada (bem como a próxima) por apresentação de trabalhos de pesquisas de meus alunos de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa.

Nas muitas leituras de fim de semana, chamou-me a atenção a matéria “Lésbicas de Cristo” assinada por Laura Capriglione e publicada no Caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo do dia 16 de junho: mais uma igreja evangélica fundada por mulheres homossexuais no centro de São Paulo quer acolher "escorraçados pela intolerância". Vale conhecer a notícia, pelos lances de originalidade, em meio a abundancia com que pululam novas igrejas. Acerca do assunto não me arvoro em trazer comentários.

Lanna Holder, a ex-lésbica, ex-drogada e ex-alcoólotra pregadora evangélica, era a prova cabal do poder curador de Deus na vida dos que nele creem. Pois foi só se converter ao evangelho, e Lanna, então com 20 anos, deixou para trás um pelotão de namoradas suspirantes e as noitadas movidas a cocaína e hectolitros de álcool, consumidos diariamente.

"Centenas de ministérios disputavam "a tapas" a presença da carismática Lanna em seus púlpitos. Em pouco tempo, ela se transformou em uma espécie de "avatar da sorte" para quem quisesse manter sua congregação lotada", escreve um pastor, a respeito da hoje desafeta.

Lanna subia ao altar e contava com voz de contralto como o milagre ocorrera em sua vida "dissoluta". A apoteose era quando apresentava o maridão emocionado e o filho. O templo vinha abaixo.

Dezesseis anos depois da conversão, a campeã da fé, agora com 36 anos, acaba de abrir uma nova igreja evangélica em São Paulo, a Comunidade Cidade de Refúgio, no centro de São Paulo. Surpresa: em vez dos testemunhos de como se curou da "praga gay", Lanna Holder rendeu-se à homossexualidade. Ela tem até uma companheira na empreitada, a pastora e cantora gospel Rosania Rocha, 38 anos.

Em foto da Folha: Pastora Rosania Rocha (à esq.) e a missionária Lanna Holder As duas estão juntas há cinco anos, desde que largaram os maridos e oficializaram seus divórcios. No tempo em que era o troféu da fé, Lanna lidou com o que hoje chama de "culpa extrema". "Eu pregava o que desejava que acontecesse comigo", diz.

Para evitar reincidir, mortificou a carne com jejuns e subidas e descidas de montes, em uma espécie de cooper – para cansar mesmo. Participou de "campanhas de libertação" todas as quartas-feiras, incluindo rituais de quebra de maldição e cura interior. Por fim, submeteu-se a sessões de "regressão ao útero materno", nos moldes preconizados no início do século 20 pelo terapeuta Otto Rank (1884-1939). "Não deu certo", ela diz.

Chamada para pregar em Boston, nos EUA, bastou encontrar os olhos claros da mineira Rosania para todo o "trabalho" naufragar. Rosania também se apaixonou. Elas pediram ajuda aos pastores, oraram muito para evitar. Ficaram quase um ano sem se ver. Mas não deu.

Depois de um acidente de carro que lhe deslocou da bacia o fêmur direito, esmagou-lhe o pulmão, causou trauma cardíaco, fratura em quatro costelas e dilaceração do fígado – hoje, uma grossa cicatriz de 0,6 metro de comprimento cruza todo o tronco de Lanna –, as duas resolveram, enfim, viver juntas.

Sobre os pastores que as acusam de criarem um lugar de culto a Satanás, uma filial de Sodoma e Gomorra, as duas líderes religiosas dizem apenas: "A nossa igreja é de Cristo, não é de lésbicas ou gays. Mas queremos deixar claro que somos um refúgio, acolhemos todos os machucados e feridos, todos os que foram escorraçados pela intolerância". No primeiro dia, a nova igreja juntou 300 pessoas.

Com votos de muito boa segunda-feira, curtida como despedida de outono, adito o convite de nos lermos amanhã. Até então.