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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

29.- O DIA QUE FAZ O ANO BISSEXTO



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2037
Quando esta edição circular, não fará muito que voltei de uma tríplice jornada. Primeiro a palestra: “Que é Ciência, afinal?” para calouros da UFCSPA. Muito bom receber uma acolhida muito emocionante de meus colegas professoras e professores que prestigiaram minha fala e também foi muito significativo entusiasmar estudantes que estão começando a carreira acadêmica. Sai com um tema de casa: O que determina ser curioso?
Depois fui ao Centro Universitário Metodista do IPA, onde houve surpresas em dois tempos: primeiro um maduro grupo de alunas de Educação Física e depois um grupo de biólogos que foram meus alunos de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa no semestre passado e agora fazem Historia e Filosofia da Ciência. Estou me sentido desafiado com estas turmas e com aquela que tenho nas manhãs de segundas-feiras.
Este blogue, que em julho completará seis anos, já tem a sua segunda edição em 29 de fevereiro. Em 2008, apenas mencionei a situação. Nesta edição, ‘celebro’ com meus leitores este evento, até porque no preparo desta edição amealhei informações que parecem merecer partilhas.
Pois, este nosso 2012, que já tem um sexto vencido é ano bissexto. Em nosso calendário solar, chamado gregoriano, os anos comuns têm 365 dias e este tem 366.
Dois outros calendários que nos são mais próximos (o judaico e o islâmico) usam o calendário lunar. Vale dizer que são mais exóticos que nosso ano gregoriano.
Assim no calendário judaico hoje é 06 de Adar de 5772. No ano lunar de 12 meses (alguns têm 13 meses) este têm alternadamente 29 ou 30 dias. A duração média de um mês hebreu é de 29.530594 dias, muito próximo ao mês sinódico (entre duas luas novas). Os anos são classificados como comuns (normais, de 353, 354 ou 355 dias) ou embolísticos (longos, de 383, 384, 385).
Pelo calendário islâmico ou calendário hegírico estamos no ano 1433. O calendário islâmico é um calendário lunar composto por doze meses de 29 ou 30 dias com um total de cerca de 354 dias. A contagem do tempo deste calendário começa com a Hégira — a fuga de Maomé de Meca para Medina, em 16 de julho de 622. O mês começa quando o crescente lunar aparece pela primeira vez após o pôr-do-sol. O ano tem cerca de 11 dias a menos que o calendário solar.
Este calendário não corrige o detalhe de o ano lunar não corresponder ao ano solar. Deste modo, os meses islâmicos retrocedem a cada ano que passa; eles mudam em relação ao calendário gregoriano. Uma vez que o calendário islâmico é cerca de 11 dias mais curto que o calendário solar, os feriados muçulmanos acabam por circular por todas as estações.
Mas voltemos ao ‘nosso’: o gregoriano. Temos 12 meses com dias variáveis (28, 30, 31 e, de 4 em 4 anos: 29) totalizando 365 ou 366. Mas a Terra demora aproximadamente 365,2422 dias solares (1 ano trópico) para dar uma volta completa ao redor do Sol, enquanto o ano-calendário comum (por convenção) tem 365 dias solares. Sobram, portanto, aproximadamente 5h48m46 (0,2422 dia) a cada ano trópico. As horas excedentes são somadas e adicionadas ao calendário na forma inteira de um dia (4 x 6h = 1 dia). Por isso, a cada quatro anos, temos os anos bissextos são anos com um dia a mais, tendo, portanto 366 dias. O dia extra é introduzido como o dia 29 de fevereiro, mas rigorosamente o dia aditado (que faz a correção) e o dia 24. O assunto pode ser, frutuosamente, aproveitado em uma aula de matemática,
Como a sobra de cada ano não é exatamente 6 horas há regras introduzidas para reduzir ainda mais o erro no calendário:
1- Todo ano divisível por 4 é bissexto. 2- Todo ano divisível por 100 não é ano bissexto. 3- Se o ano for também divisível por 400 é ano bissexto; o ano 2000 foi o primeiro a usar esta terceira regra.
Alguém poderia perguntar-se porque exercer este complicado ajuste:
Como um calendário fixo de 365 dias apresenta um erro de aproximadamente 6 horas por ano, equivalente a 1 dia a cada quatro anos ou 1 mês a cada 120 anos. Um erro como esse tem sérias implicações nas sociedades, principalmente nas atividades que dependem de um conhecimento preciso das estações do ano, como a agricultura.
 Para encerrar: etimologia de o nome bissexto corresponder ao ano com 366 dias por terminar com um bis sextus (bis seis) parece discutível. Mas vale lembrar o sentido figurado de bissexto por derivação (recente, pois datado de 1946) para o adjetivo ou substantivo: 1) que ou aquele que exerce ou pratica certa atividade com pouca frequência, eventualmente; 2) que ou aquele que escreve ou publica seus escritos literários apenas escassa e ocasionalmente. Por exemplo: poeta bissexto.
Vale curtir este dia ‘extra’, que amanhã será março, dedicado a Marte, o deus da Guerra.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

