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terça-feira, 3 de julho de 2012

03.- POR QUE ESCREVER DIÁRIOS?



Ano 6*** www.professorchassot.pro.br ***Edição 2162
Ontem, quando trouxe o sumarento texto A escrita e o cuidado de si de Antonio Ozaí da Silva, afirmei que parecia fácil [para mim] encontrar identificação com o artigo, pois escrevo diários — em suporte papel — há mais de 28 anos.
Marcado ela repercussão da edição de ontem – vale ver os comentários — resolvi buscar um pequeno fragmento de Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto [Editora Unijui, 2012, 504p.] onde tento responder Por que escrever diários? Assim, a tessitura deste excerto não foi marcada por A escrita e o cuidado de si. Este apenas catalisou a trazida de um fragmento aqui.
Nunca viajo sem o meu diário.
É preciso sempre ter alguma coisa sensacional para ler no trem!"
Oscar Wilde (1854 - 1900)[i]
Confesso que não sei responder esta pergunta. Talvez se a modificasse para “Por que escrevo diários?” seria mais fácil a resposta. Seria simplista: porque gosto. Acho que, como gosto de ler diários e biografias e especialmente autobiografias, gosto de escrever diários. O historiador inglês, Sir Thomas Macaulay (1800-1859), ao ser perguntado sobre sua leitura favorita, confessou: "Nenhuma leitura é tão deliciosa, tão fascinante quanto a história minuciosa do 'eu' de uma pessoa". Nicolau Sevcenko[ii] acrescenta que Macaulay, muito provavelmente estivesse a se referir a si mesmo e ao seu hábito de ler e reler continuamente seu próprio diário.
Os diários, como os álbuns de fotografias, são para recordar momentos vividos. Manuseamos uns e outros para matar saudades. Diários e álbuns de fotografias são coleções de momentos de vida.
Talvez o "Nosce te ipso", que tanto ouvimos em nossa formação, tenha a ver com esta quase obsessão de escrever e nos ler com tanta frequência. É muito bom se ver e recordar o vivido, e parece que não há narcisismo nisso – e se houver, saberemos conviver com mais essa considerada desvirtude. Mas em diários também se escrevem fracassos e estes, nem sempre trazem boas evocações.
Aliás, sempre pensei que autobiografias estivessem intrinsecamente associadas a escrever diários. Li, há não muito tempo, a de Paul Feyerabend (1996)[iii], onde o admirado e contestado autor de Contra o Método nos mostra sua vida com dolorosa crueza, e lá vejo que, quando precisou responder a algumas interrogações sobre sua história disse: “Não é fácil responder a estas questões. Nunca escrevi um diário, não guardo cartas, nem mesmo de ganhadores do Prêmio Nobel, e joguei fora um álbum de família para dar espaço ao que então eu julgava serem os livros mais importantes” (p.11).
Brinco, que meus biógrafos não terão o trabalho a que Feyerabend se referia, ou talvez, terão muito trabalho, pois deixarei muitos volumes de diários, muitos recortes de notícias, cartas, convites. São minhas memórias que aflorarão depois, mesmo que o destino mais apropriado de meus diários seja aquele indicado por Wilde na abertura destas reminiscências. Brincadeiras à parte, pergunto-me se uma neta ou um neto perderá tempo com estes legados. Por outro lado, quem de nós não gostaria de ter pelo menos uma carta de um avô ou de uma avó?
Mas, me parece claro que não escrevo diários para os outros. O meu mais assíduo leitor é, e certamente ainda serei, eu. Imagino sempre que a um tempo meus escritos serão bons passatempos, pelo menos para mim. Atualmente, em algum momento de folga me permito alguns exercícios. Olho o que fazia, por exemplo, há cinco ou dez anos. E, então, não fico apenas naquele dia, vou para frente e para traz dando-me conta de quanta coisa passa a ser possível de ser rememorada exclusivamente com auxílio de algumas anotações. Há um número muito grande de fatos e feitos dos quais não lembraria se não fosse o diário.
Há não poucas situações em que meus diários já foram úteis para esclarecer circunstâncias. Recordo particularmente o meu não envolvimento em uma multa de trânsito, pois tinha elementos que me diziam que naquele dia nem saíra de carro ou até para esclarecer que determinada multa ocorrera quando emprestara o carro para determinado familiar. Mas, talvez, fundamentalmente escrevo diários para matar saudades. Parece que isso me dá sobejas razões para prosseguir entusiasmado no meu fazer. Afinal, parece ser decisivo rastrearmos o passado para melhor projetarmos o futuro, vencendo assim um nocivo presenteísmo.
[i]Esta citação está no texto “O umbigo vitoriano” resenha livro O coração desvelado Peter Gay elaborada por Nicolau Sevcenko para o Jornal de Resenha - Folha de S. Paulo, p.8, 12 de junho de 1999.
[ii] A fonte é o Jornal de Resenha referido na nota anterior.
[iii] FEYERABEND, Paul. Matando o tempo. São Paulo: Editora da Unesp, 1996.

2 comentários:

  1. Caro Chassot,
    mais de uma vez já tentei fazer diários, acabo antes de completar os primeiros 30 dias. De outra sorte, gosto de registrar o que posso através da imagem. De alguma forma, a leitura dessas imagens me trazem recordações e me permitem idealizar outras.
    Um abraço,
    Garin

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  2. Caro Chassot,
    Escrever diários é desnudar a alma. Os momentos mais íntimos podem ficar expostos e nem todo mundo suporta tal exposição. Prefiro escrever de meus olhos para fora e não para dentro. Abraços, JAIR.

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