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sexta-feira, 25 de novembro de 2022

UMA MANHÃ NO PONTAL

  

ANO 17*** 25/11/2022***EDIÇÃO 2061

Olho o tema das últimas blogadas. Restrinjo-me aquelas deste novembro: dias 04 / 11 / 18 e hoje 25. Há quem vai qualificá-las como ‘água com açúcar’ e mais não incomodam ninguém… Ao contrário… A Sílvia Chaves (UFPA, que refiro como autora dos melhores textos quando escreve acerca da Ciência) referiu acerca da última:  Adorei a blogada dessa semana. Estás mais afiado que nunca na escrita. Mas um pouco ausente por aqui. Sinto falta de notícias tuas. 

Agora com esta blogada de hoje não faltará quem me ache provocador. Estavam quietos há quatro anos! Ora, Lula nem assumiu e o MST já está colocando as unhas prá fora! Nada a ver. Quando aceitei passar nesta terça-feira pela manhã no Pontal não sabia nada dos últimos 30 anos sobre o estar aqui nesta terça-feira. Logo nada há de provocação neste último blogar de novembro. Neste ano completa 30 anos da ocupação, que resultou em uma importante e estratégica experiência de divisão da terra.

O blogar de hoje tem co-autoria: o Prof. Dr. Antônio Valmor de Campos. O Antônio que há mais de um quarto de século conheci enquanto professor do ensino médio fazia seleção para um mestrado em Educação. Ele era, então, um líder sindical do magistério público catarinense que percorria toda Santa Catarina. Pelo árduo fazer que fazia quase escrevo que palmilhava o Estado do litoral ao oeste. 

Antônio e eu, que estivemos academicamente juntos na orientação do mestrado na Unisinos e na co-orientação do doutorado na UFSM, nunca comentamos nada acerca do que é nesta edição o assunto focal. Ao encerrarmos as atividades já meio-dia, o Antônio escreveu: Obrigado Chassot pela oportunidade de ouvir suas sempre precisas palavras! Desafiei-o: O que te parece o blogue da semana ser o estarmos hoje no Pontão? Meu interlocutor foi expedito: Que tal, o chão da Fazenda Annoni, revisitado pela derrubada das cercas e organização de um novo modelo de produção, agrícola, social e cultural.  Parece que a História da cidade seria agraciada com reverência, muito provavelmente merecida. A parceria acadêmica se faz, de maneira imediata, generosa: humildade se faz presente, como sempre: Será que eu teria essa condição? Mas, se achares que posso contribuir, vamos juntos nessa caminhada. 

O Antonio escreveu  “Pontão é uma cidade conservadora/ reacionária (sempre respeitando os que em minoria mantém sua posição política ideológica, independente de percentual), mas no campo está o Instituto Educar, que em parceria com a UFFS (a Universidade da Fronteira Sul tem campus nos três estados da Região Sul, com Reitoria em Chapecó, SC) oferece o curso de Agronomia, com ênfase na agroecologia. As atividades da sumarenta terça-feira foram convividas por acadêmicos de 13 estados. A a apresentação do Chassot buscou mostrar o quanto a alfabetização digital: é um direito universal”.

“Eu gostaria de agradecer, emocionado ao Prof. Chassot, meu sempre querido mestre, pela oportunidade de colocar algumas palavras nesta situação, como segue:

O Instituto educar é uma das expressões da proposta educacional do MST, que tem investido em grandes projetos, de afirmação de alternativas de produção, de economia, de política, de educação e de cultura. Como acompanho o movimento há mais de três décadas, percebo o quanto, da luta pela terra brota a esperança por um outro mundo possível. Portanto, este curso de Agronomia é mais uma importante expressão e conquista do sonho do movimento e das suas lideranças. Isso o coloca no patamar de movimento contemporâneo, como metodologia voltada aos tempos atuais, com preocupações sociais, culturais, econômica, política, ambiental e de inclusão”. 

“Importante registrar que esta turma funciona em regime de alternância (permanecem um tempo intensivo em aula e outro nas suas propriedades). No entanto, não se pode confundir este modelo - especialmente esta turma com EaD, pois os/as estudantes, são auto-organizados, em grupos, que discutem a organização, cuidam da disciplina do grupo, dos estudos e das atividades de alimentação (da produção ao preparo)”.