28.- ENTRE SAGAN E FEYERABEND



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2036
Uma terça-feira — numa dimensão acadêmica — muito especial. À noite estreio em duas novas turmas. Uma de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa de alunos de Educação Física e outra de Historia e Filosofia da Ciência de para um grupo de Ciências Biológicas.
Talvez, uma das situações mais agradáveis no magistério seja esta não repetitividade de nossos cenários de atuação: a cada semestre temos outros alunos, outras aulas. Na manhã de ontem tive a primeira aula com um singular grupo de alunos da Licenciatura em Música, em sua maioria, já experimentados músicos da noite, que evidenciaram serem portadores de grande riqueza de saber adquiridos fora da Academia. Fiquei encantado com perspectivas de nossas ações juntos nas manhãs de cada segunda-feira deste semestre.

Mas há algo mais que faz esta terça-feira especial (e porque não segredar: nervosa). No turno vespertino dou palestra para calouros de vários cursos que nesta semana iniciam a vida acadêmica na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Em minha fala vou tentar responder a pergunta: O que é Ciência afinal?

Na esteira de busca de respostas para esta pergunta, certamente na proposta de mostrar a Ciência como um artefato cultural que pode ser usado também como um dos óculos para leitura do mundo, poderei me remeter a mais uma das perguntas que me fez o jornalista Marcos Gregório Fernandes Gomes em uma entrevista para a revista Quanta de São Paulo, da qual trouxe duas perguntas ontem aqui.

Assim, mais uma das treze perguntas — que deve se inserir muito bem em discussões na área da saúde. Claro que quando a respondi não a havia pensado no contexto de proposta que provavelmente usarei hoje, relacionando com questões da área da saúde como medicinas alternativas, placebo, acupuntura, homeopatia etc. Isto não está contemplado na minha resposta que segue a pergunta.

Carl Sagan escreveu um livro, O mundo assombrado pelos demônios, em que defende que as pessoas devem aprender a pensar de forma cientificamente correta, pois isso evitaria muitos preconceitos e conflitos. Ele critica algumas modas da sociedade globalizada como a crença em horóscopo ou no poder dos cristais, por exemplo. O que você acha dessa advertência de Carl Sagan?
Com todo o respeito — e, antes, minha declaração de admiração por Carl Sagan — discordo de sua advertência. Quantos foram castigados por aceitar o heliocentrismo... Quando Freud desenvolve o que hoje chamamos de ‘psicanálise’ ao falar em sexualidade infantil, foi cuspido na face. A acupuntura já foi considerada prática charlatã. Mesmo que nem sempre tenhamos facilidades, parece que temos de nos acostumar, cada vez mais, a nos afiliar a Feyerabend (Contra o Método): “Dada uma regra qualquer, por ‘fundamental’ e ‘necessária’ que se afigure para a Ciência, sempre haverá circunstância em que se torna conveniente ignorá-la, como adotar regra oposta. [...] Qualquer ideia, embora antiga e absurda, é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. [...] o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa é a via pela qual o mito mais ridículo pode vir a transformar-se na mais sólida peça da Ciência”. Assim, se for solicitada uma opção, entre Sagan e Feyerabend, adiro ao anarquista epistemológico.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

27.- AGORA, O TEMPO DO MUNDO DE VERDADE



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2035

Uma segunda-feira de verdade. No Rio Grande do Sul, diferente de muitos outros Estados, hoje é o dia em que são retomadas as atividades escolares, agora com presença dos alunos. Portanto, por primeiro e acima de tudo: uma muito boa volta às aulas a cada uma e cada um.

