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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

31.- EVOCANDO UM HISTÓRICO 31 DE OUTUBRO



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2282
Hoje é feriado em alguns munícipios do Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, provavelmente, em outros estados. Vibro quando religiões não hegemônicas conseguem algum feriado. Feriados religiosos nacionais, estaduais e municipais são em sua maioria católicos.
Em Rondônia, dia 18 de junho é feriado estadual: ‘Dia do evangélico’. Por que hoje é um feriado não católico em vários municípios brasileiros?
Porque em algumas comunidades grupos religiosos usualmente dominados tiveram vez. No dia 31 de outubro, celebra-se o Dia da Reforma Protestante. Assim comunidades luteranas, em geral, originárias de colonização alemã, conseguiram entre os feriados municipais, fazer de cada dia 31 de outubro, dia festivo.
Neste dia, no ano de 1517, Martinho Lutero, em alemão Martin Luther, (Eisleben, 10 de novembro de 1483 — Eisleben, 18 de fevereiro de 1546), um sacerdote católico agostiniano e professor de teologia afixa nas portas da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, as 95 teses contra a venda de indulgências. Na pintura cena da afixação com uma das teses; a outra ilustração mostra teses em alemão gótico.
Indulgência é o mérito, por boa ação ou compra, da remissão da pena dos pecados. Verdadeiros abusos eram cometidos nesta época. As pessoas achavam que não precisavam mais da graça, da fé, da palavra de Deus, nem de Jesus Cristo, compravam uma carta de indulgência e pronto, a salvação estaria garantida. Era o pensamento da época. Era a onda religiosa do momento.
Martim Lutero argumentou contra isso. Ensinou que a Igreja devia pregar a salvação pela graça e fé, mediante a ação de Jesus Cristo, revelado nas Sagradas Escrituras. Com certeza, nem ele tinha consciência das proporções que tomaria este movimento. Novas rupturas e até novas guerras se justificaram a partir de então. Mas também uma autêntica e verdadeira vivência do Evangelho volta a se fazer presente, entre católicos e protestantes, motivada pela atitude de Lutero.
Esta denúncia pública às práticas da igreja romana não tinha o intuito de cisão. Mas, esta houve e foi muito maior que separar de Roma a igreja alemã, igrejas outros países — especialmente os europeus escandinavos — se fizeram protestantes (ou luteranas). Todavia, muito mais significativo que o cisma, foram as consequências políticas, sociais, econômicas, culturais e educacionais.
Na edição inaugural de novembro o assunto volta à analise. Aguardem a blogada de amanhã.
Não sei de muitos leitores em cidades onde hoje é feriado. Faço votos de um bom feriado à Elzira, de Maravilha, Santa Catarina. Agradar-me-ia saber de outros leitores que hoje curtem a evocação daquele histórico 31 de outubro de 1517.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

