ANO
9 |
Livraria Virtual em
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EDIÇÃO
2883
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Há mais de um quarto de século, que o 1º de setembro não marca,
para mim, apenas o inicio da Semana da Pátria. Há outra celebração nesta data. Assim,
hoje, este blogue faz uma comemoração muito especial.
Cheguei pensar, em fazer um estudo acerca de uma figura mal querida no imaginário de diferentes
culturas. Desde o filosofar dos caminhoneiros, ao aprendermos na sabedoria dos
para-choques: “Feliz foi Adão que não
teve sogra” até um intelectual que escreveu: “Conscience is a
mother-in-law whose visit never ends” ["A consciência é uma sogra cuja
visita nunca termina” citação atribuída a H. L. Mencken (1880-1956), escritor
estadunidense] há variadas manifestações deste mal querer.
Foto com a Liba em 24AGO2014 |
Desisti de fazer uma pesquisa sobre esse imaginário em
diferentes culturas, pois quero, aqui e agora, homenagear uma leitora muito
querida deste blogue que hoje faz 93 anos. Posso narrar dela o antípoda ao que
o senso comum diz da sogra. Preciso policiar-me, para não fazer aqui uma
hagiografia e sim um bosquejar acerca de Liba
Juta Knijnik. Ela é minha sogra. Conheço-a há mais de 27 anos. Como, navegadora
do mundo virtual que é, recebe nesta rosa minha homenagem.
Nos propósito deste texto não está detalhar a história da menina
pobre que nasceu em 01 de setembro de 1921, em Rawa-Ruska, uma aldeia da
Galícia, hoje território da Ucrânia, que, então, era parte da Polônia. A crise
que se abatera na Europa, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), fizera seu pai um desempregado. A mãe, quando jovem, tinha vivido
10 anos trabalhando nos Estados Unidos. Na América, entre outros aprendizados,
se tornou fluente em inglês. Ao voltar para visitar a família na Polônia, a
conflagração mundial a impediu de voltar. Casa na sua aldeia.
Quando o casal vê aumentadas suas dificuldades de sobreviver na
Europa, pai resolve vir fazer a América. Deixa na Polônia a esposa com três
meninas: Liba, Teresa e Reisla, das quais Liba é a mais velha, com menos de
cinco anos. O pai vem para o Brasil, primeiro para o Rio de Janeiro e Belo
Horizonte e depois para Porto Alegre. Com seu trabalho envia dinheiro para a
esposa e filhas na Polônia, para realizar um sonho: reunir novamente a família
na terra que ele já adotara. Quando Liba tinha nove anos, surge a oportunidade
de imigrarem para o Brasil, onde o pai conseguira uma licença para fazer vir a
família. Em 1930, a mãe e as três meninas deixam a Europa e durante 18 dias
cruzam o Atlântico. Liba recorda que foram dias difíceis, mas permeados de
sonhos com uma nova Pátria. Chegam ao Rio de Janeiro, depois de uma quarentena
de 8 dias na ilha das Flores vêm para Porto Alegre, onde o pai já estava
estabelecido e recebe a mulher e as três filhas. E a capital do Rio Grande do
Sul se torna a cidade do coração da menina polonesa.
Liba estudara na Polônia até a quarta série. Lá iniciara seus
estudos em uma escola de freiras católicas e depois estudou em uma escola
pública. Chegada a Porto Alegre Liba é matriculada na Escola de Educação e Cultura, no final da Oswaldo
Aranha, no Bom Fim, que originaria o Colégio Israelita Brasileiro. Ingressa na
terceira série sem saber uma palavra em português, que aprende junto com
iídiche e com o hebraico. Das três línguas duas eram completamente novas para
ela e de iídiche, mesmo que fosse a língua falada por seus pais, nunca havia
aprendido sua escrita. Nos cálculos de aritmética levava vantagem sobre seus
colegas, pois os faz em polonês, sua língua materna. Os pais, não sem
sacrifícios, conseguem uma professora para ensinar português para as três meninas.
Em 1931 e 1932, Liba faz a 3ª e a 4ª séries no Colégio Israelita e, em 1933 e 1934, a 5ª e a 6ª séries no
Grupo Escolar Paula Soares.
