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quarta-feira, 30 de junho de 2010

30.- Aos revisores, os louros!

Porto Alegre Ano 4 # 1427

E junho (e com ele o primeiro semestre de 2010) chega quase ao ocaso. Tempus fugit. Há seis meses era advento de um novo ano, agora dele já passou a metade.

Abro essa blogada dizendo que encontro de ontem de noite, que antecipei aqui, fui um sucesso. Artefatos e mentefatos foram degustados com a presença querida dos colegas José Luis e Marco e doas alunas Gabriela e Iona e dos alunos Sergio e Claiton. A Gelsa, depois de seus três turnos de Unisinos, ainda curtiu uma rapinha.

Ontem, antes do meio dia, encerrei a última revisão da 5ª edição de Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação algo que tomou horas de meu fim de semana e de parte da segunda e terça-feira. A postagem no correio um calhamaço de páginas me fez cantar exultet! Claro minha alegria também tinha ressaibos de tristeza. O livro de suas atuais 438 páginas deverá emagrecer para cerca de 350 páginas. Hoje na área de Educação parece não haver mercado para livros tão volumosos. Fazer cortes é algo doloroso.

Quando me dedico sempre onerosa e muito necessária tarefa de revisão, sempre me convenço que não poderia ser um bom revisor. É algo que exige a atenção que eu não tenho. Por outro lado tenho sempre muitas surpresas. Os revisores fazem descobertas, que jamais me daria conta. Sabem também implicar com nossas escritas. “Confuso” é o alerta que mais me atrapalha. Leio. Releio. Tresleio. Devo dar razão, mesmo que na primeira vez seja capaz de murmura: “Como esse cara não entendeu essa frase!”. Depois, rendo-me e dou outra forma ao texto. Em geral, encurtando frase. Outro assunto que não é do agrado dos revisores são os nossos neologismos. rapidação [criei, e uso com adequação, esse neologismo para caracterizar, com rapidez, uma ação rápida] ou avonado [que institui para me referi para falar no gostoso tempo de ser avô] fugar [como um mais poético sinônimo de fugir; aliás, o verbo tem uma ação poética: compor (peça musical) submetendo-a às regras e/ou características da fuga, como jamais fugarei neste sentido, fugo nestes devaneios]. Já contei aqui em mais de uma oportunidade que não consigo escrever sem consultar um dois dicionários. Aliás, com o advento dos dicionários eletrônicos, houve neste fazer uma facilitação. Mesmo assim gosto de inventar palavras. E quem não gosta?

No texto acima há um verbo que sei que não passaria por revisores mais exigentes: tresler. O corretor do Word não conhece este verbo. Se reler é ler de novo, como é ler a terceira vez? Poderia ser treler ou tresler. O primeiro está dicionarizado como tagarelar; dar trela; intrometer-se. O segundo 1.Ler às avessas. 2. Perder o juízo, à força de ler e estudar. 3. Dizer tolices. Assim, nenhum dos dois me socorrem na minha intenção de dizer que reli mais de uma vez.

O mais surpreendente ocorre quando a revisão é num texto que já teve mais de uma edição em circulação. Então, envergonho-me. Como certas coisas circularam assim, por tantos anos e por milhares de leitores. E não são somente correções de forma. Há, também de conteúdo.

Assim esse registro é também um momento de fazer uma pública homenagem aqueles homens e aquelas mulheres que fazem revisão de nossos livros. A Equipe de Revisores da Editora da Unijuí que nestes (ops, quase escrevo nesses... e aí já ofereceria motivo para algum revisor me corrigir) dias me encantou, minha particular admiração. Mesmo com os corretores de nossos editores de texto, esses profissionais são/serão muito importantes. Eu os admiro, mesmo quando eles escrevem à margem de um parágrafo que sonhávamos uma preciosidade literária: confuso!

Como assunto busca assunto, outra novidade de meus livros. Já circula uma nova segunda edição do Educação conSciência. Este livro que escrevi em 2002 em Madrid, durante o pós- doutoramento, teve sua primeira edição em 2003. Em 2007 ganhou uma segunda edição. A neste mês houve uma 1ª reimpressão da segunda edição, atualizada e revisada. Por justiça, aquilo que disse da Equipe de revisores da Editora Unijuí, devo dizer também daquela da Editora da UNISC. O nova ‘fornada’ do Educação conSciência tem significativas melhoras em relação as edições anteriores e por tal os revisores merecem os louros, pois também aqui acharam imprecisões que passaram batidas anteriormente.

