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domingo, 12 de outubro de 2014

12.- UMA ORIGINAL NARRATIVA DO CÍRIO

ANO
 9
Livraria virtual em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2924

Nesta sexta-feira (10) começou oficialmente a programação de procissões do 222º Círio de Nazaré, com a procissão do Traslado, que leva a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré de Belém, passando por municípios da região metropolitana, até a Igreja Matriz de Ananindeua. O percurso total da romaria é de 55 quilômetros, com a participação de 1,3 milhão de romeiros na tradição católica. Neste domingo as comemorações têm em Belém e em várias cidades amazônicas suas celebrações maiores.
Hoje a imprensa publica edições especiais. O Liberal de Belém, em sua edição especial de hoje, publicará uma crônica: O Círio, os romeiros e a ferrovia do jornalista e sociólogo José Carneiro, leitor diário e prestimoso colaborador deste blogue. O Carneiro antecipa aqui seu texto, numa distinção aos leitores que visitam está página. Nesta blogada uma reverência à religiosidade amazônica, que ainda nesse ano vi aflorar fecunda em Belém (quando visitei uma vez mais a basílica), Manaus, Rio Branco e Macapá. O círio de Nazaré reúne hoje milhões de pessoas nestas quatro capitais.
Eu só comecei a participar fisicamente da principal procissão do dia do Círio de Nazaré a partir de 1960, quando deixei Castanhal a fim de iniciar o curso ginasial em Belém, no Colégio Marista, cujo nome também homenageia a padroeira de Belém do Pará. Eu contava, então, doze anos de idade e só conhecia o Círio de Nazaré por meio das transmissões de rádio. Lembro-me que numa dessas transmissões, ouvi o locutor falar em “multidão compacta” para tentar descrever o gigantismo da procissão. Vários anos depois me encantei com a tese de mestrado do amigo sociólogo Isidoro Alves, transformada no livro “Carnaval Devoto”, cujo titulo é significativo da mistura do profano e do sagrado e ainda com Eidorfe Moreira, ao dizer que “em termos de comparação o Círio é a correspondência humana da pororoca”, quando a romaria vai num crescendo até desaguar no clímax da chegada da berlinda à Basílica de Nazaré, se espraiando pelo largo, hoje denominado de Centro Arquitetônico de Nazaré.
Mas, naquela época em que eu ainda vivia em Castanhal, o Círio, para mim, tinha a ver com a estrada de ferro, o principal meio de transporte para Belém, em fase já decadente embora mantendo os seus horários diários para a capital do estado, em viagens cansativas e monótonas. Às vésperas da grande procissão, uma das principais devotas na cidade, dona Cecilia Andrade, muito benquista por que, sendo cega de nascença, dedicava-se incansavelmente às causas da Igreja Católica, fretava um comboio (não lembro de quantos vagões, sei que não eram muitos) e durante a semana anunciava aos romeiros interessados aquela forma especial de ir a Belém participar da romaria. Esse anúncio, feito em serviço de alto falante instalado na principal avenida da cidade (exatamente por onde passava o comboio ferroviário), dizia que o trem sairia na madrugada de domingo e, na chegada a Belém, antes da procissão, os passageiros, todos romeiros, teriam direito a um café “reforçado” (a nota enfatizava esta palavra, que eu nunca pude confirmar em que consistiria aquele reforçado café matinal). O trem fretado retornaria com os promesseiros logo depois da procissão, e não falava em almoço. Convém informar aqui que aquela viagem de trem entre Castanhal e Belém, sem paradas, devia durar em média cerca de três horas. Hoje, sob o meu olhar tão distante da época, aquela programação da saudosa dona Cecilia Andrade deveria submeter os promesseiros de Castanhal a um sacrifício extra, embora compatível com o espirito da procissão, já que o comboio partiria de Castanhal as quatro da manhã, chegando em Belém, na estação de São Braz, as 7 horas. De lá, uma pernada inicial até o Berço de Belém (dirigido pela Congregação do Preciosíssimo Sangue, cujas freiras castanhalenses eram muito amigas da indigitada dona Cecilia Andrade) para o tal café reforçado e, em seguida, a pé ou de ônibus em direção à procissão que, nesta altura do dia, já teria saído da Catedral da Sé para o seu tradicional percurso. E depois de todo esse esforço havia o retorno, pelo mesmo caminho e certamente às pressas, para não perder a partida do trem, que anoiteceria em Castanhal. Minhas memórias desta peregrinação religiosa e ferroviária de Castanhal a Belém derivam exclusivamente da nota de propaganda lida pelo locutor comercial de Castanhal, pelo único meio de divulgação de qualquer coisa, caso dos alto falantes. Nunca tive oportunidade de ver o comboio com os peregrinos partindo de Castanhal ou chegando a Belém, e vice versa. Sei que a repercussão doméstica me dava conta de que a viagem era festiva. E durante todos os Círios, invariavelmente, sempre me vem a mente a figura de dona Cecilia Andrade, sua devoção religiosa e o frete do comboio ferroviário.
Atualmente, a peregrinação de castanhalenses para o Círio de Nazaré é feita numa caminhada de vários dias pela rodovia asfaltada que cobre o trajeto dos antigos trilhos da ferrovia, e até por água, principalmente utilizando o rio Guamá. Muitos param a noite para dormir à beira da rodovia, outros vêm de bicicleta e há os que assistem a tudo apenas pela televisão. São meios diferentes de participar e louvar a imagem da Virgem de Nazaré em procissão. Coisa que a dona Cecilia Andrade, da minha terna lembrança, nunca teve a felicidade de ver, por culpa de sua deficiência visual, que todavia jamais prejudicou sua devoção. É o Círio de Belém do Pará, sob variadas formas.

