ANO
7
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Dom
Pedrito /
Porto
Alegre
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EDIÇÃO
2439
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Já estou
retornando à Porto Alegre, onde devo chegar às 05h, depois de profícua jornada pedritense.
Com anunciei ontem, brindo a meus leitores agora a um conto que poderá, talvez,
ser profético.
PAPA
FRANCISCO, O BREVE
— Dom Francisco! Dom Francisco!
Padre Giordano não sabia se insistia
ou deixava o papa estender seu cochilo diante do notebook, no qual repousava um
par de óculos embaciado. Já passara da hora da janta. A irmã Pierina dizia que
qualquer sopa que se preze tem um ponto limite de cocção. Ela insistia: era
preciso acordar o papa...
A primavera romana já tinha mais de
duas semanas, mas naquela sexta-feira, 5 de abril, o inverno insistia em se
fazer presente. A casa de Santa Marta era gélida. O apartamento que Francisco
escolhera para ser sua residência está com a calefação desativada. Mas alguém
que vem ‘quase’ do fim do mundo não se amedronta com um inverno mediterrâneo.
— Ora Padre Giordano, eu não dormia!
Ouvia os choramingos de nossa competente cozinheira que deseja ir dormir e vem
falar em limite de tempo de cozimento de sopa. Balela. Entre um cochilo e outro
revisava mentalmente um texto que acabei de escrever. Quando alguns cardeais o
conhecerem, ratificarão o que dizem os jornalistas: “Francisco, aquele que sempre
surpreende!”
— Quem sou eu para lhe dar conselhos...
Vou repetir o que já disse. Vá devagar com o andor! O santo de barro. Eu
acredito, que eles já quebraram um
santo!
— Giordano! Chega de maledicências!
Que tal darmos vez a nossa abuelita? Diga a Pierina que dentro de 10 minutos
queremos jantar. Preparem uma mesa com três lugares...
— Que hóspedes surpresas o senhor terá
hoje? Em sua agenda não consta ninguém a ser recebido. O cardeal Estevão telefonou
já duas vezes está noite querendo saber se o senhor já jantara.
— Deixe em paz o cardeal chefe da
cúria. Ele ainda não se convenceu que tem que apascentar o seu rebanho... Meus
hospedes são irmã Pierina e Padre Giordano. Vocês conhecerão o primeiro esboço
de minha homilia de Pentecostes, onde falarei ‘ex-cathedra’, isto é, usando do
privilégio da infalibilidade.
— Falta mais de um mês para
Pentecostes e já pensa na homilia de então... Vou também fazer um anúncio.
Primeiro, um agradecimento em nome da irmã Pierina e em meu, agradeço o convite
para o jantar. Quando for avisar a cozinheira, vou abrir um malbec que chegou
de presente desde Mendoza. Aliás, se o senhor autorizar, vou sugerir ao
monsenhor Balduíno, que ele diga à imprensa, especialmente à argentina, que deixe
de enviar presentes ao papa. As vinícolas italianas hão de protestar; nos
supermercados nos arredores vaticanos não se vende mais vinhos, pois o senhor
tem abastecido generosamente os consumidores locais com vinhos argentinos que
lhe são presenteados a cada dia. Não sabemos o que fazer com a quantidade de
erva-mate que chega. Muitas das embalagens de erva-mate e garrafas de vinho vêm
com rótulos personalizados com imagens do senhor.
— Padre Giordano! Assunto fora de
pauta... Claro que pode avisar o porta-voz acerca de minha desejada cessação
dos presentes. Escolha o melhor vinho mendocino para rimar com sopa de nossa
Pierina e também providencie aquela seleção de tangos de Gardel. Já estou
prelibando a sopa, o vinho e os tangos e, mais especialmente, a companhia de
vocês dois.
A sopa estava gostosa e as conversas
eram triviais. Francisco perguntou a Pierina há quanto tempo ela ‘engordava’
papas e cardeais.
— Estou aqui desde 1978. É a primeira
vez na minha vida que sento à mesa com um papa ou cardeal. Quando houve a morte
misteriosa do sorridente João Paulo I — aquele que por primeiro recusou a
coroação —, no seu 33º dia de papado, o cardeal Sodano trocou, então, todos os
serviçais mais próximos ao papa. Cheguei da Sicília antes do sepultamento de
Albino Luciani e para lá tinham sido repatriadas mais de uma dúzia de irmãs de
minha congregação. Servimos a casa papal há mais de um século, mas como talvez
conhecêssemos demais, quando morreu João Paulo I houve liminar substituição.
Isto de não se fazer necropsia em papas deixa ainda hoje interrogações.
— Meus queridos Pierina e Giordano
falar do passado me encanta. Mas os convidei para falar do futuro. Quero
repartir com vocês algo que vou anunciar, invocando inspiração do Espirito
Santo, na homilia do domingo de Pentecostes, no dia 19 de maio. Não preciso
dizer-lhes que é absoluto segredo. Claro que quando eu autorizar, o padre
Giordano poderá dizer que falarei ‘ex-cathedra’ anunciando importante decisão.
— Posso prever que ainda não é anúncio
da decisão do sacerdócio feminino nem da possibilidade da ordenação de homens
casados. Para tal não se completou um dos três meses que senhor concedeu à
comissão. Estou muito curiosa para chegada do dia de São Pedro, quando for
anunciada duas das mais desejadas reformas esperadas há tantos papados. Se
fosse mais jovem aspiraria ao sacerdócio.
— Santidade! Tenha cautela! Sei dos
bochinchos que já ouvi sobre os dois assuntos evocados por irmã Pierina!
— Padre Giordano! Repito que já disse.
