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segunda-feira, 28 de março de 2011

28.- A Edmar Galiza, os louros!

Porto Alegre * Ano 5 # 1698

Cheguei à Morada dos Afagos quando já era segunda-feira. A viagem teve dois momentos: à tarde tivemos como na ida a fidalguia do casal Iraci – ela uma vez mais hábil motorista – e José Luiz no percurso dos 300 km de Bonito a Campo Grande. Tivemos ainda cortesia dos mesmos nos recebendo em sua casa e depois nos levando ao aeroporto. O segundo momento foi a vigem Campo Grande/ Curitiba/Porto Alegre.

Este dia depois do Bonito Mato Grosso do Sul tem três turnos no Centro Universitário Metodista do IPA. Pela manhã tenho aula de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa, para a turma de Música; à tarde, o meu encantamento da semana: aula na Universidade do Adulto Maior; à noite a minha sexta e última aula inaugural na abertura do ano letivo, que se faz festivo pelo 50tenário, para o Colegiado Ampliado das Engenharias, Tecnologia e Artes do Centro Universitário Metodista do IPA, no auditório do Campus do DC Shopping, onde tentarei responder: O que é Ciência afinal?

Teria muito a contar acerca de ontem, quando pela manhã, a Gelsa e eu, dentro da associação de nossas atividades na quinta e sexta-feira na UFMS estendemos um fim de semana turístico em Bonito. Fizemos um lindo passeio no Balneário Municipal. A ‘nossa praia’ como dizem os bonitenses, para quais o mar está a cerca de 1.000 km.

Foram novos momentos inenarráveis como flutuar em meio a cardumes de piraputangas, algumas com cerca de 40 cm. Este é um peixe que vive em cardumes e se alimenta principalmente de matéria vegetal (frutos, flores e sementes) e, mais raramente, de pequenos animais (crustáceos, peixes e insetos). A Piraputanga é muito apreciada na culinária, pois sua carne é saborosa e, quando cozida possui uma coloração avermelhada.

Na adição que realizei ao meu currículo de emoções significativas devo acrescentar outra: pela primeira fotografei e filmei com uma câmara subaquática, numa operação de mergulho. O Lissandro, um gaúcho de Vacaria, há muitos anos profissional da área do comércio e do turismo em Bonito, foi um excelente professor no ensino de técnicas de mergulho. Trago hoje apenas uma amostra de fotos da manhã de ontem. Em outro momento, provavelmente, editarei aqui a minha mais original produção: um vídeo subaquático que produzi.

Agora, evoco a seguir o poeta maior da língua portuguesa: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta // Que outro valor mais alto se alevanta?” A um assunto maior pautado para hoje, traduzido na manchete desta segunda-feira chuvosa.

Para mim é significativo um registro: hoje, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos o Edmar Galiza defende sua dissertação de mestrado: A ESCOLA EM CENA: JOGOS DRAMÁTICOS NAS AULAS DE TEATRO. Ele é orientando da Prof. Dra. Gelsa Knijnik e fazem parte da banca as Professoras Doutoras Maura C. Lopes (Unisinos) e Claudia G. Duarte (UFSC).

Mesmo tendo acompanhado à distancia do denso trabalho do Edmar, encantou-me o trabalho que envolveu esta produção, da qual trago o resumo:

A dissertação tem por objetivo analisar os jogos de linguagem praticados por alunos das séries finais do Ensino Fundamental, ao criarem jogos dramáticos nas aulas de teatro. A pesquisa serviu-se de ferramentas teóricas provenientes do pensamento de Ludwig Wittgenstein, mormente de sua obra Investigações Filosóficas, tais como jogos de linguagem, semelhanças de família e formas de vida; também das teorizações de Michel Foucault, como discurso e jogos de verdade; igualmente, serviu-se das formulações de Jean-Pierre Ryngaert sobre jogos dramáticos. Do ponto de vista teórico, a dissertação mostrou ser possível articular consistentemente as noções de jogos de linguagem, jogos de verdade e jogos dramáticos, vinculadas a esses três pensadores. O material de pesquisa analisado consiste em quatro jogos dramáticos que foram videografados e posteriormente editados assim como anotações a partir de observações feitas em diário de campo. O exercício analítico realizado mostrou que o teatro produzido na escola está submetido à racionalidade da maquinaria escolar, isto é, o teatro que é praticado na escola é, efetivamente, o teatro da escola. De modo específico, o estudo mostrou como, em um dos jogos dramáticos criados pelos alunos, os personagens gays foram submetidos a humilhações, o que deu visibilidade a suas atitudes homofóbicas.