“Ainda, como educador, com admiração por Freire, registro o quanto gratificante está sendo esta experiência junto ao Curso de Agronomia. Estou próximo a completar 40 anos de sala de aula, e esta experiência tem coroado minha atuação, me fazendo professor e estudante, interagindo no ensinar e aprender cotidianamente com eles. Algumas aulas são realizadas antes de iniciar as atividades curriculares. E no componente que ministro os provoquei para uma verdadeira pesquisa participativa, os provocando a trazer para socializar com todas e todos, o domínio dos saberes tradicionais e sua contribuição nas ciências e na tecnologia, a partir da visão dos mais idosos”.

“Ao ver as apresentações de cada pesquisador/a, percebi a riqueza do material e sua amplitude nacional, o que me motivou a escrever um ensaio, para registrar essa coleta interessante de elementos destes 13 estados, representados, de alguma forma pelos/as estudantes da turma, sobre os saberes tradicionais na visão de familiares e vizinhos dos estudantes. 

“Isso vem ao encontro do que Chassot, pontua acerca do momento atual, quando afirma que, hoje ser alfabetizado digitalmente é um pré-requisito para ser alfabetizado cientificamente. É hoje como aprender uma nova língua. Quando alguém imigra para um país que tem um Idioma diferente, o que busca aprender por primeiro? a linguagem do país. Talvez, aqui se possa falar em múltiplas alfabetizações além do usual letramento no idioma de berço: alfabetização científica, alfabetização matemática, alfabetização geográfica, alfabetização biológica, alfabetização digital, alfabetização em inteligência artificial, alfabetização musical, alfabetização astronômica, alfabetização astrológica, alfabetização geológica, alfabetização geográfica ou ainda, alfabetização em idioma(s) estrangeiro(s) etc.”

Aqui, retomo com uma questão fulcral: HÁ UMA DESTAS ALFABETIZAÇÕES QUE É PRÉ-REQUISITO às demais! Qual? uma alfabetização digital… assim ensejamos uma Alfabetização Científica como um direito humano para formarmos cidadãs e cidadãos envolvidos na construção de um pensamento crítico. Este pensamento crítico se adensa à medida que nos envolvemos com múltiplas alfabetizações ajudados pelo Professor Google, pelo Padre Google, pelo Pastor Google, pelo Químico Google,  pelo Advogado Google,  pelo Astrônomo Google,  pelo Astrólogo Google,  pelo Biólogo Google,  pelo Cardiologista Google,  pelo Enólogo Google… e outros dezenas mais. Cada conhecimento que amealhamos nos torna cada vez mais sujeitos indisciplinares.

Se uma das dimensões da Ciência é SER UMA LINGUAGEM talvez, pudéssemos afirmar que a Alfabetização Científica — na acepção de ler o mundo por meio da linguagem que a Ciência o descreve — se faz numa assemblage  de diferentes alfabetizações [Assemblage: aprendemos essa palavra em rótulos de vinhos. No Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, um enólogo explica que uma assemblage consiste de um vinho formado pela reunião controlada de dois ou mais varietais em proporções estudadas].

Trago apenas um dado acerca da possibilidade de Antônio e eu sermos parceiros em consistentes diálogos acadêmicos. Dos 37 mestrandos que orientei [+ 9 doutores + dois co-doutorandos e um pós-doutor. É preciso justificar o número reduzido de doutores por eu ter feito doutorado, (1991/1994) quando  já aposentado na UFRGS] sempre que desejo exemplificar uma dissertação que, com competência, arrola questões de pesquisa e as busca responder. 

Logo nosso diálogo conhecia a CDHPF Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo e nos apropriávamos do texto:  Anoni: uma história de resistência e luta pela democratização da terra que transcrevemos a seguir: 

Uma área com 9,3 mil hectares, capim e meia dúzia de cabeças de gado. Esta era a antiga fazenda Annoni, localizada no município de Pontão, na região Norte do Rio Grande do Sul, antes de ser ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na madrugada do dia 29 de outubro de 1985. Conforme os assentados que fizeram parte da ocupação, o latifúndio tinha sido desapropriado em 1972 para assentar remanescentes da Hidrelétrica Passo Real, contudo, o processo entrou em morosidade na justiça. Treze anos depois, de forma organizada, mais de sete mil pessoas derrubaram as cercas do latifúndio e fizeram da Annoni um dos maiores acampamentos do MST no RS” https://cdhpf.org.br/artigos/2342/

Cabe encerrar este blogar. Sou grato ao Antônio por me desvelar o que não conhecia e também por fazer a escritura da parte substantiva desta edição.  Hoje, há que lutarmos para ensejar a migração dos alienígenas digitais para fazê-los imigrantes digitais. Assim repito-me, como ninguém discorda que se faça campanhas de alfabetização na língua materna temos que acolher, como uma questão moral, os alienígenas e fazê-los imigrante digitais. Quando alguém imigra para um país que tem um idioma diferente, o que busca aprender por primeiro? Hoje vivemos num Brasil onde a linguagem digital é hegemônica e faz exclusões.