Em 1935 realiza um sonho: ser normalista para tornar-se
professora primária. Ingressa, por seleção pública, na Escola Normal General Flores da Cunha , o
Instituto de Educação. Em 1937 concluí o curso. Com 16 anos a menina que há 7
anos chegava a Porto Alegre sem saber uma palavra em português era uma
professora destacada.
Agora Liba é uma profissional. Inicia suas atividades de
magistério, em 1938, na escola onde começara como aluna no Brasil: o Colégio
Israelita Brasileiro. Um ano depois, começa trabalhar no Colégio Batista.
Primeiro como auxiliar da Escola Infantil para logo em seguida tornar-se
professora de português, à noite, em um curso de jovens e adultos. Porém, vivia-se
a Segunda Guerra Mundial que interferia na vida da jovem professora. Uma
estrangeira não podia lecionar Português, História e Geografia do Brasil. A
Inspetora Professora vem ao Colégio Batista e faz um termo assumindo a
responsabilidade e autoriza Liba a lecionar. Um excelente exemplo de superação
da burocracia com bom senso.
Aos 18 anos, em 1940 naturaliza-se brasileira e em 1943, mesmo
já sendo professora há seis anos, presta os exames do Artigo 100 para
regularizar sua situação escolar pertinente ao ensino fundamental. Integra-se
fortemente no país que o seu pai escolhera como a nova Pátria.
Em 22 de junho de 1946, Liba realiza um novo sonho de mulher.
Contrai núpcias, para usar uma expressão dos registros sociais de então, com Ruben Knijnik, um
jovem promissor estudante de medicina, já muito conceituado e pertencente a uma
das famílias mais influentes da comunidade judaica gaúcha. Era um pouco a
história da menina pobre que casa com o moço rico. A senhorita Weissblüth se
torna a Senhora Knijnik. Isso é significativo na ascensão social da jovem
professora.
A maternidade, que no primeiro lustro dá ao jovem casal três
filhas, não priva o magistério da professora entusiasmada. Conjuga as condições
de esposa recém alçada a outra estatura social e de mãe sempre extremosa, com
continuado ser professora.
Se este texto, que busca trazer ilustrações sobre uma mulher
educadora tivesse apenas um segmento, seria este em que se precisaria buscar as
mais fortes tonalidades na palheta de fazeres da Liba. Foi no Instituto de
Educação, I.E., no entorno em que a instituição ícone de formação de
professoras e professores primários no Rio Grande do Sul se fazia centenária,
que Liba fez história e ajudou mudar a história da casa de ensino a qual se
dedicou muito intensamente. Ser formadora de professoras e professores, por
mais de um quarto de século no Instituto de Educação foi distintivo na carreira
de Liba. Nas limitações deste texto não posso trazer muitos detalhes.
Em 1955, a atarefada professora abre uma nova frente. Quer se
preparar ainda melhor. Faz vestibular para o Curso de Pedagogia da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Por sua classificação - 1º
lugar -, recebe uma bolsa que consistia na liberação da regência de
classe, mas simultaneamente surge a oportunidade de tornar-se Professora
Assistente de Didática do Curso Normal no I.E. Mais um grande sonho, então,
passa a tornar-se realidade: formadora de professoras e professores. Não tem
dúvidas na opção. Mesmo com três meninas menores de sete anos, decide cursar a
Universidade e assumir o ensino de Didática, abrindo mão da bolsa de estudos. É
assim esposa, mãe, aluna e professora. Reconhece ter sido esse um período de
muito intensas atividades. Em 1957 recebe o título de Bacharel em Pedagogia e
em 1958 cola grau como Licenciada em Pedagogia, tendo obtido média 9,26 nos
quatros anos de curso, classificando-se em 2º lugar.
Em 1960, por razões familiares residiu em Buenos Aires. Então
colaborou no Setor Cultural da Embaixada do Brasil desenvolvendo atividades no
Centro de Estudos Brasileiros. Na mesma oportunidade teve participação na
comissão do Ministério de Educação e Justiça da Argentina encarregada de
elaborar um projeto para formação de professores.
De volta à Porto Alegre, há um período de grandes atividades no
I.E. onde desempenha as atividades diversas dentro da carreira docente. Em
1979, após a morte de Ruben, ingressa no Curso de Mestrado do Programa de Pós
Graduação em Educação da UFRGS. Obteve o título de Mestre em Educação, na área
de concentração Ensino com a dissertação “Criatividade no ensino” em
1981.
Na intensa atividade de ser formadoras de professoras e
professores marcada com um continuado e intenso aperfeiçoamento profissional há
uma atividade, entre muitas, que merece um destaque especial: as Classes laboratórios. Nesse fazer,
muito provavelmente, está a marca que faz Liba uma educadora muito distinguida.
As Classes laboratórios
estão extensamente documentadas no livro Apostando no Aluno que está
comentado no segmento seguinte. Foi uma tarefa ingente. O livro foi escrito
pois a equipe acreditava que atingiriam colegas que vendo a coragem do
grupo teriam coragem de fazer uma escola mais humana.
Hoje, mais de 30 anos depois da experiência que marcou a
Educação entre março de 1976
a dezembro de 1980, Liba ainda recorda emocionada a
realização e a credita especialmente a um grupo de colega que com ela teve a
coragem de mudar a Escola. Acredito que esse assunto mereceria ser estudado e
poderia ser excelente tema para uma dissertação ou tese em um Programa de
Pós-Graduação em Educação na linha de História da Educação brasileira.
Não posso na limitação deste texto me estender em comentários.
Trago apenas o meu encantamento com a experiência e reconhecimento pala coragem
que tiveram aquelas mulheres que há tempo que já se faz distante pesavam em uma
Educação cuja marca era apostar nos alunos e nas alunas.
Quando professora primária e quando formadora de professoras e
professores tinha uma divisa: entusiasmar pela leitura. Os meios de reprodução
de textos eram ainda precários no começo da segunda metade do século 20. O
mimeógrafo álcool, predecessor do xerox era ainda muito pouco usado. O processo
mais usual de reprodução então eram as cópias onde se usava uma matriz posta
sob uma camada de gelatina. Liba queria que seus alunos e alunas tivessem
materiais de melhor qualidade. Organiza um livro formado por uma antologia em
prosa e verso de autores gaúchos e brasileiros, onde cada texto está apenas no
anverso de uma folha, que pode ser destacada e levada para os cadernos dos
estudantes. O livro é impresso pelo próprio Instituto de Educação e se
constituí em uma festejada inovação em termos de material escolar.
Em 1961, publica pela Tipografia Santo Antônio – Pão dos Pobres,
de Porto Alegre outro livro “Artes da linguagem Aspecto gramatical” onde
relata uma experiência que coordenou e que foi realizada por uma equipe de
professoras do Instituto de Educação “Gen. Flores da Cunha ”. Este
texto de 167 páginas é fundamentado em bibliografia nacional e em língua
inglesa e francesa, acrescido de textos de gramáticos de renome. É um relato
muito bem documentado da experiência realizada, durante cinco anos, por 18
professoras primárias supervisionadas por duas professoras de português, duas
de didática do Curso Normal e uma de literatura infantil.
Liba tem em três netas e
um neto razões muito importantes de seus fazeres. Cada uma e cada um têm na avó
motivos de muitos encantamentos. Preparou o ingresso de todos à Universidade. É
ainda uma especialista em língua portuguesa e suas aulas foram decisivas no
período do vestibular. Vibrar com os sucessos em cada uma das etapas da
escolarização foi sempre uma das razões de encantamento de uma avó muito coruja
e muito amada pelas netas e netos que já lhe deram três bisnetos.
Talvez um dos maiores legados que Ruben Knijnik tenha deixado
para Liba foi um invejável envolvimento com arte brasileira contemporânea. Ele
era um mecenas das artes e muitos artistas gaúchos começaram com sua
inestimável ajuda financeira. Não é sem razão que em seu jazigo, no cemitério
israelita haja uma linda escultura de Stockinger e na rua com que a cidade de
Porto Alegre o homenageou conste “Médico e Protetor das Artes”.
Hoje Liba é uma conhecedora de artes. Visitas a museus e
galerias são momentos importantes da agenda de todas as suas continuadas
viagens nacionais e internacionais; estas em geral associadas a cursos de
alemão e de inglês. Livros e revistas de artes e catálogos de museus e de
exposições compõem a sua admirada biblioteca.
Hoje poucas situações empolgam tanto esta mulher já há três anos
nonagenária do que se envolver em política partidária. Filiada ao Partido dos
Trabalhadores há muitos anos, foi presença constantes nas plenárias zonais, nas
reuniões de comitês, nas votações em prévias e, especialmente, no envolvimento
nos pleitos municipais, estaduais e nacionais.