Do ponto de vista cultural a Gelsa e eu fizemos um encerramento do Ano Festivo (período anterior ao primeiro domingo pós-carnaval), como chamou, aqui, ontem o Jair Lopes: Assistimos ‘direto’ do Royal Opera House de Londres a ópera Tosca de Giacomo Puccini, que se passa em Roma em 17 e 18 de junho de 1800. Tivemos a companhia de Guy Barcellos e no cinema estávamos, também, juntos com a Liba e a Sílvia. Mesmo que eu tenha uma incipiente cultura operística, frui muito o espetáculo, parecendo-me um expectador privilegiado junto com o público que assistia o desempenho de excelentes artistas em uma das mais famosas casas de ópera do mundo. Foi um espetáculo muito rico.
Eu começo esta manhã com uma turma de Conhecimento, Linguagem e Ação Educativa para o curso de Música. Este semestre, além das manhãs de segundas-feiras, terei aula na graduação do Centro Universitário Metodista do IPA, nas noites de terças-feiras da mesma disciplina para o curso de Educação Física e de Historia e Filosofia da Ciência para o curso de Ciências Biológicas.
Neste fevereiro trabalhei em parceria com o jornalista Marcos Gregório Fernandes Gomes em uma entrevista que será publicada na revista Quanta de São Paulo. Foi algo que implicou um assumir posturas.
A proposta da Quanta — explicitada em www.revistaquanta.inf.br — “é falar diretamente ao professor que atua na Educação Básica nas áreas de ciências naturais, servindo como um material de referência alternativo, que colabore de forma complementar para a sua formação e o inspire para novas práticas didáticas. Sem, no entanto, investir na fórmula do receituário sobre o que e como trabalhar em classe, opção de resto já satisfeita por outros veículos. Quanta fala de ciência respeitando o rigor conceitual necessário para entendê-la sem simplificações, mas quer, ao mesmo tempo, enfatizar a ciência como caminho do homem para viver melhor e compreender melhor o universo”.
Das 13 perguntas, que envolvem mais de três laudas, autorizado pelo Marco, em comemoração ao ‘voltas às aulas’ apresento uma ‘palhinha’ por meio de duas perguntas — a quarta e a última —. Nesta está contida a resposta que dei a um aluno do ensino fundamental que me perguntava na última quinta-feira, qual o ‘material escolar’ mais importante, quando da volta às aulas.
Qual a importância da alfabetização científica, que vantagens nos traz o conhecimento do método científico para a vida prática?
Há uma metáfora elucidativa: quais as limitações vivenciadas por um cidadão analfabeto num mundo governado por normas escritas? Numa sociedade ágrafa (sem o uso da escrita ou representação gráfica) ser analfabeto não determina desvantagem nenhuma e mais, ser alfabetizado pode ser até desvantajoso, pois provavelmente este terá dificuldades em reter fatos “de cor”. Mas na nossa sociedade ser analfabeto é doloroso, é ser um excluído, quase um pária. Aliás, nos sentimos analfabetos quando estamos em culturas que usam outra língua ou diferentes caracteres. As estações de metrô de Moscou (Rússia) podem ser as mais lindas do mundo, mas preciso um guia para me traduzir as legendas que contam as histórias representadas nos imensos painéis. Se eu me perder nas ruas de uma cidade chinesa, terei imensa dificuldade para chegar ao hotel.
Se detenho alfabetização científica, isto é, se eu entendo (um pouco) a linguagem em que está escrita a natureza, eu saberei explicar por que o leite derrama quando ferve e saberei encontrar artifício para que a leiteira não transborde. Se eu sei por que sabão remove a sujeira, saberei explicar por que duas ou três gotas de detergente fazem mais efeito na lavagem de louça que duas ou três colheres; ou por que o xampu não faz efeito quando temos o cabelo molhado com água do mar. Assim, ser alfabetizado cientificamente – e, eu só trouxe alguns pequenos exemplos, quando poderia escrever um livro só para responder esta pergunta – nos ajuda estar num mundo que é ‘resolvível’ com a linguagem da ciência.
Quanto à importância do método científico, vale ler o que respondi para a pergunta anterior. O método que aprendemos com o físico inglês Francis Bacon (1561-1626) e que é reproduzido nos manuais de ciências que fazem a iniciação no ensino fundamental é apenas um dos métodos científicos. Feyerabend nos fala na pluralidade de métodos. Nós no cotidiano usamos muitos métodos diferentes e todos são “científicos”.
É possível fazer uma cartilha de tópicos, um decálogo do pensamento cientificamente correto? 
Meu decálogo seria um unólogo. Não sei com se chamaria uma “tábua da lei” que tivesse apenas um mandamento. Minha proposta teria apenas uma norma. E essa seria uma antítese daquilo que mais ouvimos enquanto crianças: “Menino, não seja curioso!” “Menina, não seja curiosa!”. Minha cartilha ou norma teria apenas uma diretriz: “Seja curioso!” 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

26.- UM DOMINGO DE 25 HORAS



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2034

Este domingo, que em várias regiões do Brasil tem vinte cinco horas, pois mesmo ainda vivendo dias caniculares, deixamos hoje o horário de verão. Este último domingo de fevereiro marca os estertores das férias.