A cada dia chegam centenas de migrantes a nosso convívio que ainda são analfabetos digitais. Há que alfabetizá-los. Há que fazê-los migrantes para o mundo digital (como nós, a maioria dos leitores deste texto). Há que ensejar a muitos as benesses ofertadas por esse (quase mágico e) fantástico mundo digital. 

***** Peço aos problemas técnicos de editoração. Tanto o Antônio como eu escrevemos em situações (quase) emergenciais.*****


sexta-feira, 18 de novembro de 2022

UM ESTAR NA FEIRA DO LIVRO

  

ANO 17*** 18/11/2022***EDIÇÃO 2060

 

 Na tarde da última segunda-feira -- permeada de sabor de feriadão -- fui à 68ª edição da Feira do Livro de Porto Alegre. Recordo que em 1957, ano que me formei no ginásio (hoje nono ano) em Montenegro, vim à Porto Alegre, em função do convite da formatura. Fui pela primeira vez a uma feira de livros. Maravilhei-me. Era então a 3ª edição da feira de Porto Alegre. 

Desde então, das cerca de sessenta edições que houve após aquela, estive praticamente em todas. Mais de uma vez autografei na feira da cidade qual moro há mais de meio século. Não lembro de algum ano que estando hábil na capital, tenha faltado à sumarenta experiência do contato público e íntimo com o livro, artefato cultural tão importante na história da humanidade.

Por ser pertinente vale referir algo aqui -- nos feriados de finados terminei de ler o volumoso presente do Nelson Marques, meu amigo e colega de Natal, d’outro Rio Grande --: Irene VALLEJO Infinito em um junco A invenção dos livros no mundo antigo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022. 496 p. ISBN 978-65-5560-468-9 Lançamento 02/06/2022. Um livro sobre a evolução dos livros, um passeio pela trajetória desse inevitável que inventamos para que as palavras pudessem ser transportadas pelo espaço e pelo tempo: O infinito em um junco conta a história desse objeto desde sua criação, há milênios, passando por diferentes modelos e formatos que testamos ao longo da jornada humana”.

“A obra de Irene Vallejo é também sobre viagens e diferentes lugares. Uma rota com paradas nos campos de batalha de Alexandre, o Grande, e na Vila dos Papiros sepultada pelas lavas do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra e na cena do crime de Hipátia, nas primeiras livrarias e nas oficinas de cópia manuscrita”.

Mas o meu móvel -- na 4a. acepção do Priberam:  Aquilo que é a origem ou causa de alguma coisa. = FITO, INTENTO, MÓBIL, MOTIVO, MOTOR, RAZÃO -- era celebrar, com o Denilson da Silva, o lançamento do livro Práticas curriculares democráticas em escolas do campo no Brasil, Curitiba: Appris, 273 p. ISBN 978-65-250-3103-3. 2022.

Esta obra ora celebrada na 68ª Feira do Livro de Porto Alegre é resultado da tese doutoral do Denilson, defendida em 17 de agosto de 2020, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos. Para o livro do qual a tese é geratriz fui obsequiado no escrever um posfácio.     

Nestes tempos pandêmicos, os convites a prefácios e posfácios pulularam (claro que não com a velocidade do covid-19). Nos parágrafos iniciais da introdução, o Denilson faz uma adequada referência a palavras como pandemia, trabalho remoto, lockdown e lives que entraram subitamente em nosso cotidiano. Mas a atualização (em julho de 2020) quase colapsou. O que se descreve nos parágrafos iniciais, com muita competência e criticamente analisado — e eu não poderia esperar algo diferente de meu orientando de mestrado nos anos iniciais do século 20 — está desatualizadíssimo, tal a rapidação dos cenários em que vivemos, enquanto inseridos planetariamente no mundo pandêmico. Vivemos e ora revivemos (novembro 2022) marcados por cruenta melancolia, catalisada por vírus que é espetacularmente veloz na disseminação viral. Não há como ter um texto atualizado por mais de 24 horas (quando crianças e adultos, jovens e idosos continuam levados a óbitos!

