ANO
12 |
Livraria
virtual
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EDIÇÃO
3346
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Escrevo
de Manaus, onde cheguei nesta terça-feira, 13 de março e que deixo nesta tarde
de sexta. Não vou falar destes dias manauaras. Não vou narrar o quanto prelibo
as atividades que terei, na semana que vai iniciar Igrejinha RS e em Inhumas
GO.
Lembro do
poeta lusitano maior: “Cesse
tudo o que a Musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta.” A tristeza e o luto redirecionam
este blogar.
Nesta quinta-feira,
iniciei uma fala para cerca de 200 pessoas UFAM dizendo que dedicava a minha
fala a Marielli Franco, assassinada à véspera. E é para ela
esta edição tintada de luto e de dor.
Aproprio-me
de texto de José Roberto de Toledo, publicado na revista Piauí* para curtir com
os leitores deste blogue a indignação e a dor que se entranha em todos que aspiram neste pobre Brasil o respeito aos direitos humanos e à restauração da democracia.
Os bares de
Copacabana e da Zona Sul do Rio de Janeiro estavam lotados de torcedores que
acompanhavam, pela tevê, a virada do Flamengo sobre o Emelec na Taça
Libertadores. Também nas redes sociais o time carioca provava-se popular
liderando o Twitter Trends Brasil na noite de quarta-feira. Em meio aos
milhares de tuítes sobre os jogadores que decidiram a partida, um nome que nada
tinha a ver com o jogo começou a subir no ranking de assuntos do momento:
Marielle Franco. Aos poucos, o drama futebolístico dava lugar a uma tragédia
emblemática.
Líder em uma
das maiores comunidades pobres do Rio – a Maré, um aglomerado de 16 favelas
espremidas entre a Linha Vermelha e a avenida Brasil onde moram 130 mil pessoas
–, Marielle foi a quinta mais votada entre os 51 vereadores eleitos na cidade
em 2016. Recebeu 46,5 mil votos logo na primeira eleição que disputou. Usava o
mandato para denunciar a violência policial e para cuidar dos interesses e
preocupações de mulheres negras como ela. Eleita pelo PSOL, a socióloga pós-graduada
em administração pública acabara de ser nomeada relatora da comissão da Câmara
Municipal que deveria fiscalizar a intervenção militar na
segurança do estado do Rio. Não teve chance de cumprir a missão.
Por volta
das 21h30, enquanto o Flamengo entrava em campo no Equador, o Chevrolet Agile
quatro portas branco em que Marielle estava foi alcançado por outro veículo na
esquina das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, no bairro do Estácio, perto
do Centro da cidade. Foram pelo menos nove disparos. Oito projéteis
atravessaram o vidro da porta traseira direita, bem no local onde Marielle
estava sentada. O nono perfurou a lataria. Quatro atingiram a cabeça da
vereadora. Marielle morreu aos 38 anos. Faria 39 em julho.
As balas
traçaram uma diagonal dentro do Agile e três delas acabaram alcançando e
matando o motorista do carro, Anderson Pedro Gomes. A trajetória que
percorreram sugere que o atirador estava ao lado direito e atrás do Agile. Se
Marielle estivesse no centro do mostrador de um relógio, o ponteiro indicaria
que o assassino ficou entre as marcas das quatro e das cinco horas. Não é a
posição de quem anuncia um assalto, talvez a de alguém que planeja uma
execução. Nada foi roubado. O ângulo e a precisão dos disparos pouparam a
assessora que viajava no banco do carona, à frente de Marielle.
Antes que a
tevê noticiasse o atentado à vida da vereadora e de seus acompanhantes,
múltiplos polegares se encarregaram de espalhar a história do crime por meio do
WhatsApp. De lá, a notícia multiplicou-se pelo Twitter e pelo Facebook. À
meia-noite e meia, “marielle franco vereadora” já era líder das “Tendências do
Momento” do Google no Rio de Janeiro. A essa altura, nada provocava mais interesse
entre internautas cariocas do que a morte da favelada negra que transformara a
militância católica da adolescência em mandato eletivo por um partido
socialista na meia-idade.
Grávida aos
18 anos, Marielle contou
à Revista Subjetiva dez
meses atrás que teve que interromper os estudos para cuidar da filha.Concluíra
o ensino médio no turno da noite de uma escola pública, o Colégio Estadual
Professor Clóvis Monteiro, e pretendia cursar uma faculdade. Matriculou-se em
um curso pré-vestibular, mas a gravidez inesperada mudou seus planos. Era 1997,
e ela estava numa fase de “fugir da igreja pra ir pro baile” – conforme disse
na entrevista. Engravidou. Com o apoio da mãe mas sem o do pai da criança,
Marielle tratou de dedicar-se à filha. Só pode retomar os estudos anos depois.