Talvez, hoje mais que acertar os relógios vale considerar para o dia de amanhã esta charge do Marco Aurélio, publicada na Zero Hora.

Então, além de um bom domingo desejo a cada uma e cada um de meus leitores feliz ano novo, mesmo sabendo quanto já produzimos nestes primeiros 57 dias de 2012 bissexto e que venham os próximos 309.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

25.- MAIS UM NOBEL LATINOAMERICANO NA DICA DE LEITURA



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2033

Por quase mirabolante coincidência as quatro dicas de leituras de fevereiro são latino-americanas, mais precisamente de vertente hispânica. Com exceção da primeira do dia 4 — acerca do execrável caso Karadima — as três outras são de Prêmios Nobel de Literatura. Dia 11, Pablo Neruda, com amorosas poesias; dia 18, Gabriela Mistral, com revelações surpreendentes; e, hoje, Mario Vargas Llosa. Uma vez mais, reafirmo que não desvalorizo os envolvimentos, às vezes, escusos na atribuição do Nobel, mas esta láurea é, apesar de tudo, um indicador que tem relativa validade.

Quando a Gelsa retornou no dia 9 de São Paulo, onde fora assistir a inauguração da exposição ‘Guerra e Paz’ sobre a obra de Portinari, presenteou-me — não sem reservas — com ‘Conversas com Vargas Llosa’ de Ricardo Setti.  Por mais que admiremos um escritor por sua obra literária é difícil dissociarmo-nos de sua postura política. Com Nobel peruano, ela e eu temos, há muito, divergências ideológicas. Antecipo que na leitura do excelente livro, estão marcadas claras as divergências políticas (maiores que imaginava), mas que não conflitam com a admiração literária, mesmo que enodoem leituras de história de vida.
Assim a dica de leitura é:
SETTI, Ricardo. Conversas com Vargas Llosa, antes e depois do Nobel. 2.ed São Paulo: Panda Books, 2011, 232 p. 208x138x14 mm. ISBN 978-85-7888-160-3.
O livro é marcadamente o que diz o seu subtítulo: antes e depois do Nobel. Ricardo Setti, jornalista da revista Veja, havia publicado, fruto de três longas sessões, realizadas numa das casas do escritor em Lima, Conversas com Vargas Llosa (Brasiliense, 1986) com edições, também em Portugal, França e Estados Unidos. Este livro de então recebeu agora uma adição de cerca de 50 paginas, produto de uma nova entrevista, mais de 25 anos depois, em outubro de 2011, nos dias imediatos ao anuncio da outorga do Nobel.
O livro é muito gostoso de ler, pois Setti é não apenas um arguto entrevistador, mas um conhecedor e admirador da vida e obra do entrevistado. E também por que Vargas Llosa além de um escritor (romancista e ensaísta) renomado é um globe-trotter competentíssimo, professor convidado de várias Universidades, que não tem travas na língua e fala sobre sua vida literária, política, politicagem, sexo, visão de mundo, rotina de trabalho.  Assim, o livro, sem perder o tom de bate-papo, faz uma panorâmica de tudo que diga respeito ao mundo do entrevistado.
Como temos um quarto de século — cerca de um terço da vida de Jorge Mario Vargas Llosa, nascido em Arequipa, 28 de março de 1936 — mediando as duas entrevistas, se pode avaliar caminhadas e coerências teóricas e politicas e posturas frente à vida, pois ele fala muito de política: direitos humanos, ditaduras e liberdade, Cuba, Colômbia, Chile, questões da América Latina, terrorismo, Europa, o Brasil de Lula, o politicamente correto, o antiamericanismo, direita e esquerda, sua desilusão com o socialismo, sua candidatura frustrada à Presidência do Peru e assuntos pessoais como a relação com o pai que só conheceu aos 10 anos de idade, família, filhos, fidelidade conjugal e tentações, iniciação sexual, drogas, andanças pelo mundo.