30.- COPÉRNICO TRAÍDO



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2281
Aqueles de nós que se envolvem com História e Filosofia da Ciência criam seus gurus. Ouvirmos falar deles sempre é emoção.
Ontem, nos encantamos com um coetâneo (Zygmunt Bauman). Hoje, também, produto de leituras domingueiras. trago uma figura quase mítica: Nicolau Copérnico (1473-1543). Ele viveu em um dos períodos mais singulares da História — a transição do medievo para os tempos modernos — descoberta da América, Reforma Protestante (data que será celebrada, aqui, amanhã).
Apresento Copérnico traído escrito por Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Gleiser tem sido, com bastante frequência, trazido neste blogue.
No excelente artigo publicado na Folha de S. Paulo, de domingo 28OUT2012, se observa que, mesmo tendo dedicado seu grande tratado ao próprio papa, provavelmente não era a Igreja Católica que ele temia.
Antes de trazer o texto comentário sobre as duas ilustrações: uma é a capa (tomada da Wikipédia) de seu revolucionário livro: “De revolutionibus orbium coelestium” — central no artigo aqui reproduzido — que esteve no index até 1835. A outra é uma foto do monumento a Copérnico, no bosque João Paulo 2º (Bosque do Papa) em Curitiba.
Conheço vários monumentos ao polonês mais famoso (em Porto Alegre, há um na frente do Planetário, que descobri recentemente e que parece ser o que estava em frente ao auditório Araújo Viana). 
Este da capital do Paraná, edificado com a colaboração da colônia polonesa, é o que mais me encanta pela sua beleza e imponência.
Agora, o texto anunciado.
Nos séculos 16 e 17, o que você pensava sobre o Cosmos podia lhe custar a vida; se não a vida, ao menos a liberdade e a integridade física. Imagine viver numa sociedade na qual o arranjo dos céus, por fazer parte da interpretação teológica da Bíblia, era determinado não pela ciência, mas pela fé. Essa era a época em que viveram Copérnico, Galileu e Johannes Kepler, os pioneiros da chamada Revolução Copernicana.
Copérnico trabalhava para a Igreja Católica na Polônia como uma espécie de administrador local. Mas, embora houvesse estudado medicina e jurisprudência, seu interesse real estava nos céus.
Em 1500, todos acreditavam que a Terra era o centro do Cosmo e que o Sol, a Lua e os planetas giravam à sua volta. Em 1510, Copérnico escreveu um pequeno tratado propondo algo inteiramente diferente: o Sol era o centro e a Terra girava à sua volta, tal como todos os planetas.
Ele resolveu testar a recepção da ideia distribuindo o trabalho para alguns intelectuais e membros do clero. Ao contrário do que muitos pensam, a Igreja Católica não tinha ainda uma posição oficial contra o sistema heliocêntrico (o Sol no centro). Quem se manifestou contra Copérnico foi Martinho Lutero: "Há aí um astrônomo que diz que a Terra gira em torno dos céus. O tolo acha que vivemos num carrossel". Fora isso, nada de muito dramático ocorreu com Copérnico e seu tratado.
Apesar de sua fama crescente como excelente astrônomo, Copérnico só foi publicar sua grande obra, o resumo do trabalho de toda a sua vida, em 1543.
Alguns afirmam que ele temia os outros astrônomos, pois sabia que seus dados não eram dos melhores: construiu seu sistema usando medidas astronômicas tiradas por Ptolomeu em 150 d.C. e por astrônomos árabes durante a Idade Média — Copérnico era mais um arquiteto do que um observador.
Talvez se preocupasse também com os luteranos, que avançavam em seu domínio na Europa Central. Mas quando, devido à insistência de seu único pupilo, Rheticus, ele termina o tratado, Copérnico o dedica ao papa! Certamente não era a Igreja que ele temia.
Na época, publicar um livro significava passar um tempo junto com o editor, acertando todos os detalhes. Como era já bem velho, Copérnico manda Rheticus para Nuremberg de modo a tomar conta disso.
Só que o rapaz era homossexual e acabou sendo expulso da cidade. Na pressa, deixou o manuscrito aos cuidados de Andreas Osiander, um teólogo luterano conservador.
Péssima escolha. Osiander, representando o pensamento de sua igreja, acrescenta um prefácio anônimo ao livro, dizendo que o sistema ali proposto era apenas um modelo matemático que ajudava no cálculo das posições planetárias, nada dizendo sobre o real arranjo dos céus, que permanecia geocêntrico.
Nesse meio tempo, Copérnico sofre um derrame e só recebe as provas do livro na cama. Segundo os relatos, ao ler o prefácio, compreendendo a dimensão da traição de Osiander, Copérnico morre no mesmo dia. Apenas em 1609 é que Kepler desmascara a traição, argumentando que Copérnico jamais teria escrito tal coisa. Copérnico morreu traído, mas é imortalmente celebrado como um dos heróis da história do pensamento.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