Com votos de uma quarta-feira. Hoje, em relação aos 20 dias anteriores é um dia especial. Não tem jogo da copa. Isso é algo de saudar. Ainda ontem conversava com a Regina, moradora de meu prédio, proprietária de uma loja; ela com razões sobradas abomina esses dias copeiros. Já projeta o que vai significar de prejuízos, em alguns ramos do comércio, em 2014. Amanhã volto para mais um papo, que já será julino.

terça-feira, 29 de junho de 2010

29.- Filosofia e estética do vinho

Porto Alegre Ano 4 # 1426

Hoje é um dia especial. Dia de São Pedro. Há um ano nascia o Pedro, filho do André e da Tatiana, que me fez penta-avô – para usar uma linguagem tão a modo de um sonho brasileiro que nesta segunda-feira se adensou. A Festa do Pedro será no

sábado. O jogo de ontem fez que apenas viessem – não sem lamentos – quatro alunas dos 30 da UAM - Universidade do Adulto Maior. Dei aula como se todos estivessem. O Ivan Pinheiro Machado, diretor da Editora L&PM, contou-me ontem à tarde, que esse anestesiar imposto pelos jogos diminui, de maneira significativa, o consumo de livros no país.

Sou do tempo que a data de hoje era dia santo católico e se associava à celebração do dia de São Pedro e de São Paulo a comemoração do dia do Papa. Mas já superei minha cota de igrejeiro. Recordo de um 29 de junho de junho muito especial.

Tenho algumas referências balizadas por copas do mundo. Lembro muito das transmissões por rádio da copa de 1958, na Suécia, com Brasil ganhando o primeiro título. Em 1962 se assistias os vídeos-teipe no dia seguinte, transportados pela Varig do Chile. Em 1966, na Inglaterra, quando durante os jogos, o regime militar editava as cassações políticas. 1970 no México as primeiras transmissões de televisão colorida. Para a Copa de 1974, na então Alemanha Ocidental (vencida pelo país anfitrião) compramos a nossa primeira televisão, ainda em preto e branco. Afinal o Bernardo e o André já tinham 6 e 4 anos.

Trago minhas evocações do dia 29 de junho de 1958, um domingo. Em 2008 nessa data, eu, como muitos brasileiros evoquei um 29 de junho de 50 anos passado, quando o Brasil ganhou pela primeira vez a Copa do Mundo na Suécia. Não vou comentar esse assunto, pois mereceu, em alguns jornais de então, suplementos especiais, com chamadas de capa, a meu juízo, tintadas de exagero: ‘o dia que o Brasil foi inserido no mapa-múndi’.

Por ser dia de São Pedro, padroeiro do Estado, desde que o Império conhecia suas terras mais ‘surenhas’ como Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, fora a data escolhida para inauguração do prédio do Colégio Estadual Júlio de Castilhos na Praça Piratini. Desde março já tínhamos aulas nesse local, ainda em fase de acabamento, desprovido de vidraças. Eu era aluno do 1º Científico. Terminara o Ginásio em dezembro em Montenegro e vivia o meu primeiro ano de Porto Alegre. As solenidades foram pela manhã, marcadas por missa celebrada pelo arcebispo, entre dois magníficos leões de bronze, que aprendera serem os únicos salvados do incêndio que consumira o antigo prédio do Julinho que ficava na João Pessoa, onde é hoje a Faculdade de Economia da UFRGS.

Após a missa inaugural, voltei de bonde; primeiro da Azenha até a Riachuelo e desta descia a Borges de Medeiros, para na Praça Parobé tomar o bonde São João, para chegar à rua São Pedro com a Eduardo (nome como era conhecida a avenida Presidente Roosevelt) para ir até a Rua Ernesto Fontoura onde ficava o Bar Caçula onde eu morava e trabalhava. Então os rádios portáteis eram raros e não lembro que na viajada de quase uma hora houvesse ouvido algo acerca do que ocorria em Estocolmo. Em março deste ano vi o memorável estádio.

Não recordo muito do jogo. Acompanhávamos por rádio. A Rádio Guaíba, inaugurada no ano anterior, transmitia com esquema considerado inovador. O som ia da Suécia para Suíça e desta para o Rio de Janeiro e daí para Porto Alegre. O locutor era o Mendes Ribeiro que cunhara então um bordão: “Deus não joga, mas fiscaliza!”