A trazida de excertos dos agradecimentos que o mestrando faz na abertura de sua dissertação, se faz como homenagem de meu encantamento de um trabalho significativo.

Agradeço muito, a muitos!

A materialização desta dissertação só foi possível porque percorreu diversos caminhos, entrou em labirintos e se desviou por vários “becos”. A potência do caminhar estava no encontro com as pessoas, no contato com as pessoas. O encontro na academia se torna interessante a partir das alianças produtivas que fazemos na “companhia daqueles que seguem “o mesmo caminho”. Agradeço a todas aquelas pessoas que me ajudaram e ajudam a potencializar o pensamento e a própria vida. A estas, meu MUITO OBRIGADO!

Passo agora a nomear em especial aquelas e aqueles que no andar fizeram a “alma e a carne” vibrarem na “passagem”, no percurso.

À minha orientadora, professora Gelsa Knijnik, pela escuta, pelas preciosas sugestões, pela generosidade intelectual, pelo rigor da escrita e pelos “enquadramentos”. GK é como um “alquimista” porque ela pega uma “fumaça” de ideia e arranca dali uma potência de pensamento. Só que ela faz isto à força, inquietando o espírito e os próprios pensamentos, mas sem esquecer-se do conforto e da paz do silêncio. GK é vibrante, uma mulher cheia de vida que vem me presenteando com marcas que vão ecoar por muito, muito, muito tempo.

[...]

À minha mãe, Odete Galiza, mulher negra que, embora escreva mal e mal saiba ler, acreditou que a educação pudesse ser mais do que um ato de “ensino-aprendizagem”. Ela sempre acreditou que a educação pudesse ser um grito de liberdade.

Por isso dedico esta pesquisa a toda a minha família porque, mais do que uma conquista pessoal, esta dissertação é uma conquista coletiva, familiar. A minha passagem pelo mestrado foi um movimento para “denegrir”, para tornar um pouco mais negra a paisagem da pós-graduação deste país, um lugar em que, infelizmente, poucos negros e negras têm a possibilidade de estar, uma barreira difícil de ser passar. Porém, cá estamos.

Grato à vida!

Nesta menção, associo-me aos que desejam ao Edmar, os louros! Esta manhã, estarei muito na torcida.

Nesta vibração, meus votos de uma muito boa segunda-feira a cada uma e cada um. Um convite para nos lermos amanhã, aqui.

domingo, 27 de março de 2011

27.- Bonito é formidavelmente... Bonito

Porto Alegre * Ano 5 # 1697

Esta blogada dominical faz o relato de nossa estreia em ecoturismo de emoções. Tanto a Gelsa como eu temos o perfil de turistas urbanos. Quem nos acompanhou, no começo de fevereiro, em nosso tour de sete dias em Nova York, pode perceber um pouco de nossas preferências turísticas.

Cedo estávamos ouvindo Dona Célia, a quituteira da Pousada Arizona, que logo passou para a coleção da Gelsa como um dos ‘meus tipos inesquecíveis’. Depois curtirmos os bem cuidados recantos da Arizona, que aparecem em fotos.

Mas há que experimentar as emoções fortes do ecoturismo, especialmente quando se está


em uma das regiões mais privilegiadas em belezas naturais. Depois do dia de ontem entendemos um pouco melhor aqueles que têm nestes fazeres a sua opção turística.

Pela manhã vivemos as emoções de percorrer em um bote inflável sete dos 135 km do rio Formoso – um dos 13 rios que fazem da região da Serra do Bodoquena algo impar em termos de belezas maturais. Trajando coletes e recebendo precisas instruções de como proceder no momento de descidas das quatro cachoeiras que tínhamos que cruzar no percurso, fizemos um passeio inenarrável. O percurso, que durou quase duas horas, incluiu banho no rio, em companhia de peixes junto a cachoeiras. Uma das fotos não é de nosso bote, pois como não dispunha de câmara aquática, não pude fazer fotos da travessia, mas a mesma é de uma das cachoeiras que descemos,

O passeio concluiu na Ilha do Padre, quando o Rio Formoso se abre em

vários canais, formando uma muito pitoresca ilha, com pequenas cachoeiras e piscinas naturais, que está a 12 km da cidade. Aqui alguns locais da ilha, que tem complementos ao final da edição.