29.- OS CANAPÉS DE BAUMAN



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2230
Quase parece natural que nas segundas-feiras as blogadas desaguem em produto de leituras de jornais, algo sempre saboroso das manhãs de domingo. A de ontem foi muito especial.
Lembro, ainda nos anos 1990, quando amealhava recortes de jornais e revistas e os levava numa agência da Varig, para a Gelsa recebe-los em agência da ‘embaixadora do Brasil’ na Europa. Era uma maneira de amainar saudades.
Este semestre que separação se estenderá por mais de uma centena de dias, temos lido jornais muito juntos, aos domingos, mesmo que ela esteja em Aalborg, na Dinamarca (e não lhe possa alcançar o chimarrão). O Skype é um bálsamo para a saudade.
Ontem lemos vários artigos e notícias: ela folhando jornais em suporte digital e eu em papel. Fizemos uma ‘dosimetria’ e escolhemos juntos um texto de Henrique Goldman para tecer a blogada da abertura da semana que despedirá outubro. Ela e eu desejamos que saboreiem Os canapés de Bauman - Leeds, 2011. Eles só puderam ser oferecidos porque, no ano passado, Zygmunt Bauman não pode vir a Porto Alegre participar do “Fronteiras do Pensamento”.
Eu estava em Londres, no ano passado, quando fui contatado pelo ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento para gravar em Leeds uma entrevista com Zygmunt Bauman, escritor e sociólogo do qual — santa ignorância! — nunca tinha ouvido falar.
Bauman é um dos maiores pensadores da atualidade, autor de livros como "Vida Líquida" e "Medo Líquido", entre dezenas de outros. Com percepção agudíssima do mundo e um texto mais poético do que acadêmico, é mestre em expor o elo invisível entre temas na aparência desconexos, como a vida de Sócrates (o filósofo, mas poderia ser o jogador) e o Facebook, Jean Paul Sartre e a ONU ou Barack Obama e a psicanálise freudiana.
Quando Bauman abriu a porta de sua casa, levei um choque. Fisicamente, era como imagino que serei aos 88 anos. Numa espécie de déjà-vu às avessas, senti que encontrava comigo mesmo no futuro. Um dia, já velho, talvez recordasse o encontro com um jovem (que era eu) — como num conto de Borges.
Zygmunt Bauman e o cineasta Henrique Goldman [autor do texto transcrito da Ilustríssima da Folha de S. Paulo de ontem, 28OUT2012] durante a entrevista na casa do sociólogo em Leeds
Senti de imediato um carinho gigantesco por aquele velhinho. Entrando na casa apinhada de livros, cheirando a Leste Europeu, fiquei com vontade de perguntar se ele também se reconhecia em mim, mas, com vergonha de parecer presunçoso, me contive.
Depois, quando vim a saber que ele nasceu em Poznan, na Polônia, a poucos quilômetros de onde nasceram meus avós paternos, passei a achar que provavelmente descendemos de uma mesma Eva mitocondrial judaico-polonesa.
A caminho de Leeds, a equipe de três cinegrafistas e eu já tínhamos almoçado e estávamos atrasados. Queríamos começar logo a entrevista, mas Zygmunt nos conduziu até a sala de estar, onde um verdadeiro banquete, preparado por ele mesmo, estava servido.
Era uma enorme variedade de canapés, saladas, frios, tortas e sobremesas. Insistimos em primeiro fazer a entrevista para depois comer, mas ele foi inflexível.
Como uma mãe judia, estava mais interessado em nos alimentar do que em dissertar sobre a vacuidade das relações interpessoais em tempos de globalização. Quando, já farto, recusei o segundo pedaço de cheesecake, ele disse: "Por favor, me dê mais uma chance. Só mais um pedacinho".
Na maravilhosa entrevista que concedeu ao Fronteiras do Pensamento (que pode ser vista em bit.ly/zigbauman ), ele fala de temas como conflitos de identidade, obsolescência da nação-Estado e ambivalências da vida.
Mas, numa pausa, ele me levou a uma salinha ao lado, onde, acendendo seu cachimbo, me falou -com enorme senso de humor- da sua vida: solidão, dores da velhice e o passado que não volta.
No dia seguinte, escrevi um e-mail a um amigo: "Conheci Zygmunt Bauman, um velhinho maravilhoso por quem estou apaixonado. Não paro de pensar em tudo o que ele disse e de reviver cada momento. Nunca uma pessoa me comoveu tanto pela combinação de inteligência e sensibilidade".
Passei a devorar tudo o que ele escreve e escreveu. Sua voz e seu olhar são absolutamente presentes, mas parecem emanados das profundezas de tempos passados -para dissecar e revelar o nosso.
Desde aquele primeiro encontro, aquela forte impressão de espelho do tempo e déjà-vu ao avesso se dissipou, mas não a admiração e a vontade de ouvi-lo.
Sempre que posso, arrumo uma desculpa e volto a Leeds para revê-lo. Sou invariavelmente recebido com banquetes nababescos. Eventualmente temos conversas sérias.
Desde que conheci Zygmunt, engordei uns quilinhos. É uma relação que me nutre muito.
E, eu acrescento: mesmo que se Bauman só servisse pão dormido e água, certamente, ainda causam uma santa inveja estas visitas. Quisera estar em Leeds, para fruir de alguma

