ANO
9 |
EDIÇÃO
2861
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Há
jeitos de viver que explicam nosso estado de espírito. Por exemplo, eu sou
adepto da escritoterapia. Há, vez ou outra, que a saudade esteriliza meus
escreveres. A data de hoje é uma delas. Tenho saudades de meu pai.
Contorno
a aridez intelectual em dois momentos. No
primeiro, repito aqui a dedicatória que está em A ciência através dos tempos, e que nestes 20 anos de circulação, já
foi lida por milhares, em suas cerca de 30 edições/reimpressões. No segundo, aposso-me da comovente
crônica Posta Restante
da psicanalista Diana Corso, publicada em www.marioedianacorso.com
Para Afonso Oscar Chassot (1906-1987), meu pai,
que, mesmo nunca tendo visto seu nome
impresso em um livro ou jornal, muito me ensinou:
a gostar de ouvir notícias,
instrumental importante para conhecer e entender a história,
e
a vibrar com a profissão,
marceneiro hábil que era, trabalhando a madeira com amor.
Para ele, este livro e estes versos,
adaptados da poeta Hannah Szenes (1921-1944):
Bendito o fósforo que ardeu e acendeu a fogueira!
Bendita a labareda que ardeu no âmago do coração!
Posta
Restante
Filhos crescidos órfãos de seus pais são remetentes de uma carta sem endereço.
Quando
precisamos enviar uma carta para alguém que não tem como indicar um endereço
para recebe-la, a destinamos à Posta Restante. Dessa forma, ela vai para a
agência de correios da região mais próxima e espera-se que o destinatário vá
buscá-la. Vou ter que lançar mão desse recurso, porque é quase dia dos pais e
preciso urgente dar uma notícia importante para o meu.
Acontece
que ele se foi para sempre. Estou com o problema dos filhos órfãos, mesmo que
tardios, que sequer possuem uma Posta Restante para usar. Há órfãos da vida
toda, mas, seguindo o curso natural, esse desamparo próprio da orfandade acaba
chegando para todos. Nesses casos, precisamos usar a imaginação, travar
diálogos na fantasia para contar as novidades. Queria muito contar ao meu pai
que seu neto, meu sobrinho portenho, acabou de se formar. Ele agora é segundo
psicólogo da sua geração na família. Como fazemos quando os pais já não têm
como ficar sabendo dessas coisas?
Sei
que há genitores indignos de serem chamados de pais, que são narcisistas,
malucos, destrutivos ou indiferentes à vida dos filhos. Por sorte, são minoria.
Já os que vestiram a camiseta da paternidade são os maiores entusiastas,
interessados nas gracinhas iniciais, assim como nas conquistas posteriores das
suas crias. Ao longo da vida teremos que dar jeito de angariar novos públicos:
amigos, amores, colegas, filhos, mas com os pais já temos a garantia, de saída,
de uma plateia inicial.
Pior,
que fazer conosco nos dias de homenagem, quando não há a quem presentear? Há
substitutos: figuras paternas que nos inspiraram, nos cuidaram ou nos amaram,
mas o tempo vai nos roubando também a estes, deixando-nos à deriva, como uma
carta sem endereço.
Com
meu pai, nos últimos anos, desenvolvemos uma forma intimista de comemoração: em
alguma hora do domingo íamos a um café conversar e passávamos a vida a limpo.
Era um engenheiro, homem de relatórios, objetivos claros. A formatura desse
neto estava entre suas metas, iria alegrar-se muito, mas para onde mando o relato
minucioso do evento?
Nossa
forma de celebração servia para lembrar que a vida dos filhos é o melhor
presente para seus pais. Muito mais difícil de oferecer do que um objeto de
loja, é a continuação de seus ideais que eles gostariam de receber em troca do tanto
que sonharam em nós. Embora esse tipo de oferenda pareça uma missão
irrealizável, na verdade a falta dela acaba sendo muito mais difícil de
suportar. Pais são aqueles a quem destinamos nossas notícias, enquanto os
filhos são os remetentes. De um jeito ou de outro, sempre resta algum lugar
para onde postar. Mesmo que em pensamentos.
Só na perda mensuramos a magnitude de um simples abraço. Quem ainda tem seu pai, que o abrace hoje e todos os dias.
ResponderExcluirCaríssimo Antônio,
Excluirmuito sábia recomendação.
Meu pai
ResponderExcluirNão, ele não foi um homem perfeito
Falo de Ananias meu pai já falecido
Mas deu o melhor dele lá a seu jeito
Pois era um bom caráter desmedido.
Dentro da pobreza que corria a vida
Na nossa mesa jamais tinha fartura
Mas ele via no estudo a única saída:
“Quem estuda achará o que procura”.
Assim crescemos os cinco rebentos
Legou-nos exemplo de honestidade.
Seguia a vida em breves momentos.
Hoje meu pai olhando da eternidade
Está por certo cheio de encantamento
De sua prole legada para posteridade.
Meu caro Jair:
ExcluirPode o seu Ananias, ou qualquer pai que um dia habitou o Planeta, ter melhor alegria que admirar contente “... sua prole legada para posteridade!”.
Quisera, neste dia, que todos os genitores fossem, também, pais.
ResponderExcluirUm feliz Dia dos Pais!!!
Meu caro Vanderlei.
Excluirteus anelos, pela data deste domingo que se esvai, são pertinente.
Anuncio na noite desta quinta a primeira sessão do Seminário: "A arte de escrever Ciência com arte" no PPGEDU da URI Frederico Westphalen;
Expectante
O meu pai e muito importante pra mim.
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