ANO
9 |
Na edição de ontem o anúncio de Para que(m) é útil o ensino?
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EDIÇÃO
2882
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Para
uma blogada fagueira, como soem ser as domingueiras, sirvo-me de um texto que
me foi enviado por José Carlos H. Ferreira, meu aluno na Universidade do Adulto
Maior do Centro Universitário Metodista do IPA. Nos muitos envios do Zeca,
salvam-se — entre aquelas de militante anti-Lula, que me abstenho de ler —
preciosidades, como aquelas que nos levam a cenários inimagináveis. Penso que
esta, que trago hoje, merece ser lida.
Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia? A língua portuguesa é uma
das mais difíceis do mundo, até para nós. Eis um exemplo do português praticado
no Brasil.
*Na recepção dum salão de convenções, em
Fortaleza*
-
Por favor, gostaria de fazer minha inscrição para o Congresso.
-
Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?
-
Sou de Maputo, Moçambique.
-
Da África, né?
-
Sim, sim, da África.
-
Aqui está cheio de africanos, vindos de toda parte do mundo. O mundo está cheio
de africanos.
-
É verdade. Mas se pensar bem, veremos que todos somos africanos, pois a África
é o berço antropológico da humanidade...
-
Pronto, tem uma palestra agora na sala meia oito.
-
Desculpe, qual sala?
-
Meia oito.
-
Podes escrever?
-
Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.
-
Ah, entendi,*meia* é *seis*.
-
Isso mesmo, meia é seis. Mas não vá embora, só mais uma informação:
-
A organização do Congresso está cobrando uma pequena taxa para quem quiser
ficar com o material: DVD, apostilas, etc., gostaria de encomendar?
-
Quanto tenho que pagar?
-
Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam *meia*.
-
Hmmm! que bom. Ai está: *seis* reais.
-
Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?
-
Pago meia? Só cinco? *Meia* é *cinco*?
-
Isso, meia é cinco.
-
Tá bom,*meia* é *cinco*.
-
Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.
-
Então já começou há quinze minutos, são nove e vinte.
-
Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia .
-
Pensei que fosse as 9:05, pois *meia* não é *cinco*? Você pode escrever aqui, a
hora que começa?
-
Nove e meia, assim, veja: 9:30h.
-
Ah, entendi,*meia* é *trinta*.
-
Isso, mesmo, nove e trinta. Mais uma coisa senhor, tenho aqui um folder de um
hotel que está fazendo um preço especial para os congressistas, o senhor já
está hospedado?
-
Sim, já estou na casa de um amigo.
-
Em que bairro?
-
No Trinta Bocas.
-Trinta
bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?
-
Isso mesmo, no bairro *Meia*Boca.
-
Não é meia Boca, é um bairro nobre.
-
Então deve ser *cinco* Bocas.
-
Não, Seis Bocas, entende? Seis Bocas. Chamam assim porque há um encontro de
seis ruas, por isso Seis Bocas. Entendeu?
-
Acabou?
-
Não. Senhor, é proibido entrar no evento de sandálias. Coloque uma meia e um sapato.
O
africano (quase) enfartou...
Dizer tratar-se de uma língua complexa é pouco.
ResponderExcluirÓtima narrativa, uma boa pitada de bom humor para se começar uma bela manhã de domingo, pelo menos aqui em Niterói...
ResponderExcluirInculta e bela?
ResponderExcluirCasa da mãe Joana, na verdade
Termos exóticos são bem vindos
Acata neologismos com liberdade
E o formato último nunca é findo.
Do Lácio sempre a flor mais bela
Talvez Inculta, contudo sedutora,
Tem meandros cultos e da favela
Cada vez mais como nunca fora.
Como fosse planta não cultivada
Deita raízes em qualquer direção
Não se atém a regra padronizada.
Será meia-boca na fala do povão
Com gíria do momento registrada
Pois idioma é sinônimo de paixão.
Ave Mestre,
ResponderExcluirdiverti-me com o texto, que não tem meias palavras. Aproveito para rejubilar-me pela notícia da reedição do "Para quem é útil o ensino?". Talvez seja, de teus maravilhosos textos, aquele ao qual mais recorro e que me causa maior emoção.
É um caminho para o pensamento complexo. Reitero: Europa tem Morin. América do Sul tem Chassot.
Abraços