A época não havia transmissão por televisão. Na Copa de 1966, no Chile, havia vídeo-taipes vindos de avião, transmitidos 24 depois. Recordo que em 1958 ter pintado um dístico na vitrine do Bar Caçula ‘Brasil Campeão do Mundo’. A maior emoção era o surgimento do “rei Pelé’ um ano mais jovem que eu.

Já que falo em amenidades, vale continuar com elas. Afinal as blogadas anteriores foram mais duras.

Esta noite recebo na Morada dos Afagos meus alunos e alunas de Prática Pedagógica em Filosofia. A eles se juntam alunos do Prof. Marco Antônio Azevedo, que nas noites de terças-feiras dá aulas aos meus alunos no segundo tempo. O Marco como médico e doutor em Filosofia, apresentará, na festiva sessão de encerramento de 2010/1, a mini-conferência “Filosofia e estética do vinho". O pano de fundo é artigo de David Hume "The standard of taste" e o tema é a possibilidade de um padrão de gosto. Essa exposição ele apresentou, recentemente com sucesso na Fundação Ecarta. Contaremos com a distinguida presença do Prof. José Luis Novaes, Coordenador Curso de Filosofia do Centro Universitário Metodista - IPA. Claro que não ficaremos só em teorizações; teremos vinhos para testar as ideias de Hume na azevediana exposição. Acepipes juninos farão parte da noite filosófica.

Quando recebo minhas alunas e alunos da graduação, a oportunidade me permite o registro de seus fazeres neste semestre. Cada um teve que ao correr do semestre apresentar quatro atividades, voltadas a Prática Pedagógica: um relato de recursos para o ensino de Filosofia; um relato de sala aula; uma resposta a um interrogante capital; e, uma micro-aula. A seguir apresento os distintos fazeres. A fotografia é por ocasião das respectivas Micro-aula.

Gabriela da Silva, em 13 de abril, apresentou o relato da presença de revistas e assemelhados como recursos para o ensino de Filosofia. Em 27 de abril, trouxe respostas à situação de em sala de aula: A história do ensino de Filosofia na Educação Básica no Mundo? Em 15 de junho respondeu ao seguinte interrogante: O Como a Filosofia pode garantir a transdiciplinariedade? E em 01 de junho deu uma micro-aula envolvendo o mito da caverna de Platão.

Iona de Palma Santos em 20 de abril apresentou o relato da presença de livros didáticos e paradidáticos como recursos para o ensino de Filosofia. Em 04 de maio, trouxe respostas à situação de em sala de aula: Existe um ensino não formal de filosofia? Em 18 de maio respondeu ao seguinte interrogante: O que é mesmo filosofia? E em 08 de junho deu uma micro-aula sobre Filosofia e Psicanálise

Lizandra Bulgaro Soares em 11 de maio apresentou o relato da presença de blogues filosóficos como recursos para o ensino de Filosofia. Em 06 de abril, trouxe respostas à situação de sala de aula: Qual situação da Filosofia no currículo? Em 08 de junho respondeu ao seguinte interrogante: O que se aprende em Filosofia? E em 15 de junho deu uma micro-aula envolvendo conceitos de ‘tempo’.

Rommel Petersen Marques em 27 de abril apresentou o relato da presença de filmes como recursos para o ensino de Filosofia. Em 20 de abril, trouxe respostas à situação de sala de aula: A história do ensino de Filosofia na Educação Básica no Brasil? Em 01 de junho respondeu ao seguinte interrogante: Para que serve a Filosofia? E em 18 de maio deu uma micro-aula envolvendo situações de ‘Livre arbítrio’.

Ronaldo Alves Oliveira em 6 de abril apresentou o relato da presença da filosofia na imprensa de massa como recursos para o ensino de Filosofia. Em 04 de maio, trouxe respostas à situação de sala de aula: As marcas das Igrejas no ensino de Filosofia? Em 18 de maio respondeu ao seguinte interrogante: O que é a Filosofia Oriental? E em 25 de maio deu uma micro-aula envolvendo interrogantes socráticos.

Encero com votos de uma muito boa quarta-feira. E sigamos anestesiados em ritmo de copa. Amanhã nos encontramos, também, aqui.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

28.- Denis Mukwege: um herói ou um santo do Século 21

Porto Alegre Ano 4 # 1425

Uma segunda feira que não se transveste como um dia plenamente útil (na linguagem da produção – ou, talvez, o sábio deus Mercado conheça melhor essa galinha dos ovos de ouro chamada FIFA) pois hoje joga o Brasil. Sonho que isso interfira minimamente na minha aula de despedida da turma da UAM - Universidade do Adulto Maior. Do semestre 2010/1.