domingo, 28 de outubro de 2012

28.- QUALQUER SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2279
Não posso resumir esta domingueira a um simples ensaio imagético. Não resisto a transcrever um excerto de meu diário de ontem: “Levitava ao descer ao Morro Milenar, quase 13 h, temperatura de 30ºC. À satisfação de minhas falas de terça-feira e da noite de ontem, junto as duas desta manhã. Estas quatro foram muito especiais por serem no meu lócus de trabalho, pois sei que ninguém é profeta em sua própria casa, mas...” Claro que não vou escrever aqui que acho que contrariei os evangelhos, pois sei que orgulho ainda é pecado.
De jornais de ontem: Um bebê macaco que lembra o famoso físico Albert Einstein foi visto no parque nacional de Taiping, na Malásia. O animal estava acompanhado da mãe e foi fotografado pelo professor Mihail Nazarov.

"Assim que vi o bebê macaco, meu primeiro pensamento foi que parecia o Einstein e que eu precisava tirar umas fotos para provar isso", contou o professor ao jornal "The Sun". O macaco é da espécie Macaca arctoides.  
Vale comparar as duas fotos. A elas adito votos de um muito bom domingo a cada uma e cada um.

sábado, 27 de outubro de 2012

27.- HÁ QUE SEMEAR LIVROS A MANCHEIAS



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2278
Chegamos a um fim de semana. Mesmo sem viagem a semana foi densa em atividades no Centro Universitário Metodista do IPA. Além de aulas de Teorias do Desenvolvimento Humano em duas turmas, na terça-feira tive a fala “Um fim de tarde com Ciência” para docentes do curso de Enfermagem. Ontem, à noite, desenvolvi o tema "Criação ou transformação do conhecimento: como se dá o conhecimento científico?" em seminário da Profa. Marlis Morosini Polidori, no Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão. Esta manhã, tenho duas falas: uma “O gênero da Ciência” no seminário Educação e Inclusão que partilho com o Prof. José Clovis de Azevedo; outra: Sala de aula: limite ou transgressão? em parceria com o Prof. Jeferson Dutra, no Encontro de formação continuada de Docente do IPA.
Em uma reunião de trabalho, quando era professor de outra Universidade, usei lateralmente a expressãoEla dissemina...’ e imediatamente recebi o protesto de uma muito competente (e não radical) linguista. Argumentava: Se semente é o resultado da fecundação do óvulo pelo sêmen, a inseminação, a disseminação, a semeadura são ações masculinas que envolvem colocação do esperma. Logo não parece correto referirEla dissemina...’ podendo todavia dizerEle dissemina...’. Parece quase certo que essa observação não deve ter a adesão nem dos linguistas mais ortodoxos. Penso queexagero. Há um tempo referir-se a um homem como histérico, podia ser objeto de uma vaia, até porque se acreditava quea histeria era uma doença nervosa que, supostamente, se originava no útero, caracterizada por convulsõeshoje a psicanálise define a histeria comoneurose na qual as moções pulsionais sofrem especialmente recalque e são inconscientemente traduzidas em sintomas corporais” e a psiquiatria comoneurose que se exprime por manifestações de ordem corporal, sem que haja qualquer problema orgânico funcionalHoje se fala até em histeria coletiva e, certamente, nesse universotambém homens.