Setti (à direita) domina a técnica de deixar o entrevistado à vontade, mas não permite que ele lhe exclua da pauta nenhuma pergunta embaraçosa. Nem mesmo sobre a famosa briga com o ex-amigo Gabriel García Márquez – o único tema que leva Vargas Llosa a desconversar.
O livro prenhe de passagens preciosas agradará especialmente dois tipos de leitores: um, aquele que conhece a obra de Vargas Llosa e quiser saber alguns detalhes da construção de determinado livro; outro, o leitor que escreve ou gostaria de escrever. Pretensiosamente, me incluo nos dois tipos, e de uma e outra situação faço amostras.
Destaco três dos vários livros que li do entrevistado. Um humorístico e dois históricos.
Pantaleão e as visitadoras (1973) — quem o leu deve recordar-se da ideia de organizar em um barco com prostitutas para levar ‘conforto’ a militares em serviço em pontos distantes da floresta amazônica peruana. Na entrevista se fica sabendo dos fatos reais que catalisaram a construção do saboroso texto.
Acerca de A guerra do fim do mundo (1981), um romance da nossa ‘Guerra dos Canudos’, ficamos conhecendo dos anos de pesquisa que Vargas Llosa fez no sertão nordestino com muitas entrevistas em diferentes locais onde aconteceu a epopeia e ainda trabalhos exaustivos em bibliotecas estadunidenses.
Sobre o melhor dos livros de Vargas Llosa para mim — O segredo do Celta (2010) — na entrevista se conhece o que significou para o autor viver os horrores do Congo, pesquisar na Alemanha, na Irlanda, na selva amazônica onde Roger Casement — personagem real — viveu sua vida libertária e trágica.
Um exemplo acerca da arte da escritura, eis a resposta para a pergunta: Como começa um livro? Bem, primeiro de tudo é um ‘fantaseo’, uma espécie de especulação em torno de certo personagem ou certa situação, algo que simplesmente ocorre na mente. E depois começo a tomar notas, faço fichas, trajetórias anedóticas – um personagem começa aqui, termina ali, faz isso. Esse outro personagem começa aqui, acaba ali – enfim, elaboro essas pequenas trajetórias. E, quando já vou começar a trabalhar num livro, faço primeiro um esquema geral da história – que nunca respeito, que depois mudo completamente, mas que me serve para começar a operar. Depois começo a redigir, e redijo bem depressa, sem parar, sem nenhuma preocupação com estilo, repetindo episódios, narrando situações contraditórias…
 Encerro esta dica de leitura, com um excerto que está na quarta capa e que catalisou a opção da Gelsa quando escolheu este presente para mim. Ousadamente, subscrevo este trecho para ela:
 Deixar de escrever jamais. Sei que não vou deixar de escrever nunca, até morrer. Escrever é a minha natureza, a vida se organiza para mim em função de meu trabalho [...] Gostaria que minha obra fosse como dos escritores que mais admiro, como uma esponja, que absorve tudo que esta acontecendo em seu tempo, e, entre essas coisas a problemática social e política [...].

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

24.- QUE A SAÚDE SE DIFUNDA SOBRE A TERRA



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2032

Quando de minha segunda inserção no corpo docente da Unisinos (trabalhei na instituição em1964/1965 & 1995/2008) tinha um muito atencioso vizinho de sala que dizia que eu era o ateu mais religioso que ele conhecia. Abro a blogada de hoje trazendo esta evocação, pois hoje, mais uma vez, busco um tema no farto celeiro das igrejas. Talvez meu querido amigo Euclides Redin devesse dizer que eu fosse mesmo ‘um igrejeiro’.