Primeiro um comentário à edição dominical. Alexandre Rezende Teixeira escreveu: “Bom dia Professor! Queria fazer uma pequena correção na blogada de hoje. No mundo do futebol, a seleção estadunidense não é um gigante, mas sim uma média para pequena seleção! Um bom domingo! Alexandre.” Respondi e publiquei como comentário: “Meu caro colega Alexandre, absolutamente correto teu reparo. Meu equivoco foi dizer ‘a toda poderosa seleção estadunidense’ e não ter dito, como era minha intenção: ‘a seleção estadunidense de uma nação toda poderosa’. Muito obrigado por teu oportuno alerta, achassot”. Meu engano foi associar à poderosa pátria do capitalismo apenas feitos exuberantes.

A propósito, trago um comentário acerca da matéria Um país de estupradores? publicada na Folha de S. Paulo de ontem. O texto ostra como a África do Sul reage à epidemia de violência sexual. Colonialismo e apartheid fizeram da África do Sul recordista em crimes sexuais. Após um período de negacionismo oficial e estigmatização, governo e sociedade reagem à epidemia, causada por uma conjunção de fatores sociais, políticos e culturais. A extensa matéria mostra como práticas tribais e ligações com alguns ramos de curandeirismo, conferem um triste recorde ao país da Copa.

Mas o texto traz uma surpresa: "Um relatório publicado pela ONU em 2002, com dados de 50 países, confere à África do Sul o vergonhoso título de campeão mundial de estupros. Logo depois vem Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Suécia".

É preciso cautela ao analisar esse tipo de dado: eles podem significar, por exemplo, que as mulheres desses países se sentem mais à vontade para dar parte na polícia. Os números sul-africanos, no entanto, são eloquentes.

Uma pesquisa patrocinada pelo próprio governo sul-africano mostrou que, em 2007, houve 75,6 estupros por grupo de 100 mil habitantes – cinco vezes o registrado na cidade de São Paulo. Nos 12 meses contados a partir de abril de 2008, foram mais de 70 mil queixas de crimes sexuais, aumento de 10,5% em relação ao período anterior.

Trago, tentativas de reparar desse doloroso quadro africano. Esta é destaque, hoje, em Porto Alegre. Vem ocorrendo, há semanas, a quarta edição do Fronteiras do Pensamento 2010. Essa atividade está adequadamente anunciada no sítio – www.fronteirasdopensamento.com.br –como uma multiplicidade de olhares sobre o século 21. As mudanças tecnológicas, ambientais, culturais e socioeconômicas que estamos vivendo neste início de século acontecem em tamanha velocidade e intensidade que desafiam todos os esforços das ciências, da filosofia e das artes. Algumas perguntas atravessam todas as formas de conhecimento e as diversas instituições, numa época em que a incerteza está muito mais presente que os dogmas e as respostas definitivas. Muitas interrogações pairam no presente, obrigando-nos a atravessar as fronteiras mais diversas num esforço coletivo de compreensão da contemporaneidade.

Em mais de uma oportunidade já comentei aqui, o Fronteiras do Pensamento 2010. O acesso ao Seminário de altos estudos se dá exclusivamente através da aquisição de um passaporte, que garante o acesso as 10 conferências realizadas, no decorrer do ano de 2010. Isso exige um investimento: R$ 675,00 (para todas as conferências). Eu pessoalmente acho caro, até porque sou obrigado a comprar o pacote integral. Talvez fosse mais razoável pudesse eleger algumas das palestras e se pagaria, digamos R$ 100,00, como a desta noite.

Hoje o fórum recebe o médico congolês Denis Mukwege. O evento acontece no Salão de Atos da UFRGS, às 19h30min. Os ingressos estão, há muito, esgotados.

A conferência em tempo real em zerohora.com

Denis Mukwege é médico, formado no Burundi. Este é um pequeno país de África, que foi colônia belga, encravado entre o Ruanda a norte, a Tanzânia a leste e a sul e a República Democrática do Congo a oeste. Neste paísse encontra a nascente do Rio Nilo. É o país mais pobre do continente africano mesmo tendo um solo muito rico em riquezas minerais, como coltan [Coltan é um mistura de dois minerais: Columbita e Tantalita. Em português essa mistura recebe o nome columbita-tantalita. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita, o tântalo], ouro e outros minerais.

