ANO
9 |
EDIÇÃO
2991
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De maneira muito frequente divago na busca de explicações, para
entender como livros invadem nosso sequenciamento de leitura. Há uma fila
sempre sujeita a furo. Tenho em lugar estratégico, com mais de meia dúzia de
livros que esperam vez. Está fila não tem o respeito democrático da ordem de
chegada. Há sempre há os que ‘se intrometem’.
Sou um privilegiado, pois ganho muitos livros e muitas sugestões:
Ainda ontem, um ex-aluno querido escreveu: Oi Chassot, recentemente li um livro que pudesse te
interessar, se é que já não leste, li-o em papel, mas vasculhando a internet, o
encontrei no endereço abaixo... As pessoas sabem fazer
agrados. E o livro chega e seduz. Termina postergando outros.
Já há um tempo, dois amigos londrinos enviaram: “Galinhas
e Cerveja: Uma receita para o crescimento”. Há cerca de quatro anos, recebera deles “Há mais
bicicletas, mas há Desenvolvimento?”. Títulos que convidam a leitura;
Teresa Smart e Joseph
Hanlon são dois pesquisadores que tem expertise em Moçambique. Uma e
outro, de maneira continuada, já desenvolvem trabalhos na África há mais de um
quarto de século. Teresa e Joe
já me acolheram, em mais de uma oportunidade em sua casa, localizada de maneira
privilegiada próxima ao British Museum; já tive também a honra de tê-los em
minha morada. Os dois livros aqui referidos são sobre este país, hoje uma sociedade
estrutura com a marca capitalista, que antes de ter vivido uma era socialista
com Samora Machel, foi uma vez foi colônia portuguesa.
Galinhas
e cerveja mostra que Moçambique importa alimentos e ao mesmo tempo
aqueles que os produzem continuam pobres porque a produção agrícola é muito
baixa. A maioria das pessoas continua a cultivar a terra como faziam os seus
avós, com enxadas de cabo curto. Há, na descrição de Joe e Teresa, todavia algo
novo: desde o fim da guerra, há duas décadas, surgiram agricultores mais
dinâmicos, que, segundo estimativas, são cerca de 68 mil pequenos e médios
agricultores comerciais.
Se, há não muito tempo, os agricultores tinham apenas um hectare
de terra e usavam a enxada como ferramenta agrícola. Hoje, cultivam entre três
e vinte hectares e produzem principalmente para comercializar. Porém os dois
pesquisadores acentuam que o apoio para estes agricultores emergentes vem quase
inteiramente de fora de Moçambique. As companhias estrangeiras, que produzem
sob contrato, promovem o plantio de tabaco e de algodão. As organizações
não-governamentais e agências internacionais, em programas de ajuda a
comunidades emergente, orientam a produção de soja e de mandioca.
Para os pesquisadores, manter as famílias na sua machamba (termo
moçambicano para propriedade agrícola, segundo o Priberam), de um hectare e a
desbravar a enxada, é mantê-las permanentemente na pobreza, porque a maioria
desses pequenos agricultores não tem dinheiro para comprar sementes e adubos.
O livro destaca que os próprios produtores agrícolas
moçambicanos podem tomar a dianteira se tiverem apoio para expandir a sua área cultivada
e tornarem-se agricultores profissionais (= viverem da agricultura), pois, assim
seriam criados empregos rurais, seria estimulada a economia rural, e no fim,
seria reduzida a pobreza rural.
Contudo, estes camponeses teriam de ter ao seu dispor toda a
terra e nenhuma seria colocada nas mãos do investimento estrangeiro. É urgente
uma escolha política.
E por que Galinhas e
cerveja? Este é o titulo do capítulo sete. Neste se relata a produção de
galinhas pelo sistema de contrato, com grandes empresas estrangeiras. Pelo
relato pareceu-me algo assemelhado entre nós nos chamados “sistemas integrados”
para a produção de fumo, frangos, suínos. Isto sempre me pareceu um sistema de
iludir — e explorar, é claro — os agricultores que emprestam a terra e a mão de
obra para se achar grandes produtores. Mas não tenho maiores dados da situação
moçambicana. Já vi no Rio Grande do Sul, agricultores ditos ‘integrados ou
cooperados’ explorados. Sobre a cerveja aprende-se que o milho e mandioca são
matéria prima para a produção de fermentados.
Quem quiser conhecer mais acerca do assunto, pode encontrar
algumas transcrições do livro na rede. Há muito mais além de meu breve
comentário.
Sobre o "sistema integrado" meu pai já o usou. O agricultor visualiza possibilidade de ganhos com culturas alternativas. Em tese é muito interessante. No entanto fica-se dependente das empresas detentoras do "empreendimento", diga-se capital, custeio e destino do produto. E, principalmente do conhecimento que as empresas detém. Enquanto se está possibilitando lucros à empresa empreendedora todos ganham. Mas, se a referida resolve parar, os agricultores é que perdem muito mais, pois são dependentes de tudo.
ResponderExcluirPenso que se precisa ter conhecimento para não depender das poucas empresas que dominam. Um exemplo são as sementes selecionadas (geneticamente modificadas) que se encontram, em sua grande maioria, nas mão da poderosa Monsanto.
Coisas da voracidade do capital: Controlar o conhecimento para explorar sem concorrentes. Resultando em concentração, concentração, concentração, muitos lucros e poder para dominar.
Estou delirando???
Inclusive há o questionamento sobre as sementes híbridas das quais não se produziriam sementes ficando assim os agricultores eternamente dependentes das grandes empresas. É um quadro apocaliptico. O capital é a desgraça do mundo.
ResponderExcluirMestre Chassot,
ResponderExcluireste esquema dos ‘integrados’ é a maior burla nos colonos. Eles pensam que são grandes produtores, mas na verdade emprestam suas terras e sua mão de obra a grupos que os mantêm cativos. Isso se assemelha quase a trabalho escravo.
O prof. Vanderlei também trouxe informações nesta direção. Em Moçambique deve ser a mesma praga.
Michaela