ANO
7
|
|
EDIÇÃO
2440
|
Neste domingo outonal
brindo meus leitores com um comercial de apenas um minuto que é uma verdadeira
joia.
Álvaro Pereira
Júnior, graduado em química e jornalismo pela USP, com especialização em
jornalismo científico pelo MIT, publicou no sábado de Páscoa, na
"Ilustrada" da Folha de S.
Paulo, uma excelente crônica Um chocolate para Audrey. Não resisto em transcrevê-la aqui na busca de convidar a cada
uma e cada um para adoçar este domingo com um lindo filmete de um minuto. Veja: bit.ly/WgmM8g.
Eis o cenário e a linda descrição da cena:
Em algum ponto
da costa italiana, provavelmente no sul do país, o ônibus municipal tem de
parar. Algo bloqueia a praça principal da cidadezinha. Gritos, tumulto, gestos
exagerados tão típicos, melancias e abóboras espalhadas pelo chão.
O motorista do
ônibus e um carroceiro que interrompeu o caminho jogam a responsabilidade um no
outro. Ouve-se uma voz: "A culpa não é minha, é do Gino" (parece que
Gino é o nome de um burrico).
Dentro do
ônibus, resignação. Naquele lugar onde os penhascos mergulham no Mediterrâneo,
e vilarejos despontam em ângulos impossíveis, não existe espaço para a
ansiedade. Ninguém se levanta, nenhum passageiro vai brigar com o motorista.
Simplesmente esperam a bagunça ser resolvida para seguir viagem.
Audrey está no
ônibus. Está mas não está. As vicissitudes da vida provinciana não significam
nada para ela. De lencinho preto amarrado no pescoço, Audrey gosta de sonhar.
Leva no colo uma bolsa, que ela abre, e vemos lá dentro um tablete de chocolate
Chocolate!
Combustível dos sonhos da doce morena. Ela pisca os olhos, imagina-se em um
lugar muito melhor do que dentro de um ônibus em uma vila italiana, quem sabe
uma região do planeta onde a vida realmente aconteça.
É como a
personagem Holly Golightly, do filme "Bonequinha de Luxo": a
provinciana que deixou para trás a família e o tédio do sul dos Estados Unidos,
e se mandou para Nova York em busca de glamour.
A Audrey presa
no transporte coletivo italiano, frescor e beleza exalando de cada poro, é a
atriz Audrey Hepburn (1929-1993). A mesma que interpretou Holly Golightly no cinema.
Voltamos ao
ônibus, onde, inspirada pelo chocolate, Audrey sonha com uma vida mais
empolgante. Mas espere: e se ela não precisasse da imaginação para sair dali? E
se fosse, de verdade, levada a outro lugar?
A cena tem
agora trilha musical. Começa "Moon River", o tema de "Bonequinha
de Luxo", na voz da própria Audrey. Mas não essa Audrey sonhadora do
ônibus. É a Audrey do filme, ou melhor, Holly Golightly, atormentada pelo
passado caipira, tentando conquistar uma metrópole que sabe não lhe pertencer.
De volta à
pracinha, onde motorista e carroceiro ainda discutem. Um bonitão, pinta de
playboy napolitano, guiando um conversível, para ao lado da janela de Audrey.
Os olhares se
encontram. Com um movimento discreto do braço, o "bello" a convida para
o lugar vago ao lado dele.
Sair daquele
ônibus sem precisar sonhar, ser levada dali, sem prazo ou destino. Como
resistir?
Audrey joga a
cabeça para trás, pede licença ao passageiro do lado. Dá uns poucos passos,
desce dois degraus --pronto, está na rua. Tão leve, tão delicada, ela não anda,
flutua. Segura as laterais do vestido branco esvoaçante de bolinhas pretas, dá
a volta pela frente do ônibus. Sorrindo, em um gesto tão doce quanto furtivo,
rouba o boné do condutor.
Perdeu,
playboy do conversível. Audrey não vai ficar a seu lado. Ela põe o boné do
motorista na cabeça do galã, e senta-se no banco de trás.
Conformado, o
moreno namorador engata a primeira e segue pela estrada sinuosa, agora como
motorista particular. Audrey abre de novo a bolsa, tira o chocolate, come,
enfim, uma fileira.
Milagrosamente,
o vento não embaraça seus cabelos negros presos em rabo de cavalo. Porque
Audrey, essa Audrey impossivelmente linda, não existe.
É um avatar
hiperrealista, criado para um comercial inglês de chocolate. Um prodígio de
técnica, ao mesmo tempo assustador e fascinante. Veja: bit.ly/WgmM8g.
O filme
publicitário é um tributo à juventude e aos desejos que a simbolizam. Mas é
também o relato de uma felicidade inalcançável.
Como se uma
paisagem tão deslumbrante, uma jovem tão desesperadamente bela, um encontro tão
fortuito, tudo isso só pudesse existir em um roteiro fictício, com a
protagonista criada por um programa de animação em 3D.
Ainda restam
alguns segundos do comercial. A canção se aproxima de um dos versos mais
primorosos da história da música popular ("two drifters off to see the world",
nem me atrevo a traduzir)
Audrey, o
avatar de Audrey, recosta-se no banco, suspira, fecha os olhos. O destino não
importa mais, muito menos o Apolo de província que pilota o carrão.
Ela só queria
chocolate.
Limerique
ResponderExcluirAudrey se delicia com chocolate
Conduzida pelo belo bonifrate
Porque em seu sonho
Por demais bisonho
Não há um delicioso tomate.
Curioso obsevar como a sociedade atual se faz cada vez de Audreys. Meninos e meninas sonham vidas mirabolantes muitas das vezes entoadas em novelas ou filmes. Só que a telinha mágica vive do que vende, e nem sempre o que vende é o melhor modelo de caráter. Geralmente não é.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge