ANO
9 |
EDIÇÃO
2862
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Faço de
observação óbvia o ponto de partida. Este blogue não é um espaço noticioso. Vez
ou outra, uma informação noticiosa se faz conhecimento e até com ele podemos
tecer saberes. E uma excepcional notícia pode não ter trânsito aqui. O oposto é
mais usual de ocorrer.
Mas, na última
terça-feira o Planeta comoveu-se e... chorou. Não comentar aqui a notícia que
se fez comoção planetária parecia injustificável. Tinha argumento para
resistir. No findi revisei-me.
As emoções, que
antes considerava exageradas e personificadas em uma pessoa, tinham razão de
ser. Aprendi que não se celebrava apenas o reencontro do neto desaparecido com
a avó. Esta uma ativista política e líder inconteste de um movimento, que há
dezenas de anos luta por uma causa: reintegrar
às famílias biológicas, mulheres e homens, que foram transferidos na
clandestinidade a famílias adotivas.
Assim a comoção
não era apenas pelo reencontro de Guido Carlotto, o neto com sua avó Estela de
Carlotto, esta presidenta das Abuelas [Avós] de Plaza de Mayo. Sim o fato
merecia lágrimas, mas a dimensão do ocorrido era muito maior.
Sim, não era o
reencontro de um neto com uma avó. Era, também, uma recompensa a inovações
políticas lançadas, na luta pelos direitos humanos, por mulheres com mais de 80
anos. Elas desenvolveram as estratégias mais inovadoras no uso de métodos
científicos, no litígio, nas políticas públicas e na comunicação.
Como escreveu Juana
Kweitel, advogada argentina, diretora de Programas de Conectas Direitos Humanos,
em seu blogue outraspalavras.net :
Foram as Abuelas as que pediram para que cientistas
desenvolvessem o teste de abuelidad ou “avoíce”, que permitem agora saber quem
é neto de quem.
Foram as Abuelas as que
conseguiram que o Estado criasse o Banco de DNA, onde todas elas deixaram seus
registros genéticos, para que, por muitos anos, as pessoas com dúvidas sobre
sua identidade possam descobrir se são ou não filhos de um desaparecido, com
dúvidas sobre sua identidade possam descobrir se são ou não filhos de um
desaparecido.
Foram as Abuelas as que
com, o litigio abriram as primeiras brechas na impunidade e conseguiram levar
os militares à Justiça.
Foram as Abuelas as que se aproximaram dos artistas e criaram
uma companhia de teatro (Teatro pela Identidade) e um seriado de TV sobre as
histórias dos netos apropriados na TV aberta.
Foram as Abuelas que, uns dias atrás, fizeram um spot na TV com
a seleção nacional de futebol, incluindo o Messi, chamando os jovens com
dúvidas sobre sua identidade a ir ao Banco de Dados Genéticos.
Foram as Abuelas e as Madres as que sempre lutaram pelas vias
institucionais, e apagaram de nosso léxico e imaginário a ideia de vingança
pelas próprias mãos.
Elas esperaram, com muita paciência, a Justiça chegar e aos
poucos esta foi chegando. Não devolveu os filhos. Mas terça-feira devolveu um
neto, e já são 114 os netos encontrados.
E também isso foi/é
objeto de comemoração. A fabulosa Estela de Carloto, doutora honoris causa por dezena
de universidades, cidadã honorária de muitas cidades, laureada com muitos
prestigiados prêmios merece nosso reconhecimento por muito mais que poder
afagar seu neto. Ela preside as Abuelas de Plaza de Mayo e estas mulheres estão
rescrevendo a História da Argentina.
Um dia a verdade
ResponderExcluirLá, como aqui, existiu dias de escuridão
Sofreu sob as botas militares a Argentina
Sob medo que sinistro dilacera o coração
Quando país era encoberto pela neblina.
Sem liberdade e direitos os filhos e filhas
Pais e mães torturados morriam no mar
Seus rebentos não conheciam as famílias
Vigia apenas versão do estamento militar.
Hoje porém avozinhas da Praça de maio
Obrigam o mundo todo ouvir suas vozes
Sem qualquer combinação e sem ensaio
Trazem às luzes do dia os tempos atrozes.
E a verdade montada num cavalo baio
Na sociedade, célere, faz metamorfoses.
Quem tiver oportunidade leia o texto A paixão da verdade de Rui Barbosa.
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