Uma curiosidade que passa despercebida pela imensa quantidade de turistas que circulam na Ilha do Padre é uma pequena capela. Nela há extensas referências a um personagem muito polêmico: Padre Roosewelt Sá Medeiros, ex-pároco e ex-prefeito de Bonito, excomungado pela Igreja Católica Apostólica Romana em 2003, depois de ter sido acusado de envolvimento com o tráfico de drogas e ter ficado preso por 15 dias. Pertenceu também à Igreja Católica Brasileira. Roosewelt Sá entrou com processo contra o Estado de Mato Grosso do Sul por danos morais e materiais. Ele foi absolvido no Tribunal de Justiça. Mesmo excomungado, continua celebrando suas missas na varanda de uma casa na Vila Donária e tem o projeto de construir a primeira catedral da Católica Brasileira em Mato Grosso do Sul. Filiado ao PP (Partido Progressista), o sacerdote, que foi prefeito de 1977 a 1983, diz que não tem como se desvincular da política. “Modéstia a parte, mas Bonito começou a ser projetado para o mundo a partir da nossa administração”, conta o sacerdote, que está com 66 anos de idade.

Como almoço aditamos algo exótico em nosso ‘currículo’. Comemos carne de jacaré. No restaurante havia três opções inéditas para nós: Capivara, queixada e jacaré. Depois de vermos manadas de capivaras na noite de quinta-feira no campus da UFMS e nos lembrarmos dos filhotes seguindo a mãe, descartamos. Lemos no próprio restaurante sobre a carne de jacaré: apresenta baixo teor calórico, alto valor proteico e baixa taxa de gordura, além de ser livre de gordura trans, sem colesterol e sem carboidratos. A primeira vista, essa regalia pode parecer sem graça e sem gosto, mas é uma carne bem saborosa. Os mais entendidos do assunto dizem que a carne de jacaré criado em cativeiro difere da carne do selvagem, sendo esta mais forte.

À noite nos deslumbramos com o céu estrelado, ficando a curti-lo no hotel. Para esta manhã já temos agendado um passeio no balneário municipal, estando previsto observação de araras e mergulhos para coabitar com cardumes de peixes.

À tarde retornamos a Campo Grande com os colegas José Luiz e Iraci para, no começo da noite, retornar a Porto Alegre, com uma escala em Curitiba. Na curtição de nossos privilegiados momentos, desejo a cada uma e cada um que o último domingo de março seja o melhor.


sábado, 26 de março de 2011

26.- Bonito é Bonito

Bonito * Ano 5 # 1696

Um sábado diferente, esta edição, que é postada pela primeira vez, desde Bonito, no Mato Grosso do Sul, foge à concepção das blogadas sabáticas. Como contei ontem, nas muitas vezes que vim a Campo Grande entre junho de 1996 a setembro de 2010, uma atração turística do Centro-Oeste ficava postergada: Bonito.

Mesmo que em dezembro de 1992, já tivéssemos estado, desde Cuiabá, no Pantanal mato-grossense – outro paraíso ecológico da região – só agora realizamos um plano há muito preterido.

Amanhã de sexta-feira começou com uma atividade no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul: uma ‘roda de conversa’ com mestrandos e professores. Por um tempo dialoguei com mestrandas da Linha de Pesquisa em Educação Ambiental acerca de questões de pesquisas das dissertações das mesmas, mais especialmente com aspectos teóricos de alfabetização científica. Foi uma manhã gostosa.

Almoçamos com um grupo de colegas da UFMS em um muito bonito e atrativo restaurante de comidas típicas do pantanal, onde uma das atrações era uma apreciada sopa paraguaia – chipa - que mesmo com nome de sopa é um bolo de milho salgado muito consumido no Mato Grosso do Sul. Além do milho ralado, ingredientes como o leite, óleo, queijo em abundância e cebola tornam este um prato delicioso, assado em forno comum ou de barro. No restaurante havia um fogão a lenha para preparo desta e outras iguarias. É preciso recordar que a região onde estamos é bastante próxima à fronteira com o país guarani.