Antes de assestar a tessitura de um blogar vou fugar e me permitir, trazer algumas linhas marcadas por intimismos, datados de há quase duas décadas. No ocaso do século 20, expressões como ‘apagão na rede elétrica’, ‘racionamento de energia elétrica’ e assemelhadas eram presença no cotidiano dos gaúchos e também em outras unidades da Federação. Denílson, recém licenciado em Física e, então, fazendo Mestrado em Educação, viu oportunidade para, na visitação e descrição de rodas d’água, usadas para produção doméstica de energia elétrica. Estava com um excelente tema do cotidiano para sua dissertação de mestrado. Em 21 de março de 2003, defendeu com sucesso a dissertação: A roda d'água termina com o apagão nos currículos e transforma o ensino da conservação da energia. Se fez mestre. Se tornou ainda mais competente no adensar uma trajetória de educador que teve vários e diferentes ápices memoráveis: Como bolsista Capes atuou, por um ano, na Formação Docente na Universidade Nacional e no Instituto de Formação de Professores da Educação Básica na reformulação curricular de curso junto ao Ministério da Educação e Cultura do Timor Leste. Foi Secretário Municipal de Educação em Palmares do Sul. Atualmente é Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, no Câmpus de Erechim. 

Mas, ocorre que uma atenta leitora possa estar a interrogar pelo anunciado intimismo. Ei-lo. Para perpetuar nossa relação na tessitura da dissertação, materializamos o ícone da mesma: uma roda d’água. Na fonte, nos jardins da Morada dos Afagos (que já tinha variedades de plantas aquáticas, trazidas pelo Denílson quando vinha de sua Osório a sessões de orientação), colocamos uma pequena roda d’água. Ainda hoje, quando me encanto com algumas carpas, fruindo das benesses do ícone da dissertação oxigenando águas, lembro que há quase 20 anos, se terminou com apagões em currículos de Ciências da Natureza na Educação básica, narrando, quanto então, as rodas d’água iluminava trevas e moíam grãos. 

O dia 14 deste novembro -- que nos mostra quanto houve precipitação no abandonar o uso de máscaras --  foi de apascentar saudades: com a Zelma revivi a Feira do Livro que nesta edição nos recorda:  uma boa festa tem história, saboreamos comeres no Bistrô do MARGS, buscamos saudades como a Casa Masson na Rua da  Praia, tomamos chopes no Chalet da Praça Parobé. Valeu ter antecipado o feriado do Golpe de 15 de novembro de 1889. Agora a Feira do Livro terminou. É preciso esperar o já tão sonhado 2023 para nos encontrar na Praça da Alfândega para ver as flores de jacarandás cair sobre os livros.

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

UM 06/11/1939: DE VIDA E DE MORTES

ANO 17*** 11/11/2022***EDIÇÃO 2059

A guisa de um prelúdio: Na última edição (04/11/2022) cometi um erro. Aqui e agora, retifico uma informação. Escrevi: 06/11/1939 é uma data (quase) só minha. Na Wikipédia não há  registro de nenhum nascimento, falecimento ou efeméride nesta  data. Esta informação está equivocada. A Danila (Instituto Federal de Goiás) alertou-me que eu já escrevera em 2015: Uma pavana para Século 20: olhando um mundo dito humano. Pavana Dança espanhola grave e séria e de movimentos pausados. [tocar a pavana a Sovar, tosar, maltratar].

Na quarta-feira, 28 de janeiro de 2015, estive nos campos de concentração de Auschwitz e de Birkenau. São inenarráveis as emoções. Estar sem qualquer pessoa conhecida ou mesmo falante de seu idioma de berço adensa a dor.  As velas colocadas pelas comemorações dos 70 anos da libertação dos dois Campos, no dia anterior, ainda estavam acessas; as flores depositadas não haviam murchado. Vivi por mais de 1,5 hora, em  Auschwitz e por 1,5 hora em Birkenau. em cada um dos dois Campos de extermínios, momentos por demais emocionantes. Estar em cenários que de maneira tão densa documentam uma das maiores barbáries, de todos os tempos, cometidas no nosso século 20, por humanos contra milhões de crianças, mulheres e homens me obriga compartir, aqui e agora.

