Ano
6*** WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR ***Edição 2164
Ontem, comecei a descrever minhas praticas pré-blogues enquanto
escrevinhador de diários em suporte papel. Hoje o relato quase artesanal
prossegue.
Mas antes de
prosseguir, permito-me trazer um excerto do comentário do Prof. Dr. Martin
Sander à edição de ontem: Admiro muito as pessoas que escrevem diários e
parte da minha vida convivi com pessoas com esta característica.
Parabéns pela dedicação, organização e capacidade, inclusive
de compartilhar estes detalhes com outros. Gostaria de ter feito o mesmo, pois
estes escritos nos auxiliam a não perder fatos vivenciados, que com o passar
dos tempos parecem que se apagam na nossa mente.
Por aqui, temos os diários do Pe Balduíno Rambo S.J, cujo o
início foi em 1919 até seu último registro, em 1961 um dia antes do seu
falecimento. Onde fez o seguinte citação: “O tempo é nublado e frio. Pela
tarde, ocorre o jogo anual entre o Internacional e o Grêmio, o qual desta vez,
contudo, ocorre de maneira frouxa.”
No total foram 33 volumes e a este diário, Pe Rambo dizia
que: “É meu diário a principal obra literária e científica de minha vida” ou em
alemão, sua manifestação predileta [...]: “Mein Tagebuch ist mein literarisches
wissenschaftliches Lebenswerk”.
Usualmente a página diária não é escrita toda no final do
dia. Há, na sua maioria, um ou mais micro registros por dia. O primeiro deles
faço geralmente na abertura do dia, registrando expectativas ou sonhos. Às
vezes, quando tenho uma saída à noite, que promete merecer posteriores
evocações, deixo um espaço para registro do evento noturno, para o dia
seguinte. Assim, cada página comporta os relatos do dia, não sendo
feitos todos necessariamente no dia. Mas repito, há registros a cada
dia.
Muitas páginas têm colagens de resenhas de filmes assistidos,
um ingresso de teatro ou uma passagem de ônibus, ou um cartão de embarque de
viagem aérea, ou ainda, um bilhete especial recebido. Certas datas, como por
exemplo, cada dia 25 -
que marca o início de uma bonita história de amor que neste abril de 2012
completou um quarto de século -
tem uma chamada especial. Não é sem razão que se diz que estes diários são
práticas de adolescentes e é muito bom adolescer quando já se é, há um tempo,
setentinha.
Há ainda, em cada um dos volumes anuais, algumas informações
mais gerais. Por exemplo, no último dia de cada ano o diário recebe um
termo de encerramento, que pode incluir um balanço anual. Assim, há alguns
volumes que registram comentários dos livros lidos no ano, dados de principais
viagens, algumas aquisições significativas.
Não faço seleção sobre o que registro. Escrevo sobre bônus e
ônus. Tenho o privilégio de viver situações usualmente agradáveis. As coisas
menos boas são raras, mas quando estas ocorrem também ganham registros. Como
não tenho leitor imediato, não há porque censurar certos escritos; assim,
muitas vezes escrevo sobre coisas mais íntimas. Quando tive câncer, há mais de
doze anos, houve relatos de apreensões, especialmente acerca de possíveis
sequelas. Então
as páginas do diário foram insuficientes para ‘minha escritaterapia’.
Para superar as limitações de espaço, escrevi o livro “Uma rapsódia
prostática” - mais um daqueles inéditos -, que já teve
versões domésticas usadas por alguns em momentos singulares.
Hoje, quando isso é relido, tenho uma gostosa sensação de vitória.
Há relatos de algumas tensões que ocorrem na Academia,
especialmente dos quatro anos em que fui coordenador de um Programa de Pós
Graduação e tive muitas dificuldades em ser um líder em um céu com muitas
estrelas; nos registros há especulações acerca de radicais transformações que
houve na Universidade onde trabalhava. Estas, todavia, não me ocupam muito.
Poucas vezes redijo alguma informação sob forma cifrada, e como também não
tenho desafetos (assim imagino e espero) não uso codinomes para me referir a
alguém. Tenho muitas siglas, em geral para citar locais que ocorrem com
frequências, que são identificáveis abreviadamente por economia de espaço.
Assim, nestes tempos de diários já morei na OP, na VG, na SA, na LP e agora
moro na MA que significa Morada dos Afagos.
