ANO
8 |
Frederico
Westphalen/
Porto Alegre
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EDIÇÃO
2578
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Sou de um
tempo que 1o de
novembro era feriado, ou melhor, dia santo de guarda (= dia de
assistência de missa inteira): Dia de
todos os Santos. Aditado ao dia de finados formava um muito tradicional
feriadão. Na época de faculdade era a última parada para depois enfrentar os
temíveis exames finais anuais.
Quando esta
edição circular, estarei retornando de dois dias muito produtivos na URI de
Frederico Westphalen, que deixo após a palestra de Pedro Demo. Chego em Porto
Alegre na última sexta-feira de outubro, data importante na cidade, que nesta
conjugação do calendário inaugura uma das mais movimentadas e tradicionais feiras
do livro da América Latina, este ano na sua 59a edição.
Esta já é a edição inaugural de novembro. Revisito algo
que escrevi, nesta data, há um ano. O tema de hoje vem na esteira da evocação
de ontem: 31 de outubro de 1517, uma
vez mais matizada em uma leitura Ocidental (como se fosse planetária).
Quando nos
referimos à Idade Média, parece natural nos perguntarmos por sua certidão de
nascimento e seu atestado de óbito. Todavia, mesmo que se reconheça cidadania
histórica à Idade Média, não existe nenhum registro batismal ou um dado funeral
para um período de cerca de mil anos da história da humanidade (ocidental).
Hilário Franco
Junior, no apreciado A Idade Média: o
nascimento do Ocidente [São Paulo: Brasiliense, 1994] diz que “se utilizássemos
numa conversa com homens medievais a expressão Idade Média, eles não teriam
ideia o que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os
períodos históricos, se viam vivendo na época contemporânea. De fato, falarmos
em Idade Antiga ou Média representa uma rotulação a posteriori, uma satisfação da necessidade de darmos nomes aos
momentos passados” (p. 17).
No A ciência através dos tempos, que já vai
fazer 20 anos de continuada circulação escrevi: “A Idade Média é o milênio
transcorrido entre o término da Idade Antiga (identificado com a queda do
Império Romano do Ocidente, em 476) e o surgimento do Renascimento (ou a tomada
de Constantinopla pelos turcos, em 1453, ou, ainda, a descoberta da América, em
1492). Este período já foi chamado de "Idade Obscura" ou "Noite
de Mil Anos", e o adjetivo "medieval" (ou "medievo"),
às vezes, quer significar retrógrado ou obscuro, mesmo que se faça outra
leitura desse milênio, principalmente do seu final” (p. 101).
Não vou fazer,
aqui e agora, uma listagem de legados da Idade Média. Chiara Frugoni escreveu
um apetitoso “Invenções da Idade Média:
Óculos, livros, bancos, botões e outras inovações” [Rio de Janeiro: Zahar,
2007]. Dar-nos conta que Universidade, que já tem mais de 800 anos, é um legado
do medievo é suficiente para expurgar a conotação de obscurantismo para o
adjetivo medieval.
Afirmei que
esta blogada estava na esteira da celebração que este blogue fez ontem. Para
justificar trago uma narrativa da medievalista Régine Pernoud: “quando eu era
encarregada do Museu da França nos Arquivos Nacionais chegou uma carta
perguntando ‘Poderia me informar a data exata do tratado que marca o fim da
Idade Média?’ Havia uma pergunta complementar: ‘Em que cidade se reuniram os
diplomatas que preparam este tratado?’” [Idade
Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Agir, 1994, p.7]
Há uma meia
dúzia de propostas de um evento para marcar o início do Renascimento ou fim da Idade
Média. Assim para seu término já se pensou (cronologicamente) em:
a) 1439: invenção da imprensa;
b) 1453: queda de Constantinopla;
c) 1453: fim da Guerra dos 100 anos;
d) 1492: descoberta da América;
e) 1517: Reforma Luterana;
f) 1534: Reforma Anglicana.