Mas trago esse preâmbulo sem me ater à discussões epistemológicas, pois queria falar de outra semeadura. Não vou discutir as sementes que não são sementes. Hoje quero falar de disseminar livros, ou como pregava Monteiro Lobato “há que semear livros a mancheias”. Linda essa metáfora lobatiana de semear livros. E essas sementes são do tipo crioulas ou caipiras, logo fecundas. Não são daquelas híbridas que a biopirataria torna estéril em uma segunda geração e que foram várias vezes objeto de comentários aqui.
Quero falar de um seminário – e vou de novo a etimologia de semente e aqui seminário é ‘canteiro onde se semeiam vegetais que depois serão transplantados’que faz semeadura de livros. Refiro-me à sementeira de leituras, que quer ser a cada sábado este blogue, honrando uma tradição que começou em 4 de abril de 2009, por sugestão do leitor Marcos Vinicius Bastos, então meu aluno no curso de História do Centro Universitário Metodista do IPA.
Neste mês de outubro, abri pelo menos uma dúzia de palestras e aulas homenageando (como fiz aqui em 02OUT12) o renomado historiador britânico de esquerda Eric Hobsbawm, cuja obra influenciou estudantes e políticos por toda a Europa e em outras partes do mundo, morreu em um hospital público de Londres na segunda-feira, dia 1º aos 95 anos. Ele semeou livros a mancheia.
Queria, nesta homenagem, dentre dezenas destacar um: Pessoas extraordinárias: Resistência, Rebelião e Jazz. (São Paulo: Paz e Terra, 1998, 432 p. ISBN 83-219-0319-7) ele contempla pessoas cujos nomes são conhecidos apenas pelos parentes e pelos vizinhos.
É desta forma, aparentemente pouco convidativa, que o ilustre historiador, nos convida para conhecer, por exemplo, a história de um sapateiro ou de um mineiro que chegou a prefeito de sua cidadezinha.
As pessoas extraordinárias desfilam no sumarento livro em quatro passarelas distintas: 1) a tradição radical, com 10 capítulos, onde conhecemos, por exemplo, o nascimento de um feriado: primeiro de maio. 2) camponeses, com três capítulos, sobre a ocupação de terras por camponeses. 3) história contemporânea, com 5 capítulos, onde conhecemos sobre o Vietnã e a dinâmica das guerrilhas e Maio de 1968. 4) Jazz, com oito musicais capítulos, dos quais um sobre Billie Holiday.
Espero que o aperitivo trazido tenha seduzido leitores. Para mim foi muito bom retomar o livro para com ele desejar o melhor sábado a cada uma e cada um.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