Em Auschwitz, com 28 prédios, por exemplo, contemplar locais dos banhos antes do acesso a câmaras de gás e depois a crematórios. Conhecer o paredão das execuções e as forcas. Impressionar-me com as tentativas (muitas vezes frustradas) de resistências. Ver locais de experimentos promovidos em mulheres e crianças. Percorrer vitrines com toneladas de sapatos (de crianças, de mulheres, de homens) de óculos, de próteses, de louças e esmaltados, de malas endereçadas, de roupas de bebês e crianças fere-nos tão profundamente que parece que vivemos um pesadelo. A imagem que colhi em Auschwitz com a frase: "Arbeit macht frei" = O trabalho liberta” está ligada ao discurso do primeiro episódio mais adiante. A frase "Arbeit macht frei" foi colocada nas entradas de vários campos de concentração do regime nazista para zombar dos prisioneiros.

Em Birkenau — um dos 45 campos satélites de Auschwitz, que chegou a ter 300 barracões — caminhar sobre a neve e entre árvores desnudas ver numa extensa área de 175 hectares dezenas de chaminés de crematórios é tão incrível que parece estarmos vendo um filme de ficção.

Não tenho condição de narrar mais nada. Se algum leitor quiser saber mais acerca 1,3 milhões de pessoas que morreram ali: a maioria gaseificada e 500.000 de fome e doenças, sendo 90% deles de judeus. Outros deportados e executados ali foram 150 mil poloneses, 23 mil ciganos romenos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos, cerca de 400 Testemunhas de Jeová e dezenas de milhares de pessoas de diversas nacionalidades, basta colocar em qualquer buscador a palavra que não cessa de martelar em meus ouvidos. Escolhi dentre centenas de relatos apenas dois episódios.

Episódio UM Discurso feito pelo Obersturmführer Franz Hössler para um grupo de judeus gregos na antecâmara onde os prisioneiros se despiam, pouco antes do grupo ser levado à câmara de gás para ser executado:

"Em nome da administração do campo eu lhes dou as boas-vindas. Isto não é uma colônia de férias, mas um campo de trabalho. Assim como nossos soldados arriscam suas vidas na frente de combate para conquistar a vitória para o Terceiro Reich, vocês terão que trabalhar aqui para o bem-estar de uma nova Europa. Como vocês irão desempenhar essa tarefa depende apenas de vocês. A chance existe para cada um de vocês. Vamos cuidar de sua saúde e também ofereceremos trabalho bem pago. Após a guerra, vamos avaliar todos de acordo com os seus méritos e tratá-lo adequadamente.

Agora, por favor, tirem suas roupas. Pendurem as roupas nos cabides que nós providenciamos e por favor lembrem-se de seu número (no cabide). Depois de seu banho haverá uma tigela de sopa e café e chá para todos. Oh sim, antes que eu me esqueça, depois do banho, por favor, tenham seus certificados, diplomas, boletins escolares e outros documentos à mão, para que possamos empregar todos de acordo com seu treinamento e habilidade. Os diabéticos que não podem consumir açúcar comuniquem ao pessoal de serviço após o banho".

 

Episódio DOIS. No sábado, 31 de janeiro, visitei o Collegium Maius (Grande Escola), na parte antiga de Cracóvia. É o prédio mais antigo da Universidade Jaguelônica (polonês: Uniwersytet Jagielloński) que está classificada dentre as universidades de elite da Europa. Foi fundada em 1364 por Casimiro III, o Grande, como Akademia Krakowska e desde então está entre as mais antigas universidades da Europa e do mundo, a segunda mais antiga da Europa Central (depois da Universidade de Praga). Vi salas (bibliotecas, refeitórios, sala de conselhos) do século 14.

As faculdades de astronomia, direito e teologia atraíram eminentes estudiosos. Destaco dois alunos importantes, entre os muitos listados. Nicolau Copérnico (1473-1543) e Karol Wojtyła (1920-2005), depois, João Paulo II, agora, São João Paulo II.

Foi emocionante ver, por exemplo, a primeira edição de 1453 manuscrita (no sentido literal) por Copérnico da obra De revolutionibus orbium coelestium (Sobre as revoluções das esferas celestes).

A obra, dedicada ao papa Paulo III, foi publicada depois de 36 anos de angustiante maturação, algumas horas antes da morte de Copérnico, em 24 de maio de 1543, aos setenta anos, vítima de um acidente vascular cerebral. O livro esteve quase 300 anos no index.