Nascido em 1955, Denis Mukwege é um dos nove filhos de um pastor pentecostal que visitava hospitais para rezar com os pacientes. Quando pequeno, acompanhava o pai nestas jornadas e, desde então, descobriu que gostaria de ajudar estas pessoas, não apenas espiritualmente, mas também na prática. Estudou medicina no Burundi e lá permaneceu no auxílio a mulheres grávidas. Muitas morriam porque demoravam a receber atendimento adequado ou eram transportadas em jumentos durante o trabalho de parto. Ele já tratou mais de 21 mil mulheres vítimas de violência sexual durante os anos de guerra na República Democrática do Congo.

Posteriormente Dr. Denis Mukwege se especializou em ginecologia no Centro Hospitalar Universitário de Angers, na França. Fundou o Hospital de Panzi, onde ainda é diretor e se dedica ao tratamento de mulheres grávidas e vítimas de exploração sexual. É a maior autoridade do mundo em reparação de genitais femininos, devido a MGF (assunto de ontem aqui) e coordena programas de HIV/AIDS.

Foi condecorado com prêmios como o Olof Palme, concedido pela Suécia a pessoas que se destacam na realização proeminente da paz, e o Prêmio Direitos Humanos das Nações Unidas. Em 2008, recebeu do jornal nigeriano Daily Trust o título de

Africano do Ano e, em 2009, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, mas foi preterido – pasmem! – pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Ele não apenas ajudar as mulheres, mas ele começou a defender o direito das mulheres e das famílias nas aldeias de Kivu do Sul, cuja vida está em risco por causa de forças externas que exploram Burundi para extrair as riquezas minerais. São essas que fazem a infelicidade da região, devido às guerras mobilizadas pela ganância de mineradoras. Dr. Mukwege diz: "Nós não queremos dinheiro, precisamos de paz no nosso país".

Dr. Denis Mukwege foi apelidado o Anjo da Bukavu pelo trabalho que como ginecologista, realiza em Bukavu, no sul de Kivu, leste do Congo, em uma área rural do sul do Kivu. 10 anos atrás, ele teve que fugir da região e seu hospital foi incendiado durante a guerra. Dr. Mukwege deu início a um novo hospital de Bukavu. Ele abriu uma maternidade, mas sua primeira operação não foi uma cesariana, mas em uma mulher que vítima de guerra – estuprada por soldados e com grandes lesões de seus órgãos genitais. Dr. Mukwege salvou sua vida e sua dignidade foi restaurada. Desde então ele não parou de lutar pela sobrevivência das mulheres na comunidade. Ele desenvolveu um excelente centro destinado a ajuda de mulheres estupradas; Cerca de 3.600 mulheres são tratados neste centro por ano. Ele treinou jovens médicos nesse tipo de cirurgia e desenvolveu uma rede social de apoio psicológico para as mulheres que muitas vezes não podiam voltar para casa em suas aldeias por causa da guerra.

Ontem, Gelsa e eu tivemos o privilegio de receber na Morada dos Afagos um amigo comum: Dr. Marlon Libel, (às vezes leitor deste blogue nos Estados Unido, para matar saudades de sua Porto Alegre) assessor da área de Prevenção e Controle de Enfermidades Transmissíveis da Organização Pan-Americana de Saúde em Washington, DC. O Marlon como nós, ficara vivamente impressionado com o relato do cirurgião plástico gaúcho Milton Paulo de Oliveira em 2008 foi à República Democrática do Congo, região central da África, como integrantes de uma missão humanitária organizada pelo grupo Smile Train (Trem do Sorriso), que se dedica a atender portadores de fissura labiopalatina (popularmente conhecida como lábio leporino) e operou junto com o Dr. Denis Mukwege. Comentei ontem o texto Um Quixote no coração da África’ no caderno Cultura de Zero Hora do último sábado.

Dizia ao Marlon que pessoas como Denis Mukwege são os heróis ou os santos do Século 21. Que bom que eles existam. Isso faz aumentar a esperança na humanidade. Uma segunda-feira a cada uma e cada um.

domingo, 27 de junho de 2010

27.- A mutilação genital feminina (mgf) – ela ainda existe!

Porto Alegre Ano 4 # 1424

Um domingo para quase despedir o primeiro semestre. Ele traz promessa: ser ensolarado. Trago uma foto para fazer o contraponto com a publicada na edição de ontem. O local e hora

são os mesmos. Os cenários são diferentes, mas o clima copeiro no Brasil é mesmo: torcida se contrapondo a secação.