Não
há sentido de fazermos um plebiscito entre estes eventos e eleger o lapidar. A
escolha daquele que foi mais relevante ou mais revolucionário vai muito de
opiniões.
Mesmo
que eu não seja historiador, se tivesse eleger um, a minha escolha seria em
primeiro lugar a Reforma Luterana, talvez marcado pelo meu viés dito
‘igrejeiro’, (leia-se: querer ler a
história marcada pela presença da religião). Se fosse eleger outro, seria a
invenção da imprensa, reconhecendo-a tão importante, quanto o invento da
Internet, a criação mais revolucionária do Século 20.
Uma
blogada especial caberia para destacar as muitas consequências políticas, sociais, econômicas, culturais e
educacionais da Reforma Luterana. Talvez um dos feitos mais significativos foi traduzir toda Bíblia para o alemão, em
uma edição de 1534. Antes houve outras traduções parciais (especialmente dos
evangelhos) em diferentes idiomas.
A
Bíblia
de Lutero se torna referência na manutenção
da ortodoxia nas igrejas reformada. Ela confere ao alemão o status de língua
culta e com isso fortalece o emergente conceito de ‘Estado nação’.
Importância mais significativa desta
tradução foi que agora a Bíblia estava acessível a todos (que soubessem ler). Como
os cultos nas igrejas reformadas eram no vernáculo [a igreja católica continuou
com cultos em latim até o Concílio Vaticano 2º (1962-65)] se criaram escolas
junto a cada igreja para se ensinar a leitura, assim o povo poderia ler a
Bíblia e ler os hinos nos cultos.
Assim a Escola como conhecemos hoje
é produto da Reforma Protestante. A primeira ordem religiosa ensinante da
igreja romana (antes as ordens religiosas eram pregadoras, esmolantes, orantes,
hospitalares, militares...) é a Companhia de Jesus (jesuítas) fundada por
Inácio de Loyola em 1531.
Paradoxalmente a Reforma Luterana é
muito benéfica à igreja romana, pois com a contrarreforma há a refontização, na
busca das verdades e das práticas que haviam sido perdidas.
Limerique
ResponderExcluirPor um milênio de cultural inédia
O que para nós parece comédia
Um mundo sem crescimento
A espera do renascimento
O que denominamos Idade Média.
Mestre Chassot!
ResponderExcluirConfesso que nunca havia pensado em outro ponto devorarem para Medievo/Modernidade diferente da 'queda de Costantinopla' ou 'Invenção da imprensa'. Agora adiro a proposta de "31 de outubro de 1517". O senhor acaba de me fazer luterana.
Obrigado
Mariana
Leia-se: ponto de viragem
ResponderExcluirMestre Chassot: Coincidentemente o fim não acabou,os vassalos serviam os senhores feudais em troca de moradia,alimentos proteção etc...hoje temos políticos criando verdadeiras mansões,castelos e os vassalos com suas choças não podem se aproximar, vemos todos os dias manifestações dos jovens (revoltas) uma população doente, condiçóes de vida precárias no nordeste,e até mesmo mestre como você falou um certo senhor sugerindo bonus para uma cabloquinha.Nessa época também os senhores obrigavam os servos a trabalharem. conclusão mestre estamos vivendo uma " PESTE NEGRA " da moral. Valeu mestre por mais uma aula um forte abraço Ley
ResponderExcluirO avanço da tecnologia e as novas técnicas talvez sejam um dos marcos mais relevantes da chamada era moderna que pos fim ao periodo medievo. Foucault destaca em "Vigiar e Punir" a criação da "polícia médica" numa tentativa de controlar os malefícios trazidos pelos novos burgos os quais se transformavam-se em grandes cidades. Os burgos cresceram, viraram cidades, metrópolis, megalópolis. O homem antes isolado no campo ou lugarejo, hoje em meio a multidão nunca esteve tão sozinho. Se tivemos o século das luzes, podemos dizer com certeza que estamos no século das trevas.
ResponderExcluirabraços