7 comentários:

  1. Muito estimado Mestre!
    a edição de hoje remete a sua continuada afirmação em textos e palestras: “Religiosos ou não, vivemos em um mundo religioso!”
    Ao relato dos Círios amazônicos — particularizado na magnifica descrição belenense saborosa de José Carneiro —, poderia se acrescentar a tradicional romaria estadual da Medianeira em Santa Maria, que hoje se realiza em sua 71ª edição e próprio feriado de hoje, que marca a hegemonia (hoje decadente) da igreja católica romana.
    Cumprimentos ao mestre e a José Carneiro,
    L L L

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  2. Mestre chassot,
    A blogada de hoje valeria só pela imagem de abertura.
    Linda a figura naïf que ilustra a publicação. Ela traduz a data de hoje: Dia das crianças.
    Maria Lúcia Serpiens

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  3. Caro amigo prof. Chassot:


    Meu ego quase estourou com o comentário, que agradeço a você, pela generosidade de me acolher em seu blogue.
    Grande abraço nesta ressaca pós-cirio.
    José Carneiro

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  4. Peço a gentileza de citar o autor da ilustração: Morandini

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    1. Ao artista Morandini!
      desculpa não ter citado sua autoria excelente ilustração. Desconhecia. Agora, ante seu alesta, faço aqui o merecido registro e peço que releve não te-lo feito, há um ano.
      attico chassot

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    2. Prezado mestre Attico Chassot,
      primeiramente agradeço-lhe a atenção e peço-lhe desculpas pelo possível tom impessoal do alerta.

      Esta imagem em particular tem sido alvo de uso indevido em massa. Ela foi criada por originariamente por mim para a Paratur e hoje é comercializada sem minha autorização nas mais diversas lojas de Belém. Assim, sempre que identifico alguma cópia em sites e blogs, solicito a inclusão do crédito para que não haja desculpas por parte desses 'piratas' em alegar ignorância da autoria.

      E se há males que vem para bem, este meu ato serviu para conhecer seu blog, o qual visitarei breve com a atenção e calma que ele merece.

      Fica aqui o agradecimento desse 'arteiro' paulista que, apesar de não conhecer pessoalmente, é um verdadeiro fã da festa do Círio, pois lá se vão 7 anos criando imagens para o evento!

      Um abraço:

      Morandini
      www.morandini.com.br

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  5. Morandini, agora já estimado!
    realmente há males que vem para bem. Cresce minha admiração pelo belo quadro. Também aprendi, a partir de tua bem posta suave admoestação, a admirar outros trabalhos teus.
    Enviei meu adendo ao Jose Carneiro autor do texto que tua obra enriquece.
    Obrigado pelas atenciosas referências a meu blogue.
    Com espraiada admiração
    achassot

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