Escolhi um tema apropriado para a primeira sexta-feira quaresmal de 2012. As quatro sextas-feiras da quaresma — período entre o Carnaval e a Sexta-feira Santa — eram (não sei ainda são) dias muito especiais no ano litúrgico católico. Assim adiro a noticia de que nesta Quarta-feira de Cinza a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) — órgão de governo da igreja que é hegemônica no país — lançou a Campanha da Fraternidade-2012 com o tema “Fraternidade e Saúde” e o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra”.
A Campanha da Fraternidade é realizada no Brasil desde 1964. Anualmente, a igreja seleciona um tema de interesse coletivo e procura envolver toda a sociedade e não apenas os de fé católica — durante a Quaresma, em que os católicos são aconselhados a praticar ações para ajudar o próximo.
Assim, a deficiente e lamentável qualidade da saúde pública não é exótica a este blogue. Justifico a adesão, sem paixão religiosa ou igrejeira ao assunto, mesmo que evoque o quanto nos anos 1960/70 tenha me envolvido em Campanhas da Fraternidade, enquanto militante de movimentos católicos.
A importância do tema da CF-2012 — “Fraternidade e Saúde” — é significativa. Mesmo que a Presidente Dilma tenha excelentes avaliações de seu governo, é no quesito ‘Saúde’ que, com sobrada razão se encontram generalizados descontentamentos. Não preciso citar aqui o que significa os tempos de espera para uma consulta (e a maneira como os pacientes são atendidos) e, numa situação ainda mais dramática, as dificuldades para internações hospitalares Sistema Único de Saúde.
Poderia citar um exemplo: a dolorosa blogada de 15 de janeiro: UM RECÉM-NASCIDO FOI AO ÓBITO. Situações semelhantes ocorrem todos os dias. Há duas semanas uma menina morreu em uma praia vitimada por ataque de um cão. Talvez pudesse ser salva se no muito frequentado litoral gaúcho houvesse uma UTI pediátrica. O transporte da criança a Porto Alegre ajudou a mata-la.
Parece que a República está na contramão da Campanha da Fraternidade: Há poucos dias o Governo anunciou bloqueio de R$ 55 bilhões no orçamento de 2012. Conforme divulgado pelo Ministério do Planejamento, os recursos aprovados pelo Congresso Nacional caíram de R$ 77,58 bilhões para R$ 72,11 bilhões. Maior corte no orçamento, de R$ 5,4 bilhões, foi no Ministério da Saúde.
Parece oportuno recordar que as Igrejas, durante alguns séculos, realizaram com quase exclusividade, especialmente entre as ordens religiosas hospitalares, uma contribuição muito meritória nos cuidados de hospitais, creches, asilos, leprosários etc. Assim não há como não desejar êxito e torcer para que muitos adiram a proposta de “Que a saúde se difunda sobre a terra”.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

23.-A INTERNET NOS FAZ MENOS CONTEMPLATIVOS



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2031

Para alguns começa hoje — dia que sucede à Quarta-feira de Cinzas — o mundo real. Já disse, mais de uma vez, que não defendo esta tese. Mas agora, depois de muitos dias, não posso mais esposar a tese: “Sou senhor de meu tempo!”. Agora tenho agenda para cumprir — não que esse janeiro e fevereiro fossem apenas dias de dolentes vagabundeares. Assim, hoje e a amanhã estou no Centro Universitário Metodista do IPA, participando do Seminário Pedagógico preparatório ao semestre 2012/1, quando inicio meu 52º ano letivo.

O ritual de transição marcado pelo hemi-feriado de ontem, não foi trivial. Começou muito bem, pois acordar na madrugada com chuva farta e saber que ela aguava o solo crestado em todo o Rio Grande do Sul foi muito bom. Mas faltar energia elétrica por mais de quatro horas, a partir das 6h foi complicado. Mas pior viria depois, restabelecida a energia elétrica e com ela a internet, esta foi inicialmente intermitente e, a partir das 11h, com milhares de consumidores fico sem internet, telefone e televisão. Foi complicado. Mesmo que a promessa fosse para as 18h, só tivemos o restabelecimento dos serviços um tempo depois.

Como dentre as 13 oficinas do Seminário Pedagógico escolhi: “Redes sociais plugadas na Educação"  trago alguns comentários de um livro que ainda não li. Devo dizer que já está na minha lista de próximas, pois mesmo que possa parecer na direção oposta de algumas ideias que defendo, devo concordar.