Mesmo que seja ratificado meu viés de igrejeiro, não posso silenciar algo deste domingo. No santoral (agiológio ou livro que contém a vida dos santos) católico, consta, para celebração em 27 de junho: São Cirilo de Alexandria, Bispo, Confessor e Doutor da Igreja (+ 444) Cirilo nasceu em 370 [mesmo ano que nasceu Hipácia], no Egito, e durante muitos anos foi o firme condutor da Igreja do Egito. [...]Ele, na tentativa de eliminar o paganismo, é reponsável pela morte de Hipácia. Numa tarde de março de 415, quando ela regressava do Museu, foi atacada em plena rua por uma turba de cristãos enfurecidos, instigados pelo Patriarca Cirilo. Ela foi golpeada, desnudada e arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja. No interior do templo, foi cruelmente torturada até a morte, tendo o corpo dilacerado por conchas de ostras (ou cacos de cerâmica, segundo outra versão). Depois de morta, o corpo foi lançado a uma fogueira. São Cirilo morreu em 444. Sua santidade foi reconhecida no pontificado de Leão XIII (1878-1903) tendo sido lhe outorgado também o título de Doutor da Igreja. Seu culto foi assim estendido a toda a Igreja latina.

. Nesses dias vivemos muito imerso em África. Esta blogada hoje foge ao tom de aos domingos trazer algo mais leve. Ontem certamente a maioria de nós vibrou com a vitória de Gana frente a toda poderosa seleção estadunidense (sempre chamada de americana ou norte-americana). Mas o continente merece mais nossa atenta observação

As dicas de leituras de ontem: ‘Um Quixote no coração da África’ no caderno Cultura de Zero Hora de ontem [agendado para a edição de amanhã] e Niketche: uma história de poligamia o emocionante romance de uma escritora moçambicana Paulina Chiziane [a dica de leitura de ontem] podem nos ajudar a entender a sofrida África.

Na mesma direção a leitora Matilde Kalil, do Equador, postou na edição de ontem uma recomendação emocionante que trago a cada uma e cada um, antecedido de minha gratidão a tão atenta leitora. Vale ouvir a voz de Waris Dirie.

Ela é uma modelo somali nascida em 1965 que sofreu com cinco anos de idade a mutilação genital feminina. Por este motivo converteu-se numa defensora da luta pela erradicação dessa prática. Atualmente é embaixadora da ONU, trabalhando para abolir a ablação. Escreveu vários livros sobre suas vivências. Existe uma fundação com seu nome. Waris Dirie fugiu da Somália aos 12 anos de idade após ser obrigada por seu pai a se casar com um homem de 60. A hoje embaixadora da ONU atravessou praticamente a pé um dos desertos somalicos até chegar a capital de seu país Mogadíscio, onde inicia a luta em busca de seu sonho de ser "livre" e de torna-se modelo.

Recomendo, comovido, a todos os meus leitores o

vídeo, de cerca de 3 minutos; www.youtube.com/watch?v=UFDx7kpR8mg&feature=related e escutar uma mulher valente tentando mudar uma das mais odiosas que vige não apenas na África. A locução é em espanhol – em função da origem da indicação. Se for colocado ‘Flor do deserto’ em pesquisar no Youtube, há vídeos em português da mesma Waris Dirie, sobre a mesma temática, mas com outras propostas.

Sobre o assunto, traga um excerto do capítulo “Islamismo: vencendo preconceitos” do Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação, que coincidentemente ocupou parte de meu sábado em processo de preparação da revisão da quinta edição.

Hoje ouvimos estupefatos falar das violências cometidas contra meninas com a extirpação parcial ou total dos órgãos genitais femininos sem anestesia, sendo usados até cacos de vidro, pedaços de metal ou tesouras raramente esterilizadas. Esta circuncisão é considerada como um ritual tribal de passagem da infância para a maturidade e, muitas vezes, garante à mulher um lugar de destaque na tribo. Em muitas situações a mutilação genital feminina (mgf) consiste na extirpação do clitóris (clitoridectomia), havendo situações mais radicais onde os grandes ou/e os pequenos lábios vaginais também são retirados. Esta mutilação parece ter origem na África Central na Idade da Pedra. No Ocidente, a circuncisão foi utilizada como um processo terapêutico até metade do século 20. Médicos britânicos e estadunidenses praticavam a clitoridectomia e castração feminina (retirada dos ovários) para curar a melancolia e ninfomania. Chegou-se a usar esta prática para a “curar” a masturbação, a epilepsia, o lesbianismo e a histeria.