Às 13h30min deixamos Campo Grande rumo ao oeste, mais na direção do Paraguai. Viajamos em companhia do casal Iraci e José Luiz Freitas. Ele, referi ontem aqui o orientador da tese de doutorado que a Gelsa veio examinar; ela, professora que entre outras qualidades, ontem se mostrou uma muito hábil e segura motorista, que nos conduziu com segurança por quase 300 km, pela paisagem do cerrado onde se alternavam cultivares de soja, milho e também de gado, especialmente da raça nelore. Ao final chegamos a serra Bodoquena, formada por montanhas de pequena elevação, que contrasta com quilômetros de extensas planuras.

Antes das 17h estávamos em bonito. Instalamo-nos em um aprazível chalé da pousada Arizona, que é administrada pela Fernanda, filha do casal Iraci e José Luiz que tão carinhosamente nos acolhe nestes dias.

Primeiro fizemos reserva de passeios que realizaremos hoje. A região é realmente um paraíso ecológico internacional. Essa fama se traduz também nos preços salgados das dezenas de atrações. Dentro de mais um pouco vamos fruir algumas que contarei amanhã.

Fomos depois a cidade que mesmo vivendo um período da chamada ‘baixa temporada’ tem suas lojas abertas até as 23h. Passemos pela cidade onde uma das atrações são chafarizes com imenso grupo escultórico com peixes. Para jantar elegemos a Casa do João, atendendo a recomendações de muitas pessoas. Nossas expectativas não foram fraudadas. Comemos uma muito saborosa traíra vestida. Mas mais que o excelente prato, valeu muito poder ouvir com o senhor João, o proprietário, narrares de uma história de vida marcada por muita garra e muito amor.

De volta à Pousada, pudemos nos encantar na contemplação de um céu estrelado, sem interferência das luzes urbanas. Agora, com votos de um bom sábado vivemos a expectativa de um sábado (em) Bonito.

sexta-feira, 25 de março de 2011

25.- Da capital de Mato Grosso do Sul

Campo Grande * Ano 5 # 1695

Mais uma vez este blogue é postado de Campo Grande.Por primeiro, uma manifesta gratidão aos deuses que cuidam de meus voos. Não precisei ir a São Paulo, onde esperaria três horas em Guarulhos. Graças à sensibilidade de uma funcionária da ex-Varig (agora Gol), viajei no mesmo voo da Gelsa, via Curitiba. Ao invés de chegar às 14h20min, antes das 10 horas (aqui é uma hora menos em relação ao horário cada uma e cada um Brasília) já estava na capital de Mato Grosso do Sul. Chegar com mais de quatro horas de antecedência e sem precisar trocar de voo é algo formidável.

Fomos acolhidos no aeroporto pelo Prof. Jose Luiz Freitas, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS e orientador da tese de doutorado que Gelsa estava na banca. Ele também foi nosso anfitrião no almoço.

À tarde a Gelsa cumpriu agenda em dois pontos (defesa de tese e palestra); eu compareci ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC) dos departamentos de Biologia, de Física e de Química da UFMS coordenado pela profa. Maria Celina Recena, que foi minha aluna e monitora em (1976/78) no Instituto de Química da UFRGS. Falei durante duas horas acerca “A ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza” para um muito atento público de cerca de 80 pessoas formado por mestrandos, licenciandos e professores.

As fotos registram cenas da fala, com o palestrante e a coordenadora do programa e também autografando A Ciência é masculina? para o Leonardo.


À noite a Gelsa e eu tivemos a querida companhia da Celina e do Dario para saborearmos uma moqueca de peixe, farofa com banana e pirão. Uma gostosa conversação marcou um encontro.

Esta manhã sou convidado do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências para uma ‘roda de conversa’ com mestrandos e professores. Tenho muita expectativa para esse encontro.