Nestes vinte e nove anos houve muita evolução no escrever e
no “fazer os diários”, sendo todavia uma das poucas atividades escritas que
ainda faço sem o uso do computador. Como está na frase de Oscar Wilde, que
elegi para epígrafe a blogada de ontem, meu diário é uma peça inseparável em
qualquer viagem.
Ter um cartão do hotel colado quando faço o registro do dia
tem sido útil para fazer uma nova reserva ou para voltar a contatar para saber
se não foi localizado algo que esqueci. Viagens de férias já ganharam diários
especiais paralelos, e sobre estes caberia um extenso relato sobre quantas
madrugadas passei colando informações turísticas e fotografias. Tenho colecionado
alguns volumes de nossas viagens a Europa, a África, a Ásia. De todas as
viagens, as mais impactantes ainda são as que fizemos primeiro ao Peru e a
Bolívia e depois ao México. Tenho redigido excertos a partir destes diários de
viagens que sonho um dia enfeixá-los em forma de um livro de viagem.
E a ‘mania’ de fazer diário é uma forma de colecionismo?
Disse neste texto que coleciono – e a ação foi então sublinhada – vinte e oito
volumes de diários em uma estante em minha biblioteca. Contei também como são
construídos esses artefatos culturais. A resposta sim a esta pergunta
poderá ser um sim mais enfático quando relatar o que ‘adornam’ a maioria
de cada um dos mais de dez mil dias feito registro de histórias.
Assim, talvez com a adesão de cada uma e cada um dos leitores
deste texto se pudesse afirmar isso é fazer coleção. Eu pelo menos acredito na
assertiva: a ‘mania’ de fazer diário é uma forma de colecionismo.
Caro Chassot,
ResponderExcluirlembrei de uma expressão de Fronçois Closets, escritor francês nascido em 1933, que li recentemente: “Como minha memória nunca teve grande capacidade de armazenagem, eu sempre utilizei uma “prótese”: eu tomo notas! [...] Acho uma perda ver um dia de vida sumir sem deixar o menor traço. [...] Quanto a meus “míseros segredinhos”, ... o fato de registrá-los em meu diário talvez me tenha evitado o divã do analista.”.(ROSNAY, j.; SERVAN-SCHREIBER, J-L.; CLOSETS, F.; DIMONNET, D. Ganhei mais vida! o que fazer com a longevidade?. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 152).
Um abraço,
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
Prezado mestre Chassot, na minha visão o que nos impele a escrever diários é a necessidade de conviver com a finitude. Somos eternos naquilo que escrevemos e sabemos que estabeleceremos uma ponte no tempo e no espaço com um eventual leitor futuro. Afinal citaria aqui Monteiro Lobato, "Um país se faz com homens e livros".
ResponderExcluirAbraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirTornoiu sua vida minimalista
Relaciona tudo numa lista
Descreve o dia-a-dia
Minúcias com porfia
Attico Chassot, o diarista.
Caro Mestre Chassot,
ResponderExcluirEstes últimos posts me fez refletir sobre muitos acontecimentos que estavam esquecidos em minha memória, e percebi quantos deles foram importantes e decisivos para tudo o que conquistei e vivenciei até hoje, então, motivada por seus diários, ontem comprei um livro em branco para registrar os dias de minha vida, meus sonhos e expectativas, afim de um dia poder olhar para tudo que já passou e fazer um balanço da vida, além de aprender a viver melhor, analisando cada circunstância com o olhar mais maduro e consciente!
Obrigada Mestre por mais este belo ensinamento!
Abraços Priscilla
Nunca escrevi um diário, embora me tivesse questionado, algumas vezes, sobre as razões de não fazê-lo. As memórias se perdem, se enfraquecem. E na vida de todos há acontecimentos que merecem ser lembrados. Muitos, relacionados com a família, a sociedade, o mundo.
ResponderExcluirProfessor, cheguei a esse espaço através da Marli Baldori. O caminho foi fácil e ainda que não tivesse sido, valeria a pena. O prazer de ler vem do que nos oferecem para esse fim.
Abraços
Se escrever diários é mania de colecionismo, tá explicado por que queimo minhas antigas anotações. 2, 3 anos e... Fogueira!
ResponderExcluirHouve um tempo que escrevia os diários ao contrário, pelos 9 anos. Desde então descobri minha habilidade de falar ao contrário, :D É verdade.
Mas escrever as emoções, fatos, te leva ao balanço crítico, sim, por isso mantenho o costume... Mas que vai fora, isso vai ;)