Mas ao lado das muitas exposições é me recordado um fato que conhecera dias antes no Museu Oskar Schindler: no dia 6 de novembro de 1939, os nazistas, que desde 01 de setembro de 1939 ocupavam a Polônia, convocaram os professores e cientistas mais eminentes da Polônia para uma aula inaugural na Universidade Jagiellomiam. Em sua totalidade, os 184 que atenderam a convocação, foram presos e deportados pelos nazistas para campo de concentração onde foram mortos.

No dia 6 de novembro de 1939 há a celebração de minha vida e a funérea recordação da morte de 184 professores poloneses. Há, ainda, que chorar por eles.  

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Convenço-me: anjos da guarda existem

ANO 17*** 04/11/2022***EDIÇÃO 2058



Uma das mais significativas exclusões sociais é ser um ‘sans papiers’ ou ‘sem papéis’ e isso começa por não se ter certidão de nascimento ou não ter DN — algo mais frequente do imaginamos —. Se diz, e parece ser verdadeiro: “Ser um ‘sans papier’ é como viver na prisão”.

Essa reflexão preambular decorre quando me dou conta do registro da data de depois de amanhã. Certamente, (ano em que começou a Segunda Guerra Mundial ou ano em que morreu Sigmund Freud) é a data que eu mais registro em minhas rotinas de preencher documentos.

06/11/1939 é uma data (quase) só minha. Na Wikipédia não há  registro de nenhum nascimento, falecimento ou efeméride nesta  data. Sei apenas de uma pessoa (pai de uma amiga) que tem na DN os mesmos oito dígitos na mesma sequência que eu.

Quando olho que nasci às 3h da madrugada e vejo que no mesmo dia meu pai tomou um trem para ir da Estação Jacuí a Restinga Seca, então, distrito de Cachoeira do Sul, para me registrar no mesmo dia, comovo-me.

Depois do registro “milagres existem” na edição de 24/10/2022, talvez deva criar a seção para registro de ‘ações de meus anjos da guarda’. Meu muito querido colega e amigo Prof. Dr. Jorge Messeder (IFRJ) já me narrou, algumas vezes, quando assiste minhas palestras vê ‘ajudantes’ auxiliando na sequenciação dos assuntos que devo abordar. 

Agora, por duas vezes, neste outubro prenhe de ansiedades, eu os vi. Uma que já narrei na citada edição antes referida. Outra descrevo agora.

Era dia 30. A temperatura era mais de 30 graus. O sol era canicular. Eu ia mais uma vez votar no Lula para Presidente. Optei por ir a pé ao Colégio Bom Conselho. São cerca de 850 metros. A ascensão da Mariante até a Rua 24 de Outubro parecia mais íngreme que sempre. A criativa camiseta ‘Ano do Alumínio’ que me fora presenteada pelo Gerson Mol (UnB) em Pelotas encharcara. Agora descobrir a sala distribuída acriteriosamente. Segundo andar, sem elevador. Comecei a subida. Éramos muitos. 

Antes de ascender a metade dos quatro lances de degraus, alguém segura meu braço direito. O esquerdo usava no corrimão. Agora o acesso se faz facilitado. Vencido o primeiro lance, ainda sem conversar com a jovem senhora, recebi a sugestão de aguardá-la pois iria descobrir em qual dos corredores era a minha sala 0105. Detida a informação ela acompanha-me até meu local de votação. Sou informado: Voto no  andar! Subo para votar e volto para ajudá-lo a descer! Espere-me aqui! Sou obediente. Afinal, descer escadas é mais difícil do que subir. Votei. Esperei bastante. Lembrei um saber primevo: Para descer todo santo ajuda é um equívoco. Para descer todo santo empurra! 

A minha guardadora retorna: Nós vamos levá-lo para sua casa! Protestei: Como é teu nome! Quem é nós? Meu nome: Anahi! Nós: Meu marido e eu! Não tens ideia aonde eu moro! Não faço restrição à distância! Vamos descer! Aviso meu marido em que local de saída o aguardamos! Podes almoçar conosco! Estava impedido de aceitar o convite, pois um dos meus filhos era esperado. Chegou o Edson. Ratificado os planos. Chegamos ao portão de meu prédio. A missão para ser completa a mordomia insistiram que o casal subisse comigo. Subimos. Viram horta/jardim. Combinamos reencontros. Autografei um exemplar de A ciência é masculina? é, sim senhora! para o casal. Embalamos desejos para que ao pôr-do-sol nossos três votos iguais sejam também os mesmos que a maioria dos eleitores brasileiros.

PS.: Maktub; e assim aconteceu! Só não sabíamos que vândalos passariam a exigir um terceiro turno da eleição!