Li matéria da jornalista Elisângela Roxo, na Folha de S. Paulo de 17FEV2012 onde ela mostra que o jornalista estadunidense Nicholas Carr [FOTO] acredita que a internet não estimula a inteligência de ninguém. Ele fez um apanhado teórico sobre a superficialidade que a web provoca no livro "A Geração Superficial - o que a internet está fazendo com os nossos cérebros", lançado agora no Brasil pela Agir.
Antecipo, mesmo trazendo algumas teses catastrofistas e assumindo postura radicais, não considero Carr um ludita. Luddismo foi o movimento centrado nas reclamações contras as máquinas criadas após a Revolução Industrial para poupar a mão-de-obra. Mas foi em 1811, na Inglaterra, que o estopim estourou e surgiu o movimento ludita, também chamado de Ludismo, uma forma mais radical de protesto. O nome deriva de Ned Ludd, um dos líderes do movimento. Os luditas chamaram muita atenção pelos seus atos. Invadiram fábricas e destruíram máquinas, que, segundo os luditas, por serem mais eficientes que os homens, tiravam seus trabalhos, requerendo, contudo, duras horas de jornada de trabalho. Os luditas ficaram lembrados como "os quebradores de máquinas".  O escritor não se considera um "apocalíptico", como é descrito por colegas.
Na obra, Carr explica descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro humano e teoriza sobre a influência da internet sobre nossa forma de pensar. Graças a este livro, o autor se tornou referência quando o assunto é oposição aos avanços e às possibilidades criadas pela internet.
Para ele, a rede torna o raciocínio de quem navega mais raso, além de fragmentar a atenção de seus usuários. Ainda mais: Carr afirma que há empresas obtendo lucro com a recente fragilidade da nossa atenção.
"Quanto mais tempo passamos on-line e quanto mais rápido passamos de uma informação para a outra, mais dinheiro empresas de internet, como Google e Facebook, fazem", avalia. "Essas empresas estão no comércio da distração e são experts em nos manter cada vez mais famintos por informação fragmentada em partes pequenas. É claro que elas têm interesse em nos estimular e tirar vantagem da nossa compulsão por tecnologia."
A crítica de Carr começou com o artigo "O Google Está nos Deixando Mais Burros?", publicado em 2008 na revista "The Atlantic Review". A repercussão foi tamanha que a história virou livro. No ano passado, a obra figurou entre as mais vendidas nos EUA e foi finalista da categoria de não ficção do Prêmio Pulitzer, o "Oscar literário". O livro foi traduzido para mais de 20 línguas.
Segundo Carr, a internet, com seu alcance ilimitado, pode ser uma ameaça às fronteiras culturais. "Nosso uso de tecnologia é influenciado por normas sociais e culturais. Mas, a longo prazo, a tecnologia tende a homogeneizar tudo. Ela já começa a apagar as diferenças culturais e estimula um uso padrão em todo o lugar", ressalta Carr. "Acho que, ultimamente, a internet é usada de forma igual, com efeitos semelhantes, independentemente do lugar e da cultura."
Para tentar recuperar o raciocínio perdido, o próprio jornalista resolveu se desconectar um pouco. Fechou suas contas no Facebook e no Twitter e mantém apenas a atualização de um blog pessoal. Carr afirma não ter interesse em voltar para nenhuma das duas redes sociais. Ele as considera fontes de "limitação do pensamento".
Apesar disso, o autor aderiu recentemente à nova rede social do Google, o Google+, que diz ter achado "muita chata". "Entrei porque escrevo sobre tecnologia e quero entender esse serviço. Apesar de não ser tão banal quanto o Facebook, espero poder encerrar logo minha conta." Segundo o autor, por causa deles, as pessoas se tornaram mais dependentes da internet. Eu senti muito isto ontem "A proliferação de smartphones e iPads intensificaram os efeitos social e cognitivo que eu descrevi no livro", ele explica.
CARR, Nicholas. A Geração Superficial: O que a internet está fazendo com o nosso cérebro.[The shallows- What the internet is doing to our brains] Tradução Mônica Gagliotti Fortunato Friaça. Rio de Janeiro: Agir. 312 p. R$ 49,90 (há ofertas de menor preço) ISBN: 978-85-220-1005-6

Eu concluo esta edição, aderindo a Nicholas Carr: “Meu desejo é apenas tornar as pessoas mais conscientes sobre a influência da tecnologia. A imersão na mídia digital nos tira a oportunidade de sermos contemplativos, reflexivos e introspectivos."

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

22.- E...AGORA CINZAS



Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br *** Edição 2030

Dou-me conta que já é a sexta vez que escrevo neste blogue nesta data que encharca-nos religiosa e pagãmente. Logo não vou falar seus diferentes significados e muito menos do porque de sua mobilidade no calendário e dos marcos de um calendário lunar num calendário solar. Também não vou retificar o senso comum de que seja a data de hoje que determina o dia da Páscoa, quando é o contrário.

Por outro lado, não vou voltar a protestar contra as repetidas baboseiras que é hoje que começa o ano. Só que não fez tanto nesta meia centena de dias acredita nisso. Aliás, se adotasse esta tese chocha seria contestado dizendo que o ano só começaria na próxima segunda-feira.