Ao denunciar, com indignada veemência, as discriminações que ainda se cometem hoje contra a mulher, há jornais que o fazem induzindo que se possa fazer uma generalização preconceituosa. Por exemplo, ao informar que comunidades islâmicas, nos EUA e no Canadá, praticam um dos mais violentos atentados contra a mulher, especialmente contra meninas, que é a extirpação clitoridiana. A mgf, que ainda é imposta violentamente a cerca de 6 mil mulheres diariamente, não é uma questão religiosa. Nem o Corão nem a Bíblia recomendam ou aconselham esta prática. A mgf, apesar de ser proibida legalmente em muitos países, ocorre, lamentavelmente, entre muçulmanos, mas também entre comunidades cristãs e judaicas.

O melhor domingo a cada uma e cada um. E, como disse ontem, mesmo que muito envolvidos em África, esse continente tem algo mais que futebol: há o sofrimento muito ignoramos ou até esquecemos.

sábado, 26 de junho de 2010

26.- Niketche: uma história de poligamia

Porto Alegre Ano 4 # 1423

Manhã chuvosa a deste primeiro sábado de inverno em Porto Alegre. Às 07h ainda era noite fechada. A foto é das 7h30min, com mais uma chuvarada se aproximando.

Na leitura dos jornais ao chimarrear, a Gelsa e eu nos emocionamos com o relato do médico gaúcho Milton Paulo de Oliveira, que integrou missão humanitária no Congo. Ali conheceu Denis Mukwege, que falará no ‘Fronteira do pensamento’ na próxima segunda-feira. Vale ler no caderno Cultura de Zero Hora de hoje ‘Um Quixote no coração da África.’

Nesses dias de Copa do Mundo, talvez até fugindo do anestesiar extenso que se abate sobre muitos, o futebol pode ser mote para algo mais. Não sem razão que pelo menos dois grandes órgãos da imprensa brasileira tenham na África, entre centenas de jornalistas (alguns campeões em dizer tolices), nomes das letras como Luis Fernando Veríssimo e Pascoale Cipro Neto.

L. F. Veríssimo conta na Zero Hora de ontem que “O Mario Quintana dizia que as guerras eram métodos práticos de se aprender geografia. Lugares dos quais jamais se ouvira falar ficavam famosos, e entravam para a História, por serem os locais de batalhas decisivas. Nada de muito importante aconteceu em Waterloo antes ou depois da derrota do Napoleão, mas seu nome não só nunca será esquecido como faz parte da linguagem simbólica de todo o mundo. As seleções do Brasil e de Portugal disputando o primeiro e o segundo lugares na sua chave não decidirão os destinos da humanidade, mas Durban ficará na história das nossas participações na Copa e na nossa história pessoal para sempre, como aquele lugar em que... Em que o quê? Hoje saberemos. De qualquer jeito, aconteça o que acontecer em Durban, teremos tido uma lição de geografia sem guerra.”

Mesmo não estando entre o seleto grupo que, num juízo simplíssimo ‘ganham para fazer o que nós outros pagamos para fazer’, todos nós viajamos, a cada quatro anos, nas copas do mundo. Assim aprendemos que em Durban e marcadamente portuguesa em sua colonização e que o grande poeta Fernando Pessoa aí viveu parte de sua infância e adolescência. Escrevo isso, em um sábado que aqui dia de dica de leitura.

Lembro-me de minha primeira resenha no Leia Livro, um sítio da Secretária de Estado da Cultura de São Paulo. Era um espaço de dimensões nacionais, aberto e interativo para o encontro de pessoas interessadas em livros. Começou em novembro de 2003 e finou-se, a cerca de dois anos.

O que tem a África com isso? Na noite de 8 de agosto de 2004, recebi de José Luiz Goldfarb uma destas mensagens que usualmente vão para a lixeira sem ler. Salvou-a conhecer o remetente: O site www.leialivro.com.br lançou uma nova promoção: o Clube do Leitor. Agora você pode ganhar livros novos publicando as suas sugestões de leitura no site. Funciona assim: você envia uma resenha pelo Leia Livro e se o seu texto render um boletim na Rádio Cultura, nós te mandamos um livro novo. Todas as semanas, a Rádio Cultura transmite sete novos boletins com sugestões dos participantes do Leia Livro.

No dia seguinte recebi esta mensagem: Olá! Meu nome é Fernanda e sou editora do site Leia Livro, o qual recebeu sua resenha. Sua dica foi escolhida para se tornar um boletim na rádio Cultura.