26.- COMO SE CONSOME JORNAIS



Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2277
Há um pouco mais de uma semana (QUA17OUT) contei aqui de uma experiência de uma conversa de almoço na UNICAMP onde eu era o único que lia (ou assinava) jornal em suporte papel. Senti-me da ‘idade da pedra’. A curiosidade levou-me querer saber quem lê os quase 700 jornais diários pagos que circulam no Brasil. Na página da Associação Nacional de Jornais [www.anj.org.br] há informações preciosas e assim não as trago aqui. No meu imaginário, por exemplo, seria um hábito masculino. Não! É praticamente igual o percentual entre homens e mulheres.
Nos meios jornalísticos é quase senso comum apontar a imprensa como um 'grande poder' dentro do Estado. É quase indiscutível a sua importância atual. Dificilmente se pode avaliar todo o seu prestígio.
Carlos Heitor Cony, no meu juízo um dos mais categorizados cronistas hodiernos — diz que em realidade, é missão da imprensa continuar a educação do povo até uma idade avançada. Se aceitarmos isso, há que convir quanto ele falha nisso. A manipulação acerca do desfecho da novela na semana passada é um exemplo de deseducação (Contracapa da Ilustrada da Folha de S. Paulo, 21SET12).
Para Cony (idem), “os leitores de jornais podem ser divididos em três grandes grupos: 1º, o dos que acreditam em tudo que leem; 2º, o daqueles que já não mais acreditam em coisa alguma; 3º, o dos que submetem tudo o que leem à crítica para chegarem a um julgamento seguro.
O primeiro grupo é muito mais numeroso que os outros. Compõem-se da grande massa do povo e, por isso mesmo, da parte intelectualmente mais fraca da nação. Não pode ser designado por classes, mas pelo grau de inteligência.
A esse grupo pertencem todos os que não nasceram para ter pensamento independente ou não foram educados para isso e que, em parte por incapacidade e em parte por falta de vontade, acreditam em tudo que lhes é apresentado em letra de fôrma. A essa classe também pertencem os preguiçosos que podem pensar mas, por mera indolência, agradecidos, aceitam tudo o que os outros pensam, na suposição de que esses já chegaram a essas conclusões com muito esforço.
Para toda essa gente, que representa a grande massa do povo, a influência da imprensa é fantástica. Eles não estão em condições, por falta de cultura ou por não o quererem, de examinar as ideias que se lhes apresentam. Assim, a maneira de encarar os problemas do dia é quase sempre resultado da influência das ideias que lhes vêm de fora.
Essa situação pode ser vantajosa quando os esclarecimentos que lhes são dados partem de uma fonte séria e amiga da verdade, mas constitui uma desgraça quando têm sua origem em pulhas e mentirosos.
O segundo grupo é muito menor quanto ao número. Em parte é composto de elementos que, de começo, pertenciam ao primeiro grupo e que, depois de amargas decepções, passaram para o lado oposto, e não acreditam em mais nada que lhes seja apresentado em forma impressa. Esses têm ódio a todos os jornais, não os leem ou irritam-se contra tudo o que neles se contém, convencidos de que neles só se encontram mentiras e mais mentiras. É difícil manobrar com esses homens, porque para eles a própria verdade é sempre vista com desconfiança.
O terceiro grupo é de todos o menor. Compõe-se dos espíritos de elite que, por naturais disposições intelectuais e pela educação, aprenderam a pensar com independência, que, sobre todos os assuntos, se esforçam por formar ideias próprias e que submetem todas as suas cuidadosas leituras a um crivo pessoal para daí tirar consequências.
Esses não lerão nenhum jornal sem que as ideias recebidas passem por um exame. A situação do editor não é nada fácil.
Para os que pertencem a esse terceiro grupo, o erro que um jornal possa perpetrar oferece pouco perigo e é de muita significação.
No decurso de sua vida, eles se acostumaram a ver, com fundadas razões, em cada jornalista, um patife que, só por exceção, fala a verdade. Infelizmente, o valor desses tipos brilhantes jaz apenas na sua inteligência e não no número, o que constitui uma infelicidade em uma época em que a maioria e não a sabedoria vale tudo!"

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

25.- SOU AMERICANO, MAS NÃO ESTADUNIDENSE.




