ANO
9 |
EDIÇÃO
2863
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Na edição da
última sexta, observava que a pergunta aonde aprendemos? parece
não ser muito recorrente, ao especularmos acerca de como construímos o
conhecimento. Dizia, então, a partir de algumas conjecturas, que talvez,
tivéssemos uma resposta pronta: a Escola
e a Universidade são os dois lócus, mais usuais de aprendizagem.
A resposta, mesmo
que pudesse ser considerada correta, não pode ser tão reducionista. Anunciei
que há descritores para elaborarmos uma melhor resposta. Acenei, de maneira
liminar com dois: espaço e tempo, ou onde e quando; talvez, ainda
melhor: a geografia e a época. Hoje circunscrevo o local ou a
geografia aonde analiso tenham, Escola e Universidade, executada a aprendizagem
referida.
Começo com uma
circunscrição. Na busca de resposta para o espaço ou para a geografia onde
aprendemos limito-me ao mundo ocidental. Aliás, com rara exceção quase todas
nossas elucubrações nestes blogares são acerca do Ocidente. Talvez coubesse uma
análise, do porque ainda hoje estamos tão marcados nesta ancestralidade grega,
de centrarmo-nos apenas em nós. Para
os gregos, quem não falasse grego era bárbaro.
O que entendemos
ser o ‘nosso’ Oriente. Philippe Nemo (2005), em O que é o ocidente?, analisa a construção histórica de valores e
instituições formadores da civilização ocidental marcada por uma parecença
ufanista “pelo Estado de direito, pela democracia, pela liberdade intelectual,
pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia baseada na
propriedade privada”. Isto é temos o
que há de melhor, ou mais precisamente, somos
os melhores: pois, sabemos grego... e os outros não sabem!
A construção do
Ocidente a partir de uma morfogênese cultural que teve produções aparentemente
magníficas: invenções da cidade grega e a propriedade privada por Roma, a
revolução ética e escatológica da Bíblia, a invenção de uma igreja católica (aqui
católica na acepção de universal e
por tal, naturalmente colonialista) e a promoção da democracia liberal. Nemo mostra
o quanto o Ocidente que nos privilegia com o multiculturalismo e a multietnia
nos cobra, em troca, reflexões a questões emergentes que vivemos (ou seria
sofremos?). Há ônus por sermos ocidentais. Há bônus no Oriente. Aqui não há
nada a ver com a galinha do vizinho ser melhor. O acidente de sermos do
Ocidente foi/é uma construção nossa. E ela vem fortemente marcada de nos
pensarmos ‘raça’ superior.
Mais uma vez,
trago a nossa herança grega para traduzir esta superioridade. Querendo medir
com exatidão o centro do mundo, Zeus fez com que duas águias fossem soltas de
lugares opostos da terra. Quando o voo das duas se cruzou, ali bem embaixo o
todo-poderoso determinou ser o local – uma pedra situada nas cercanias do monte
Parnaso - do ônfalos, o umbigo do mundo.
Aliás, poderia
retratar o ápice de nossa presunção, citando o título (e quase síntese) do
livro de Edward W. Said1: “Orientalismo
- O Oriente como invenção do Ocidente”2 onde mostra que o Oriente, mais que
uma concepção geográfica engloba tudo que não é a civilização europeia e é uma
invenção do Ocidente.
Estabelecida a
‘territorialidade’ — leia-se: a civilização
europeia — na qual aprendemos, ou melhor, o local onde a Escola e a
Universidade ensinaram/ensinam, circunscrevamos o segundo indicador: o tempo. Mas isso será para outra blogada.
NEMO, Philippe. O que é o ocidente. Rio de Janeiro: Martins Fonte. 2005. ISBN
978-85-991-0219-0
[1] Edward W. Said — um dos mais
importantes intelectual da atualidade —nasceu na Palestina em 1935 e faleceu em
2003, enquanto docente de humanidades e literatura comparada na Universidade de
Columbia, nos Estados Unidos, legando uma grande produção na área de estudos
pós-coloniais, entre os quais o livro citado, traduzido em cerca de 36 idiomas.
[1] SAID, Edward W. Orientalismo - O Oriente como invenção do
Ocidente. Tradução: Rosaura Eichenberg, São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
É o homem em busca do "conhecer-se a si mesmo".
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