Das várias que estive em Campo Grande – a primeira em 1996, quando fiz a fala abertura do VIII Encontro Nacional de Ensino de Química à última, há meio ano em uma banca e do IV Seminário Internacional: Fronteiras Étnico-Culturais e Fronteiras da Exclusão na Universidade Católica Dom Bosco – uma programação apresentada como imperdível sempre foi postergada: uma viagem a Bonito.

Esta tarde vamos a Bonito, que dista cerca de 270 km de Campo Grande com o José Luiz. Bonito é polo do ecoturismo em nível mundial, suas principais atrações são as paisagens naturais, os mergulhos em rios de águas transparentes, cachoeiras, grutas, cavernas e dolina [(do esloveno, pequeno vale) é uma depressão no solo, formada pela dissolução química de rochas calcárias abaixo da superfície].

Juntamente com Jardim, Guia Lopes da Laguna e Bodoquena, Bonito é o principal município que integra o complexo turístico do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, apresentando grande potencial turístico.

Assim este blogue amanhã e domingo provavelmente ganhará, uma vez mais, foro de um diário de um viajor.

Com votos de uma sexta-feira muito auspiciosa que seja promessa de um bom fim de semana, a expectativa de nos lermos amanhã de Bonito.

quinta-feira, 24 de março de 2011

24.- No coração da matéria – grande final

Porto Alegre * Ano 5 # 1694

Esta postagem ocorre quase partindo para o aeroporto. Esta tarde profiro a aula inaugural (a quinta de seis nesta abertura de ano letivo) “A ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza” no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC) dos departamentos de Física e de Química da UFMS em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

Os anjos que cuidam de nossas agendas, às vezes são camaradas: a Gelsa está em uma banca de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Universidade. Mas a generosidade dos gestores de agendas tem limite. Não viajaremos juntos. Saímos no mesmo horário de Porto Alegre. Ela vai direto. Eu vou por São Paulo, com três horas de espera em Guarulhos. Não é a primeira vez que parecemos casal de magnata ou de família real que não viajam juntos para não deixar trono ou fortunas duplamente órfãos. Em 2009 partimos de Bogotá rumo a Porto Alegre no mesmo horário, em voos separados.

Dentro das evocações do centenário da descoberta do núcleo atômico, que viemos recordando aqui desde a segunda-feira, hoje ocorre a última das quatro edições segmentadas do texto No coração da matéria escrito por Cássio Leite Vieira, publicado na edição dominical da Folha de S. Paulo de 20 de março. Devo anunciar que a poluída formatação em CAIXA ALTA não é produção deste editor. Na torcida de que o segmento de hoje – com lances emocionantes – seja fruído, adito meus votos de uma muito boa quinta-feira. Amanhã nos lemos, provavelmente de Campo Grande.

O ALQUIMISTA Em 1919, Rutherford publicou os resultados que o tornariam o primeiro alquimista da história – feito tão impressionante quanto o núcleo atômico. No experimento, bombardeou átomos de nitrogênio com partículas alfa, produzindo oxigênio e, de quebra, o próton, partícula de carga positiva de cuja existência ele já desconfiava desde o núcleo atômico.
A transmutação de nitrogênio em oxigênio foi seguida, no entanto, de queda significativa de resultados importantes no Laboratório Cavendish, que, desde 1919, após Thomson, estava sob a liderança de Rutherford. A essa altura, Rutherford - que não tinha a física teórica em grande estima- percebeu que precisaria de ajuda para projetar experimentos na área da teoria quântica, que lida com os fenômenos do mundo atômico e subatômico e que ganhou grande impulso na década de 1920. Contratou Ralph Fowler, que, em 1921, casou-se com sua única filha, Eileen Mary Rutherford (1901-1930).

Se tanto fez Rutherford, então por que não recebeu um segundo Nobel? A hipótese mais provável é a de Campbell: o comitê estava certo de que mais um prêmio não acrescentaria nada a sua fama.

A historiografia da ciência vê em Rutherford as origens da "Big Science", o tipo de ciência (principalmente física) feita depois da Segunda Guerra, com enormes volumes de dinheiro, grande quantidade de pesquisadores, laboratórios nacionais, temas por vezes ligados a questões militares. Badash enxerga Rutherford como precursor na formação de equipes de pesquisa, nos laboratórios com numerosos integrantes, no grande fluxo de publicações, na internacionalização dos resultados, nos esforços de especialização, nos meios de disseminação da informação, e na competição – todos eles moeda corrente na ciência atual.

