Ano
6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2162
Ontem, quando
trouxe o sumarento texto A escrita e o cuidado de si de Antonio Ozaí da Silva, afirmei
que parecia fácil [para mim] encontrar identificação com o artigo, pois escrevo
diários — em suporte papel — há mais de 28 anos.
Marcado ela repercussão da
edição de ontem – vale ver os comentários — resolvi buscar um pequeno fragmento
de Memórias de um professor: hologramas
desde um trem misto [Editora Unijui, 2012, 504p.] onde tento responder Por que escrever diários? Assim, a
tessitura deste excerto não foi marcada por A
escrita e o cuidado de si. Este apenas catalisou a trazida de um fragmento aqui.
Nunca viajo sem o meu diário.
É preciso sempre ter alguma coisa sensacional para
ler no trem!"
Oscar Wilde
(1854 - 1900)[i]
Confesso que
não sei responder esta pergunta. Talvez se a modificasse para “Por que
escrevo diários?” seria mais fácil a resposta. Seria simplista: porque
gosto. Acho que, como gosto de ler diários e biografias e especialmente
autobiografias, gosto de escrever diários. O historiador inglês, Sir Thomas
Macaulay (1800-1859), ao ser perguntado sobre sua leitura favorita, confessou: "Nenhuma
leitura é tão deliciosa, tão fascinante quanto a história minuciosa do 'eu' de
uma pessoa". Nicolau Sevcenko[ii]
acrescenta que Macaulay, muito provavelmente estivesse a se referir a si mesmo
e ao seu hábito de ler e reler continuamente seu próprio diário.
Os diários,
como os álbuns de fotografias, são para recordar momentos vividos. Manuseamos
uns e outros para matar saudades. Diários e álbuns de fotografias são coleções
de momentos de vida.
Talvez o "Nosce
te ipso", que tanto ouvimos em nossa formação, tenha a ver com esta
quase obsessão de escrever e nos ler com tanta frequência. É muito bom se ver e
recordar o vivido, e parece que não há narcisismo nisso – e se houver,
saberemos conviver com mais essa considerada desvirtude. Mas em diários também
se escrevem fracassos e estes, nem sempre trazem boas evocações.
Aliás, sempre
pensei que autobiografias estivessem intrinsecamente associadas a escrever
diários. Li, há não muito tempo, a de Paul Feyerabend (1996)[iii],
onde o admirado e contestado autor de Contra o Método nos mostra sua
vida com dolorosa crueza, e lá vejo que, quando precisou responder a algumas
interrogações sobre sua história disse: “Não é fácil responder a estas
questões. Nunca escrevi um diário, não guardo cartas, nem mesmo de ganhadores
do Prêmio Nobel, e joguei fora um álbum de família para dar espaço ao que então
eu julgava serem os livros mais importantes” (p.11).
Brinco, que
meus biógrafos não terão o trabalho a que Feyerabend se referia, ou talvez,
terão muito trabalho, pois deixarei muitos volumes de diários, muitos recortes
de notícias, cartas, convites. São minhas memórias que aflorarão depois, mesmo
que o destino mais apropriado de meus diários seja aquele indicado por Wilde na
abertura destas reminiscências. Brincadeiras à parte, pergunto-me se uma neta
ou um neto perderá tempo com estes legados. Por outro lado, quem de nós não
gostaria de ter pelo menos uma carta de um avô ou de uma avó?
Mas, me parece
claro que não escrevo diários para os outros. O meu mais assíduo leitor é, e
certamente ainda serei, eu. Imagino sempre que a um tempo meus escritos serão
bons passatempos, pelo menos para mim. Atualmente, em algum momento de folga me
permito alguns exercícios. Olho o que fazia, por exemplo, há cinco ou dez anos.
E, então, não fico apenas naquele dia, vou para frente e para traz dando-me
conta de quanta coisa passa a ser possível de ser rememorada exclusivamente com
auxílio de algumas anotações. Há um número muito grande de fatos e feitos dos
quais não lembraria se não fosse o diário.
Há não poucas
situações em que meus diários já foram úteis para esclarecer circunstâncias.
Recordo particularmente o meu não envolvimento em uma multa de trânsito, pois
tinha elementos que me diziam que naquele dia nem saíra de carro ou até para
esclarecer que determinada multa ocorrera quando emprestara o carro para
determinado familiar. Mas, talvez, fundamentalmente escrevo diários para matar
saudades. Parece que isso me dá sobejas razões para prosseguir entusiasmado no
meu fazer. Afinal, parece ser decisivo rastrearmos o passado para melhor
projetarmos o futuro, vencendo assim um nocivo presenteísmo.
[i]Esta citação está no texto “O
umbigo vitoriano” resenha livro O coração desvelado Peter Gay
elaborada por Nicolau Sevcenko para o Jornal de Resenha - Folha de S.
Paulo, p.8, 12 de junho de 1999.
[ii] A fonte é o
Jornal de Resenha referido na nota anterior.
[iii] FEYERABEND, Paul. Matando o tempo.
São Paulo: Editora da Unesp, 1996.
Caro Chassot,
ResponderExcluirmais de uma vez já tentei fazer diários, acabo antes de completar os primeiros 30 dias. De outra sorte, gosto de registrar o que posso através da imagem. De alguma forma, a leitura dessas imagens me trazem recordações e me permitem idealizar outras.
Um abraço,
Garin
Caro Chassot,
ResponderExcluirEscrever diários é desnudar a alma. Os momentos mais íntimos podem ficar expostos e nem todo mundo suporta tal exposição. Prefiro escrever de meus olhos para fora e não para dentro. Abraços, JAIR.