Havia seguido a sugestão e fiz uma resenha de Niketche: uma história de poligamia que recém lera. O lindo romance de uma escritora moçambicana, Paulina Chiziane - uma negra de origem humilde, nascida em 1955 - foi minha resenha de estréia no Leia Livro e comecei sorte. Nos meses seguintes publiquei 76 resenhas nesse sítio. Mais da metade delas foram radiofonizados rendendo-me cada uma preciosos livros.

Não conheço o sul da África. Já estive em três países africanos (Marrocos, Egito e ). Estive por algumas horas no aeroporto de Johanesburgo, rumo a Tailândia e Singapura. Assim quando nos últimos dias nossos conhecimentos de África e especialmente do país que se apossou do nome da região para fazer o nome de seu país e do gentílico, quero trazer algo do muito que aprendi da África em livros. Assim a dica de leitura sabatina é Niketche: uma história de poligamia

CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma historia de poligamia, São Paulo: Companhia das Letras, 2004, 337 p, ISBN 85-359-0471-9.

Niketche, quarto livro da primeira mulher de seu país a publicar um romance, retrata com uma realidade tragicômica a situação da mulher em Moçambique e as consequências do silenciamento imposto pelas igrejas cristãs europeias e brancas às culturas africanas, especialmente aquelas de educação sexual das mulheres. A autora nos faz mergulhar numa realidade de multicultural que nos é muito distante. O texto é escrito em um português moçambicano que faz leitura muito agradável, resgatando dimensões de um feminismo que a colonização européia apagou.

Em Niketche há a recuperação, com uma linguagem de exuberante lirismo, de histórias mantidas por uma tradição oral de diferentes regiões de Moçambique, país com dez grupos étnicos principais, detentores de culturas diferenciadas que têm nas relações entre homens e mulheres marcas de tradições muito fortes, nas quais a poligamia é um costume arraigado.

Acerca desse livro, Daizy Stepansky, Doutora em Comunicação e Sociedade e professora da UFF, escreveu:

Niketche é uma dança de iniciação sexual feminina de Zambézia e Nampula, Norte de Moçambique. Paulina Chiziane, a autora, é de Manjacaze, província de Gaza, Sul de Moçambique e, num país em que literatura é atividade predominantemente masculina, faz sucesso como escritora. Já publicou: A balada de amor ao vento (1990), Ventos do Apocalipse (1995) e O sétimo juramento (1999). Ela trata de temas femininos ambientados na cultura africana.

Este romance conta a história de Rami, sulista, cristã, bom nível social e cultural, com cinco filhos, casada há 20 anos com Tony, também educado e alto funcionário da polícia. Rami desconfia que seu marido tem outra mulher. Investiga e descobre que ele tem não apenas uma, mas cinco outras mulheres e muitos filhos. Procurando cada uma destas famílias, ela mergulha em outros mundos, dentro de seu país, nos quais as culturas tribais e as práticas tradicionais, como a poligamia e os rituais amorosos e eróticos, mantêm sua força e convivem com costumes de culturas hegemônicas, americanas e européias.

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Racionalidade e misticismo, Europa e África, instituições ocidentais e ritos tribais se entrelaçam numa trama enriquecida com cores tropicais e temperada com as receitas picantes de diferentes rituais ancestrais de iniciação sexual, mandingas várias para prender homens, para engravidar, para não engravidar etc. Propriedade privada e herança convivem com antigas práticas, como o dote, ou a kutchinga, cerimônia de purificação sexual da viúva, realizada por um parente do marido morto.

A África arcaica é descrita com um misto de estranhamento cristão e nostalgia. O supostamente moderno casamento ocidental é marcado por relações tradicionais, pela dominação masculina, pela desvalorização da mulher, por um sem-número de violências cotidianas, banalizadas e já incorporadas às novas relações institucionais. ''A pureza é masculina, e o pecado é feminino. Só as mulheres podem trair; os homens são livres. Os homens devem desconfiar sempre das mulheres, e as mulheres devem confiar sempre nos homens. As mulheres é que devem sentir orgulho dos seus maridos e nunca o contrário'', explica o marido. E, justificando a poligamia masculina: ''Ter muitas mulheres é o direito que tanto a tradição como a natureza me conferem.''

O texto que a Professora Daizy Stepansky publicou em 2004 no Jornal do Brasil, pode ser encontrado na íntegra em www.livrariacultura.com.br em opinião do leitor, quando se buscar por Niketche.

Adito ainda votos de um bom sábado, que para muitos é parte do último fim de semana junino encharcado de futebol. Mas para quase todos muito envolvido em África, esse continente cujo sofrimento muito ignoramos ou até esquecemos.