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terça-feira, 5 de agosto de 2014

05.- TRÊS ATORES AUTORES NARRAM UM TEMPO QUE NÃO PASSOU

ANO
 9
EDIÇÃO
 2856


Neste domingo terminou 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Para usar um lugar comum: Se diz que foi a FLIP das FLIPs. A mesa “Memórias do cárcere: 50 anos do golpe”, ocorrida no sábado, foi uma das mais que mais emocionaram a plateia do evento. Participaram da mesma, mediados, pela historiadora Lilia M. Schwarcz, o jornalista Bernardo Kucinski, o economista Pérsio Arida e o escritor Marcelo Rubens Paiva. Confiro destaque aqui a intervenção do escritor, não sem referir que Kucinski e Arida foram, também, ovacionados.
Primeiro convocado a falar pela mediadora, Marcelo Rubens Paiva leu uma de suas colunas publicadas meses atrás no jornal "O Estado de São Paulo". Ao ler um texto no qual falava sobre o desaparecimento e a morte do pai, o deputado Rubens Paiva, em 1971, durante a ditadura no Brasil. Teve de interromper a leitura para conter o choro após uma ou duas frases. Na coluna, Paiva reproduzia um texto no qual sua mãe era o personagem. Escrito por Antonio Callado, o material contava de um passeio de barco de Eunice Paiva um dia depois de ela ser solta pelo regime, em 1971.
"Pelas novas revelações, meu pai morreu no dia em que minha mãe foi presa. Ela foi deixada na cela mais 12 dias. Para quê? Melhor nem pensar", escreveu Marcelo. Em seguida, citou o estranhamento de se sentir no dever de agradecer por não terem matado também Eunice, a quem chamou de "a heroína da família".
Ele chorou de novo falar do próprio filho. "Eu fui pai agora, meu menino tem cinco meses, gente. Estou vendo tudo isso com outros olhos." Em seguida, o público se levantou para aplaudir. Mais tarde, Marcelo comentou que não havia chorado só por causa da morte de Rubens Paiva ou da paternidade recente, mas também porque a mãe está com mal de Alzheimer.
No caso de Kucisnki, que apenas recentemente passou a escrever ficção após uma longa carreira como jornalista e professor universitário, uma de suas obras é inspirada no desaparecimento da irmã. Rosa foi presa pelos militares junto do marido, em 1974. Nunca mais foram encontrados.
O episódio inspira a trama o livro "K.", que narra a busca de um pai pela filha que some do mapa. Depois de mencionar o paradoxo do escritor que se promove "à custa de uma tragédia familiar", Kucinski comentou: "O desaparecimento é um método especialmente traumático para as famílias, que não conseguem passar pelo rito do luto, enterrar seus mortos. E é traumático também para a sociedade, porque é como se houvesse um demônio que está levando as pessoas embora e não se sabe da onde".
O ponto de vista do "desaparecido" foi dado por Persio Arida. Antes de ficar conhecido por presidir o BNDES e Banco Central e de participar do estabelecimento do Plano Real, ele foi preso aos 18 anos de idade. Integrava a militância armada.
"Se você é preso e ninguém sabe, matá-lo é facílimo, porque não tem custo. Quando você sabe que alguém sabe que você está lá, de alguma forma isso serve de conforto", comentou Arida, que publicou um longo artigo sobre a detenção e pretende escrever um livro.
Os participantes da mesa foram chamados pela mediadora da fala de "três autores atores, que, cada um a sua maneira, com seus livros refazem essa memória de um tempo que não passou".
O trio foi perguntado também sobre o relativo desconhecimento que as pessoas têm do que foi a ditadura ou o golpe militar de meio século atrás. "Nosso conhecimento histórico é muito fraco. A falta de noção do que foi esse período é sintoma de um processo mais amplo", observou Arida. "O desconhecimento sobre esse período, que agora finalmente está diminuindo, é parte de um desconhecimento mais amplo sobre o que somos e nossa própria história."

Um comentário:

  1. Vivemos tempos de injustiças que em momentos de desespero ouve-se alguém bradar, "Que volte a ditadura!". Desconhece-se a maioria das barbáries que muitos sofreram por lutarem contra o regime. Porém nos tempos atuais também vivemos muitas disparidades em um Brasil onde se finge haver justiça social. Mais duro ainda é ver essa camarilha política vir a público pedir a sociedade que o endosse com o seu voto, tudo financiado com nosso dinheiro. Tempos negros.

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