Conseguiu entrar no curso de ciências sociais da PUC do Rio em 2002. Recebeu
bolsa de estudos integral da universidade.
Já na
madrugada desta quinta-feira, a morte da vereadora extravasou das mídias
sociais para a mídia internacional. Correspondentes estrangeiros baseados no
Rio de Janeiro publicaram notícias sobre o crime em inglês, espanhol e outros
idiomas. A morte de Marielle deu
no New York Times. Atos de homenagem e de protesto foram
marcados pela internet para esta quinta-feira.
Com o
assassinato monopolizando o noticiário e ameaçando a popularidade da
intervenção militar no Rio, políticos e governantes se apressaram em lamentar a
morte da vereadora do PSOL, decretar luto oficial e prometer a solução do
crime. As circunstâncias indicam um homicídio premeditado: o atirador sabia
exatamente onde mirar para atingir Marielle, apesar de os vidros do Agile
estarem fechados e serem escurecidos por uma película colante. Isso sugere que
o carro onde estava o atirador seguiu o da vereadora talvez desde a Lapa, onde
ela embarcara após participar de um evento com outras mulheres.
Porém, não
há registro de que Marielle viesse sofrendo ameaças. Seus companheiros de
partido fizeram questão de repetir isso em entrevistas ao longo da noite,
argumentando que se ela tivesse sido ameaçada o PSOL teria denunciado, como
forma de proteção. Qual teria sido, então, a motivação dos assassinos? Por ora,
não há respostas, só especulações. Quatro dias antes de ser morta, a vereadora
denunciara o assassinato de dois jovens em Acari, na Zona Norte do Rio. Em post
no Facebook, afirmou que o batalhão da Polícia Militarque atua na região é
conhecido como “batalhão da morte”. Pode ser uma pista, mas não é uma prova.
Denunciar a
morte violenta de seus pares foi o que levou Marielle à política. Em 2005, uma
amiga sua foi vítima de “bala perdida” durante um tiroteio entre policiais e
traficantes na Maré. O engajamento em campanhas contra a violência policial em
favelas aproximou-a de um ex-professor de História seu, do curso
pré-vestibular. Em 2006, Marielle fez campanha para Marcelo Freixo, do PSOL.
Eleito deputado estadual, o professor nomeou a ex-aluna para assessorá-lo na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Após dez
anos de trabalho como assessora parlamentar, Marielle elegeu-se em 2016 para
seu primeiro e último cargo eletivo. O sucesso logo de cara predizia uma
carreira política longeva. Quatro balas anularam a previsão. Mas não seu
legado: foram quatorze meses como vereadora, dezenove anos como mãe, e quase
quatro décadas como voz inconformada contra a violência à sua volta.
* http://piaui.folha.uol.com.br/colaborador/jose-roberto-de-toledo/
Meu bom amigo Attico! Os tempos dos temidos ossos agravam-se. Teu relato, dolorido e silencioso, entre gritos que esticam o tempo de ruptura imposta, verdadeiro e sincero, expressa o tecido social de contradições que ficarão piores. Do lamento ao luto, da dor ao suor, com lágrimas e solidariedade, uma boa dose de silêncio interno para que mente e corpo reajam. Daqui, braços e abraços por Marielle!
ResponderExcluirMeu querido amigo e colega Élcio Mário!
ExcluirSe fuzila a democracia moribunda e junto se mata uma lutadora pelos direitos humana. Isso tintou de luto a todos que aspiram neste pobre Brasil o respeito aos direitos humanos e à restauração da democracia.
A mim parece anda muito pior o que fazem, agora, alguns coxinhas e assemelhados: estão denegrindo (sei que este verbo não é politicamente adequado, mas na situação parece que cabe) uma ilustre morta que não pode se defender.
Esses vis não conhecem nem a mínima civilidade nos legadas pelos romanos, que me atrevo citar de memória: ‘De mortui nihi nisi bene’ como sei que és cultor do latim, releva se não fui fiel naquilo que até pessoas mais humildes respeitam quando dizem: ‘dos mortos nada a não ser o bem!’
Penso que o Cristo Redentor, quando olha a cidade que se diz que ele abraça, deve sentir nojo dessa direita bolsonarista que agora quer matar a alma da mulher que já mataram o corpo.
Com tristeza
Muito triste e dolorido. Lembramos de Chico Mendes.
ResponderExcluirEntão...como não fazer "sucesso" (retrato do momento) o tal: "Que tiro foi esse?"
ResponderExcluirAté quando??? Por que defender os OPRIMIDOS gera tanto ÓDIO???
Querido Mestre, são momentos de dor, mas também de levantarmos, não calar, a dor da perda de uma guerreira, a dor de saber que a carne do pobre é descartável. Direito é conquista, enterraram Marielle mas acenderam a determinação de irmos a luta.
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