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quinta-feira, 31 de julho de 2014

31.- MITO: UM ÓCULO PARA CONTEMPLAR O MUNDO


ANO
 9
EDIÇÃO
 2851

De vez em vez, tenho comentado aqui, acerca do assestar óculos para contemplar o mundo natural. Numa apropriação de uma metáfora de Thomas Kuhn (1922-1996), talvez, um dos mais importantes epistemólogos do século 20, uso discutir e comparar: senso comum, pensamento mágico, saberes primevos, mito, ciência e religião. Nesta edição, que encerra julho, pretendo comentar algo acerca de mito.
Mito é algo (coisa ou pessoa) que não existe, mas que se supõe real. Ou ainda, personagem, fato ou singularidade que, não tendo sido real, simboliza não obstante uma generalidade que se deve admitir.
Para Junito de Souza Brandão (2000), talvez, entre nós, uma das maiores autoridades no assunto, “mito é narrativa de uma criação: conta-nos de que modo algo, que não era, começou a ser” (p.36). O mito é, usualmente, uma representação coletiva, transmitida através de gerações, buscando explicações para a origem e o continuado governo do mundo. Aqui, mito não tem conotação de fábula, lenda, invenção, ficção. Brandão (2000) destaca “a acepção que lhe atribuíam, e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas sociedades primitivas, onde o mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais” (p. 35).
Pode ser um humano ou outro ser, que é imortalizado ou mitificado[1] em vida ou após a morte. Podemos ver isso quando acompanhamos o processo de ‘construção’ de um herói (artista ou esportista) ou de um santo. Parece ser senso comum afirmar que “é bom (o político) morrer no Brasil. O morto deixa de ser humano, com defeitos e qualidades, e é, de maneira quase imediata, canonizado”.
Enquanto escrevia este parágrafo, recebo propaganda de um livro: “Esta é, provavelmente, uma das obras mais completas sobre Jesus, que desmistifica o Jesus deificado, fazendo surgir o homem, o Jesus histórico, tão humano e por consequência, tão mais Divino”. Pareceu-me inconsequente: Desmitifica-se para divinizar.
Talvez, pudéssemos afirmar que o dogma não apenas é antípoda do mito, mas também impede que este viceje. Tento um exemplo. Se olharmos as três religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo, islamismo — talvez pudéssemos dizer que é a ortodoxia, ou de uma maneira mais simples, a fidelidade ao monoteísmo[2], que sustenta e garante, por serem disciplinadas por livros sagrados, a unicidade histórica. Todavia, se compararmos estas três culturas milenares (que compõem, ainda hoje, uma expressiva parcela populacional do Planeta) com os gregos há 2,5 mil anos A.P., veremos que estes, por não terem ‘um livro sagrado’ têm múltiplos relatos para explicar, por exemplo, (sua) cosmogonia[3].
A descrição da criação do mundo na cosmogonia judaico-cristã narrada no Gênesis e na 2ª surata (a vaca), no Alcorão daqueles de fé islâmica, por exemplo, tem leitura assemelhada nos dois textos citados. A ortodoxia é vigilante na preservação canônica, conforme aos cânones ou aos dogmas do Livro (Bíblia ou Alcorão). Por outro lado os gregos têm diferentes relatos de como foi o início dos tempos. Há para tal o mito de Gaia, de Dionísio e outros. Uma cosmogonia, como a narrada no mito de Pandora, de maneira ostensiva faz um relato machista, como procuro evidenciar em A Ciência é masculina? É, sim senhora! Ela narra uma das muitas disputas entre os deuses.
Há uma pergunta que aflora impertinente. Qual a diferença de mitos gregos dos relatos bíblicos ou corânicos?
[1]Mitificar: converter em mito, tornar mito. Confrontar: Mistificar: Abusar da credulidade de alguém. = ENGANAR, LOGRAR
[2] Sistema ou doutrina daqueles que admitem a existência de um único Deus. As três grandes religiões monoteístas atuais são o judaísmo, cristianismo e o islamismo. A rigor, nem o judaísmo nem o cristianismo são religiões monoteístas O cristianismo é trinitário e judaismo é henoteista (segundo Max Muller, orientalista alemão, 1823-1900), forma de religião em que se cultua um só Deus sem que se exclua a existência de outros. Assim, apenas o islamismo é rigorosamente monoteísta.
[3] Cosmogonia (do grego κοσμογονία; κόσμος "universo" e -γονία "nascimento") é o termo que abrange as diversas lendas e teorias sobre as origens do universo de acordo com as religiões, mitologias e ciências através da história.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega, 14ed. Vol.1. Petrópolis: Vozes, 2000.







2 comentários:

  1. Quem quer, vê

    O homem na sua curiosidade insana
    Pra tudo que enxerga quer explicação
    De onde tanta coisa estranha emana?
    Qual seria a verdadeira origem então?

    “Óculos” ele os usa para ler à sua volta
    E supõe que assim encontra a verdade
    Contudo apenas sua imaginação solta
    Muito além de qualquer credibilidade.

    Diz ele, tenho resposta para o que vejo
    Está nas escrituras, inventei a religião.
    Entretanto essa criatura sem traquejo,
    Salta de galho em galho nessa ilusão.

    Se crer na ciência pura não é ensejo,
    Cai nas garras sinistras da superstição.

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  2. A finitude é nossa única certeza, como já disse Sêneca. E por essa certeza precisamos de muletas para viver. A fé nos traz paz de espírito e resignação para a miserável existência humana. De ridícula criatura nos transmutamos em senhores do universo. Inventamos máquinas que descortinam os recantos mais virgens do universo. Criamos curas, remendamos a vida, nos sentimos poderosos ao ponto de invertermos o papel na relação Criador criatura. Inexoravelmente o tempo passa, envelhecemos, as certezas se tornam incertezas, e o medo do desconhecido aflora tornando o mais corajoso sábio em inquieto moribundo a implorar por um apoio, é o que chamamos "o recurso do afogado". Aquela última mão agarra-se a qualquer coisa na iminência do fim. Felizes aqueles que tem fé.

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