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domingo, 31 de agosto de 2014

31.- Num domingo fagueiro

ANO
 9
Na edição de ontem o anúncio de Para que(m) é útil o ensino?  
EDIÇÃO
 2882

Para uma blogada fagueira, como soem ser as domingueiras, sirvo-me de um texto que me foi enviado por José Carlos H. Ferreira, meu aluno na Universidade do Adulto Maior do Centro Universitário Metodista do IPA. Nos muitos envios do Zeca, salvam-se — entre aquelas de militante anti-Lula, que me abstenho de ler — preciosidades, como aquelas que nos levam a cenários inimagináveis. Penso que esta, que trago hoje, merece ser lida.
 Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia? A língua portuguesa é uma das mais difíceis do mundo, até para nós. Eis um exemplo do português praticado no Brasil.
 *Na recepção dum salão de convenções, em Fortaleza*
- Por favor, gostaria de fazer minha inscrição para o Congresso.
- Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?
- Sou de Maputo, Moçambique.
- Da África, né?
- Sim, sim, da África.
- Aqui está cheio de africanos, vindos de toda parte do mundo. O mundo está cheio de africanos.
- É verdade. Mas se pensar bem, veremos que todos somos africanos, pois a África é o berço antropológico da humanidade...
- Pronto, tem uma palestra agora na sala meia oito.
- Desculpe, qual sala?
- Meia oito.

- Podes escrever?
- Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.
- Ah, entendi,*meia* é *seis*.
- Isso mesmo, meia é seis. Mas não vá embora, só mais uma informação:
- A organização do Congresso está cobrando uma pequena taxa para quem quiser ficar com o material: DVD, apostilas, etc., gostaria de encomendar?
- Quanto tenho que pagar?
- Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam *meia*.
- Hmmm! que bom. Ai está: *seis* reais.
- Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?
- Pago meia? Só cinco? *Meia* é *cinco*?
- Isso, meia é cinco.
- Tá bom,*meia* é *cinco*.
- Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.
- Então já começou há quinze minutos, são nove e vinte.
- Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia .
- Pensei que fosse as 9:05, pois *meia* não é *cinco*? Você pode escrever aqui, a hora que começa?
- Nove e meia, assim, veja: 9:30h.
- Ah, entendi,*meia* é *trinta*.
- Isso, mesmo, nove e trinta. Mais uma coisa senhor, tenho aqui um folder de um hotel que está fazendo um preço especial para os congressistas, o senhor já está hospedado?
- Sim, já estou na casa de um amigo.
- Em que bairro?
- No Trinta Bocas.
-Trinta bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?
- Isso mesmo, no bairro *Meia*Boca.
- Não é meia Boca, é um bairro nobre.
- Então deve ser *cinco* Bocas.
- Não, Seis Bocas, entende? Seis Bocas. Chamam assim porque há um encontro de seis ruas, por isso Seis Bocas. Entendeu?
- Acabou?
- Não. Senhor, é proibido entrar no evento de sandálias. Coloque uma meia e um sapato.
O africano (quase) enfartou...

4 comentários:

  1. Dizer tratar-se de uma língua complexa é pouco.

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  2. Ótima narrativa, uma boa pitada de bom humor para se começar uma bela manhã de domingo, pelo menos aqui em Niterói...

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  3. Inculta e bela?

    Casa da mãe Joana, na verdade
    Termos exóticos são bem vindos
    Acata neologismos com liberdade
    E o formato último nunca é findo.

    Do Lácio sempre a flor mais bela
    Talvez Inculta, contudo sedutora,
    Tem meandros cultos e da favela
    Cada vez mais como nunca fora.

    Como fosse planta não cultivada
    Deita raízes em qualquer direção
    Não se atém a regra padronizada.

    Será meia-boca na fala do povão
    Com gíria do momento registrada
    Pois idioma é sinônimo de paixão.

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  4. Ave Mestre,

    diverti-me com o texto, que não tem meias palavras. Aproveito para rejubilar-me pela notícia da reedição do "Para quem é útil o ensino?". Talvez seja, de teus maravilhosos textos, aquele ao qual mais recorro e que me causa maior emoção.
    É um caminho para o pensamento complexo. Reitero: Europa tem Morin. América do Sul tem Chassot.
    Abraços

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