Ano 7*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2276
Nesses dias — de maneira continuada — somos lembrados de eleições. Não aquelas que ocorrem no próximo domingo, em algumas cidades brasileiras, onde há segundo turno. Estão mais na vitrine — pela sua indiscutível importância — aquelas do próximo dia 6 de novembro, ditas como ‘a eleição americana’. Se, americanas porque só nos é permitido torcer nelas e não votar? Somos também americanos.
Aliás, torcida — nada mais que um pensamento mágico [¿o que muda com o meu torcer?] — com sabor de decepção, quando vejo que o ‘meu candidato’ (que até ganhou o Nobel da Paz) tem como um dos seus principais trunfos ter caçado e morto Bin Laden.
Mas desejo, retomar algo acerca de que já escrevi algumas vezes. A imprensa brasileira e mesmo de outros países latinos emprega o vocábulo (tanto substantivo como adjetivo) americano, para indicar nascido nos Estados Unidos, ou algo desse país. Por doutrinação (ou assimilação) este uso ocorre mesmo entre a maioria dos falantes, mesmo aqueles que são críticos, logo atentos com suas falas, mesmo que qualquer bom dicionário da língua portuguesa registre estadunidense.
O Aurélio define corretamente, mas remete a norte-americano (que diz ser nascido nos Estados Unidos, excluindo aqui os mexicanos há muito vítimas de espoliações maiores por seus vizinhos, dos quais são separados uma por uma cerca eletrificada – e os canadenses).
O Houaiss mesmo que dicionarize corretamente estadunidense, coloca como sinônimo de americano ou norte-americanoeste dicionário que me lembra que os esquimós da Groenlândia e do Canadá são norte-americanos e eu acrescento que aqueles do Alasca – o maior e menos densamente povoado dos 50 estados –, também são americanos, ou mais precisamente norte-americanos, e também são estadunidenses, desde a boa compra do Alasca feita da Rússia, em 1867, por cerca de cinco centavos de dólar por hectare).
Assim, há também outro erro no referir-se aos estadunidenses como norte-americanos, ignorando que também canadenses e mexicanos são norte-americanos. Isso seria ‘natural’, se redigíssemos em inglês, pois sabemos que em língua inglesa não existe outro gentílico que americans para referir aos nascidos nos Estados Unidos. Há, para a mesma designação, a abreviatura amer e também a palavra yankee, aportuguesada como ianque.
Muito provavelmente, a grande maioria os leitores deste texto sejam americanos, mas quase nenhum estadunidense. Lateralmente vale dizer que em espanhol há o gentílico estadounidense (mas, os jornais espanhóis usam amiúde, americano e norte-americano; e, para distinguir: sudamericano). Em italiano, statunitense (ou nordamericano). Em francês, o mais corrente é américain; mesmo estando dicionarizado: étatsunien e étatsunisien, sendo que estes dois gentílicos não são quase usados. Em alemão: o mais usado é Amerikaner, Nordamerikaner (Südamerikaner, para fazer a distinção), todavia no idioma de Goethe há a forma US-Amerikaner para melhor caracterizar os nascidos nos EUA.
O uso do gentílico americano por estadunidense parece a tradução da prepotência desta nação, fazendo do gentílico continental algo de sua posse. É quase natural o desconhecimento na imprensa e pelo comum das pessoas do gentílico estadunidense. Afortunadamente eles não se apoderaram, ainda, do gentílico que nos é tão caro: latino-americano. Aliás, na xenofobia estadunidense, cada vez mais se dificulta a entrada de latino americanos no Estados Unidos.
Também esta é uma apropriação dos Estados Unidos é indébita. Sonhadoramente desejo que se deixe de usar americano e norte-americano como gentílico identificador de apenas um dos países do continente. Aliás, na África há outro país, que como os Estados Unidos da América se apropria do nome do continente. Os habitantes da minúscula Suazilândia não são também sul-africanos? E não é a mesma a situação dos nascidos em Lesoto, que estão encravados na África do Sul? E os moçambicanos não são também sul-africanos? Este país é usurpador não apenas do gentílico, mas faz do nome de uma região do continente algo exclusivo para denominar o seu país.
Perguntei, há quase 10 anos, em pesquisa empírica realizada entre universitários do curso de pedagogia, na disciplina de Metodologia de Ensino de Ciências, dias após o desastre com o Colúmbia, em 02/02/03, qual a nacionalidade dos astronautas que morreram no acidente com ônibus espacial dos Estados Unidos. Nenhum dos 45 estudantes de pedagogia referiu que houvesse estadunidenses entre os mortos. Fiz o mesmo levantamento com um grupo de mestrandos e doutorandos do Programa de Pós Graduação em Educação da UNISINOS e quando comentava com os mesmos o fato de nenhum ter referido norte-americano ou americano, foram unânimes em afirmar que isso fora resultado exclusivo de discussões que tiveram em seminários no Programa e que antes não conheciam a existência do etnônimo estadunidense.
Nossos vizinhos continentais são todos americanos, mas poderão ser argentinos, uruguaios, bolivianos, cubanos, barbadiano (não sei qual é etnônimo, por exemplo, de Trinidad e Tobago), brasileiros e até estadunidenses.
No meu laborar em utopias desejaria ver os gentílicos americano e norte-americano usados por quem de direito. Sejam eles estadunidenses, e nós brasileiros, sul-americanos, latino-americanos, americanos.