Não quero que me chame de ‘Santidade’! No domingo de Pentecostes vou anunciar
que no dia de São Pedro, dito primeiro Papa, deixará de existir o Estado do
Vaticano, como país. Seremos apenas uma diocese em Roma.
— Dom Francisco! O senhor está doido!
Desculpe, isso é inconcebível. O senhor não pode. Ou melhor, não deve se
atrever a fazer isso. O senhor terá o mesmo fim de Albino Luciani! Como o
senhor vai desejar fazer isso! Sei que violo competências atribuídas a um secretário
particular, mas...
— Santo Padre! Existe o tratado de
Latrão que tem a clausula da irrevogabilidade. Este já vige desde 1929.
— Irmã Pierina! Padre Giordano! O
tratado de Latrão, como estão a me recordar é mais velho que eu. Há outro
tratado mais anoso que nós três juntos. Tem dois mil anos. Lembram o que nos
conta João que Jesus disse a Pilatos quando este o interrogou: “O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo,
pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora
o meu reino não é daqui”
(João 18:36). A igreja fundada por Jesus não pode ser um pais. O Vaticano como
país não se sustenta na teologia cristã. Somos uma igreja e não um Estado.
—
Santidade! Digo dom Francisco, desaparece o Estado, desaparece o banco, o
correio e selos, a moeda...
— Desaparecem
cidadanias privilegiadas que já vi nestes anos de cozinheira acobertarem
escândalos.
— Meus
amigos! Aguardemos a chegada de um novo Pentecostes para igreja. Até lá apenas
veladamente se saberá que o Papa fará uma promulgação importante.
— Santo
Padre — sei que o senhor não gosta deste vocativo — parece-me brilhante sua
ideia, se é que uma cozinheira pode avalizar uma ideia papal, mas pelo que lhe
admiro, tenho medo que o senhor entre para a categoria de João Paulo I, os
breves papas.
— Santidade!
Seu secretário endossa as palavras de sua cozinheira. Lembro, ainda, que
suicídio é pecado!
— Vamos
dormir! Lembrem que estão sujeitos a sigilo em função do cargo que exercem! Não
esqueçam o exame de consciência e o ato de contrição nas orações da noite! Rezem
por mim. Se tivessem minha idade lembraria a leitura de ‘A imitação de Cristo.’
Seis semanas
depois: Pentecostes
, domingo, 19 de maio de 2013.
Praça de São Pedro lotada. Talvez quase
250 mil pessoas. O domingo é gostosamente primaveril. A missa foi transferida
da basílica para praça. Sabia-se que o papa falará ‘ex-cathedra’. Com
autoridade da proclamação de um dogma.
Francisco circula entre a multidão em
um papamóvel aberto. Há mais de uma dezena de paradas. Bandeiras e faixas de
diferentes países e idiomas. Uma em português o emociona: “Papa Francisco! Em
dois meses fizeste mais pela Igreja que outros papados em 20 anos. Te esperamos
no Brasil!”
Começa a missa. Pierina e Giordano estão
indóceis. A missa se arrasta. O evangelho cantado em grego parece não ter fim.
Finalmente a homilia. Francisco é sorridente. Pierina cochicha para Giordano: “Naquela
noite com minha sopa ele estava feliz assim!”. O outro retruca: “Era o vinho e
os tangos!”
Queridos
irmãos e irmãs! Agradeço ao Senhor por poder celebrar esta Santa Missa de meu
primeiro Pentecostes inserido no ministério pietrino com cada uma e cada um de
vocês. O evangelho de hoje nos narra quanto o Espirito Santo transformou a
Igreja.
Mas esse transformar é permanente. Uma prova
disto é que hoje, ao final desta missa assinarei primeira bula papal deste pontificado
decretando que a partir do próximo dia 29 de junho, dia da celebração litúrgica
de São Pedro, o primeiro papa, estará extinto para fins de direito e de fato o
país hoje denominado Stato della Città del Vaticano e...
... quando a multidão começava um uníssono aplauso, estupefata vê o
papa cair para frente. Só há uma pergunta sem resposta: uma parada cardíaca ou
morte por tiro de fuzil telescópico silencioso?
Sensacional o conto, lembra-nos do personagem real o Papa "Mercúrio" . Detentor deste nome de santo pagão foi o primeiro papa a mudar de nome adotando o nome de João II, criando assim um hábito adotado até os dias de hoje. Muito embora estivesse nas graças do imperador Justiniano, morreu após manifestar aceitação ao retorno à igreja de 216 bispos arianos da Africa. Seu papado só durou dois anos.
ResponderExcluirabraços
Antonio Jorge
Limerique
ResponderExcluirLá no Vaticano aqueless egrégios
Dizem que extinção é sacrilégio
Mas a verdade pura
Não contém candura
Estão preocupados com privilégios.
Chassot,
ResponderExcluirurge pensares com seriedade na carreira de literato/ contista.
Parabéns pela excelente crónica.
Estou expectante por mais histórias.
Abraços,
Guy
Lindo conto, porém não creio que profético seja. O atual há de ter sido provavelmente indicado pelo anterior. Este, o anterior, ex-chefe da polícia do vaticano (que absorveu e escondeu todas as tristes execuções da "santa" inquisição) por certo que conhecia de tudo e "de todos" um pouco. Não foi difícil eleger-se. Ao abdicar em vida pode usar novamente de sua mesma influência para "sugerir" o "próximo". Se a profecia de São Malaquias (conhecido como a profecia dos papas) for verdadeira... certamente que do anterior herda não somente o cargo mas também o favor de um estado soberano que reine acima da justiça do próprio Deus que diz representar. Profético talvez e infelizmente seria ver uma "Inquisição 2.0".
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