Mas há um momento em que se transfigura. Quanto se envolve no
convencimento de suas posturas e busca angariar votos para o PT. Houve tempos
em que saia com sua bandeira vermelha com a estrela amarela para fazer
panfleteação. Mesmo que, como muitos de nós, que por o PT não ser mais o daquele tempo em que também nós saíamos
com bandeiras, ela continua uma militante engajada em um espraiado
comprometimento na luta por um mundo melhor, sendo uma vigilante batalhadora
pela justiça social, pela educação pública de qualidade para todos.
Ela tem convicções — e nisso é um exemplo para muitos — na
possibilidade de transformações na Sociedade em que vivemos, na qual vislumbra possibilidades
de uma mais justa distribuição de oportunidades para um maior número de
mulheres e homens.
Se alguém tentasse imaginar a agenda da Liba muito provavelmente
se enganaria. Sua mesa de trabalho é sempre plena de livros abertos. Prepara
uma fala em alemão para apresentar no curso de que frequenta. Além disso,
estuda inglês, estuda informática e frequenta uma academia de ginástica.
Consulta seu correio eletrônico e não dispensa a leitura de dois
ou três jornais diários. Está a par de todas as notícias especialmente daquelas
que envolvem a política nacional. As filhas ainda a fazem, com muita frequência,
primeira leitora de seus textos acadêmicos, aos quais não é apenas competente
revisora de língua portuguesa, mas a crítica arguta dos conteúdos, mesmo que os
textos versem sobre etnomatemática, o filosofar de Wittgenstein ou estudo de
algum caso psicanalítico. Estas leituras a tornam atenta ao que esta
acontecendo no mundo acadêmico, especialmente o que é relacionado com a
Educação.
Fiz tessituras. Juntei fragmentos. Fiz-me um pouco hermeneuta.
Produzi um texto que a cada momento me fez aumentar a minha admiração pela
amorável mulher que esbocei neste ensaio.
Meu caro amigo professor Chassot:
ResponderExcluirAcordei e logo li a belissima homenagem que você prestou a sua sogra, a nossa também querida e admirada Liba. Foi uma bela postagem, muito esclarecedora - para nós distantes - sobre a história de vida dessa mulher, tão brasileira quanto gaúcha. Nessa avançada idade, faz bem saber o quanto ela é ativa. Cumprimento-o pela candente homenagem e estendo esses cumprimentos para a liba, a quem envolvo em afetuoso abraço, juntamente com a Gelsa, também merecedora deste meu afago.
Grande abraço do
José Carneiro
Meu caríssimo amigo José Carneiro,
ResponderExcluirem nome da Liba, da Gelsa e em meu próprio agradeço a carinhosa homenagem que chega da querida Belém. Vou usar uma expressão gélsica para referir a tua manifestação: "Sabes pegar carona nas alegrias dos outros" isso é bonito.
Com estima e admiração,
ac
Querida Liba,
ResponderExcluiré bom vibrar pela data de hoje e o melhor é agradecer teu exemplo para nós.
Bernardo,
Mestre Chassot!
ResponderExcluirNão conheço nem a Liba e nem a Gelsa! Mas o senhor e Gelsa são dois privilegiados
LLL
Pai,
ResponderExcluirQue trajetória longa e rica, uma história de superação.
Bjs André.
Existem pessoas que decididamente não vieram a esse mundo a passeio, arregaçam as mangas e constroem um mundo melhor. Parabéns D. Liba por nos ensinar a viver.
ResponderExcluirAbraços
Meu muito estimado amigo Antonio Jorge!
Excluirquando escrevi esta blogada lembrei-me de tua mãe. Mesmo não a conhecendo pessoalmente, sei ter ela uma história significativa e vive alargada idade. Também a ela admiração.
ac
Eis uma das virtudes do homem: o reconhecimento. Linda parte da história de dona Liba. Bela homenagem. Certamente uma das fontes da vossa sabedoria.
ResponderExcluirGrande abraço.
Receba a nossa homenagem e admiração Liba pelo exemplo de mulher que és! Um grande abraço ! Clarissa e familia
ResponderExcluirPai que linda homenagem que fizeste para a Liba. Ela merece muito. Li com carinho todo o texto e fiquei admirada com várias partes. Parabéns Liba pela data de hoje e por toda tua linda trajetória. Com carinho Ana Lucia Chassot
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