A tese de Badash – apesar de bem argumentada– causa espanto para aquele que conheceu o Cavendish nos tempos heroicos, nos quais um aluno que precisasse de um cano de aço para um experimento recebia uma serra e uma bicicleta velha, da qual devia extrair o que desejava. Era a era romântica da física experimental, com experimentos feitos em prédios úmidos, empoeirados, cheio de fios e equipamentos dispostos sem ordem aparente, empestados pela fumaça dos charutos do chefe, que fazia, para o temor dos estudantes, a ronda diária. Época de físicos com mãos e roupas sujas de graxa.

NÊUTRON A indiferença de Rutherford em relação à mecânica quântica -cuja matemática ia muito além de seus conhecimentos – só foi amenizada com a volta dos grandes resultados do Cavendish. Em 1932, James Chadwick descobriu o nêutron, partícula sem carga elétrica, companheira do próton no núcleo atômico. Chadwick percebeu que aquela partícula, cuspida depois que átomos de berílio eram bombardeados com partículas alfa, não era um raio gama – como foi teorizado à época -, mas algo que seu chefe, Rutherford, já havia proposto em 1920: o nêutron.
Agora, o modelo atômico parecia se completar: prótons, nêutrons e elétrons. Mas a descoberta ou a proposição de novas partículas subatômicas (pósitron, múon, píon) na década de 1930 viriam embaralhar o cardápio dos constituintes básicos da matéria, justamente numa época em que havia muita resistência à aceitação de novos membros nesse clube, cujas portas os físicos sonhavam em fechar. Foi uma época da qual Rutherford desfrutou pouco, assoberbado por palestras, compromissos, cargos e tarefas burocráticas.

AOS PÉS DE NEWTON Aquele neozelandês de olhos claros, voz grave e tenebrosa, que metia medo em seus alunos, exigente e com pouca paciência para experimentos que tardavam a dar resultados foi, no entanto, respeitado e admirado. Sua humildade foi reconhecida: não pôs seu nome em artigos importantes, mesmo que a ideia do experimento tenha partido dele. Não pleiteava nem dinheiro, nem equipamento além do que realmente precisava.

Passou por momentos difíceis. O pior foi a morte de sua filha no parto de seu quarto neto. Lutou pela paz mundial (pediu que aviões não fossem usados para fins bélicos), participou do esforço de guerra para deter o avanço nazista, defendeu a liberdade de imprensa e o direito das mulheres na ciência, concedendo bolsas e oportunidades para físicas.
Até 1930, quase tudo que havia sido feito sobre a estrutura nuclear vinha de Rutherford, escreveu o historiador da física Daniel Kevles. O problema do modelo atômico nuclear -instabilidade, segundo as regras da física clássica- foi corrigido com base na teoria quântica, em 1913, por um de seus ex-alunos em Manchester, o físico dinamarquês Niels Bohr.
Tornou-se sir em 1914 e foi o primeiro barão Rutherford de Nélson em 1931. Em seu brasão, escolheu homenagear seu país natal, com símbolos da Nova Zelândia (um pássaro kiwi e um guerreiro maori). Suas pesquisas em radioatividade e física nuclear hoje levam conforto e saúde a boa parte da população, por meio de usinas nucleares e equipamentos de diagnóstico e tratamento para o câncer, para citar apenas dois casos.

Os restos de Rutherford – que morreu em 19 de outubro de 1937, aos 66 anos, em Cambridge, por postergar a cirurgia de sua hérnia umbilical - estão aos pés do magnífico altar de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, em Londres. Assim, aquele que quiser chegar a Newton, para observar o passado, deverá necessariamente passar por Rutherford. Nada mais justo. A foto é o túmulo de Newton. Já tive o privilégio de ver este e também o de Rutherford, do qual não encontrei ilustração.

"Lidei com várias e diferentes transformações em diversos períodos, mas a mais rápida com que me defrontei foi a minha própria transformação de físico em químico", afirmaria Rutherford

"Suas pesquisas hoje levam conforto e saúde a boa parte da população, por meio de usinas nucleares e equipamentos de diagnóstico e tratamento para o câncer"