Mesmo assim, não posso sonegar as recordações de minha infância, quando era ajudante de missa e nesta data acompanhava o padre, em uma liturgia de imposição de cinzas na testa dos fiéis e ouvia centena de vezes, em latim a frase do Gênesis 3.19, “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris!” Não sei se hoje persistem estes rituais, se tal ocorrem, certamente a frase é dita em vernáculo, que entre nós seria: “Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter!”. Recordo de uma liturgia muito tétrica então, não só evocativa da morte — a ilustração ratifica isto —, como pedindo expiação dos pecados recém-cometidos no Carnaval.
A quarta-feira de cinza era, ou melhor é, dia de abstinência de carne para os cristãos. Aqui, lateralmente, uma justificativa do ato falho no tempo verbal: escrevi era, pois não estando mais envolvido nesta prática, escrevi ‘era’, mas dou-me conta que para as pessoas religiosas esta norma subsiste, mesmo que abrandada. Primeiro a abstinência de carne era por toda a quaresma (mais de 40 dias), o seja de hoje até o domingo de Páscoa. Daí se dizer, provavelmente sem uma confirmação histórica que carnaval signifique ‘adeus à carne’, tanto que no sábado que segue ao dia de hoje se celebrava ‘o enterro dos ossos’.
Na minha infância a abstinência era em todas as sextas-feiras da quaresma. Hoje esta norma parece ser apenas na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa.
Acerca disto há situações singulares. No livro Educação consciência, no capítulo ‘A Ciência na Inquisção’ narro algo que permito-me transcrever aqui.  Antes porem desejo que cada uma e cada um curta o único hemi-feriado que temo em nosso calendário. Até às 12h é feriado, depois terminou-se o que era doce e...
Ovos hereges
A humanidade usou ovos como uma de suas principais fontes de proteínasmuitos milênios. Na Grécia antiga, um dos grandes cozinheiros foi Cigófilo, que significa “amante dos ovos”. A ele se atribui a invenção do ovo duro e da omelete. Todavia este milenar alimento atravessou momentos difíceis. Em 917, se defrontou com a autoridade da Igreja. Discutia-se, então, se um alimento que contivesse ovo em sua composição interromperia ou não a necessária abstinência de carne que os fiéis deviam guardar durante a toda quaresma e nas demais sextas-feiras do ano.
As discussões foram polêmicas e se exigiu um Concílio – o de Aquisgran – para debater as possibilidades de se estar transgredindo uma norma e assim se cometendo um pecado. A Igreja, com sua secular autoridade e responsabilidade sobre seus seguidores, determinou que o ovo corresponde a um embrião animal — as discussões atuais acerca do aborto, ou a partir de quando começa existir vida no ventre materno não são diferentes em termos das polêmicas biológicas e teológicas levantadas. — e aquele que o comesse estaria quebrando o preceito da abstinência, portando ofendendo a Deus de maneira pecaminosa. Então, não faltaram aqueles que ostensivamente transgrediram a determinação eclesiástica. Estes foram considerados hereges.
Aliás, poderia haver uma alternativa legal, que muito provavelmente ninguém contra-argüiu. Há ovos que são não galados – como a maioria dos consumidos hoje –, logo potencialmente estes não gerarão pintos. Se a alguém, então, ocorresse a idéia de produzir ovos não galados, certamente seria um sucesso de mercado, mesmo que haja os que afirmem que os ovos galados sejam mais nutritivos* – muito provavelmente, não deva ser porque a galinha tenha tido um fugaz momento de prazer quando da inseminação.
Foi somente em 1553, portanto mais de seis séculos depois, que o Papa Julio III declarou que os ovos eram aceitáveis aos olhos de Deus como alimentos. E o grande pecado - não reconhecido -continua sendo o esbanjamento de alimentos originando a fome de muitos que nem se sequer podem acrescentar um ovo a sua dieta alimentar.
[*] O jornal estadunidense The Independent on Sunday publicou em 19 de maio de 2002 discutível estudomuito a modo de estadunidenses – de investigadores da Universidade de Nova York que descobriram que mulheres que têm relações sexuais com frequência mostram uma menor tendência de sofrer depressão. A chave parece encontrar-se nos efeitos dos hormônios e substâncias químicas que se encontram no sêmen quando este é assimilado pelo organismo da mulher. Ainda, segundo o estudo, 4,5% de mulheres que têm relações sem preservativos intentaram o suicídio em comparação com 13,2% entre aquelas que utilizam preservativos ou das 13,5 das que se abstêm de relações sexuais. Madrid20minutos, p.4, 20 de mayo de 2002. Este estudo pode também parecer de interesse de grupo que quisesse desestimular o uso de preservativos.