ANO
8 |
Livraria virtual em www.professorchassot.pro.br
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EDIÇÃO
2783
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Depois
de meu périplo belenense de quase semana, cheguei em casa, cerca do meio-dia,
depois de varar madrugada em voos: Belém / Belo Horizonte / Campinas / Porto
Alegre.
Senti
a transição térmica. Os 11ºC daqui não pareciam muito diferentes dos gelados
auditórios e salas de aula. O Norte e o Nordeste brasileiros têm uma dívida
ambiental com o Planeta. Locupletam-se com ar condicionado.
Mesmo
retornado, fica um pouco de mim em Belém. A oportunidade de convívio com amigos
como Conceição Cabral e José Carneiro, não nos deixam voltar sem reter-nos um
pouco lá.
Como
diz a Conceição, há sempre ‘passagens e paragens em Belém’. Por
tal, essa
blogada traz um texto do José Carneiro. O tema vale para Belém e para a maioria
das cidades brasileiras, grandes ou pequenas. Vale ler sentindo-se engarrafado.
A dura (i)mobilidade urbana É indiscutível que o
planeta terra se urbanizou expressivamente, de um modo muito mais rápido do que
se poderia prever. As primitivas polis
aristotélicas, pressupostas pelo filósofo grego como o lugar ideal para o
cidadão viver, foram gradativamente se transformando nas megalópoles do atual
século XXI, em função, sobretudo, do êxodo rural, com suas causas conhecidas,
de expulsão e de atração. Com o inchaço desmedido das cidades, sobrevieram
todos os problemas bastante conhecidos de quem as habita. Seria necessário
enumerá-los? Há para todos os gostos, por isso dispenso-me dessa relação neste
espaço, hoje reservado para uma reflexão sobre a chamada “mobilidade urbana”,
expressão tão simpática quanto caótica, que está mudando a feição do mundo e
interferindo nos hábitos e costumes da população. Como se locomover nas grandes
concentrações urbanas? De um lado, temos a perspectiva aristotélica de bem
comum, de outro as imensas possibilidades da engenharia e, entre esses
extremos, o caos nosso de cada dia, concentrado no trânsito rodoviário mas não
apenas nele. São muitas as mazelas que agridem o individuo em sua convivência
urbana, necessitando de deslocamento cada vez mais complicado para o trabalho,
para o lazer, para as emergências da saúde, num frenesi que acaba por solapar
um dos direitos fundamentais da cidadania, o de ir e vir ao bel prazer de cada
um.
Voltando a Aristóteles, é curiosa sua percepção da
dimensão adequada do espaço para a satisfação humana na vida social, ou seja, a
extensão e os correspondentes limites da polis seriam determinados pelo alcance
do projetil disparado pela arma mais potente, precisando se levar em conta que
ainda não havia sido conhecida a pólvora. Não deixava de ser plausível, em se
tratando de uns tempos mais moderados, quando até a democracia podia ser
exercida de forma direta pelos próprios cidadãos. Tudo pertinente para tempos
tão remotos. Hoje os sonhos e as realidades são bem diferentes. O excesso de
veículos, em aquisição estimulada e facilitada pelo governo, e a restrição nas
vias de tráfego, aparecem como os obstáculos principais, com maior visibilidade
e irritabilidade para os congestionamentos, useiros e vezeiros em todas as
grandes cidades, com maior ou menor agravamento, dependendo da gestão e dos
recursos. Como sabem muito bem os entendidos, a engenharia pode fazer quase
tudo, depende de haver recursos para isso. Daí se pensar nas caríssimas
soluções à vista, mas distantes, como metrôs de superfície, subterrâneos,
tuneis ou elevados de passagens, novas vias pavimentadas etc.
Poucas cidades brasileiras, aqui incluídas também
capitais, dispõem dos recursos necessários para obras de tamanho vulto, capazes
de minorar as agruras das populações. De modo que, entre a visão simpática de
Aristóteles e as metamorfoses que a engenharia poderia produzir na paisagem,
existem as medidas atenuantes, que logo são superadas pelo crescimento
avantajado dos problemas. Cidades como Belém, por exemplo, dispondo de vias
fluviais cercando a cidade, ainda não souberam agir com sagacidade para
aproveitar as nossas “estradas naturais”, desafogando as vias artificiais,
poluidoras e causadoras de mais calor e mais incidentes. Já houve tentativas
nesse sentido, sem continuidade e o quadro permanece à espera de quem implante
um projeto consistente. Nem a filosofia, nem a engenharia, talvez nos reste o
que a natureza oferece, impedindo que a mobilidade urbana chegue ao colapso.
Será que agora é só esperar?
Então, ir e vir é direito ou desafio?
ResponderExcluirSobre os gelados auditórios, imagine-se por 4 horas dentro de um auditório cheio de pessoas, com o calor e a umidade daqui de Belém, sem ar condicionado. Uma umidade que pode chegar a 95%, tendo a média de 85% ao ano. Quando se está na rua é quase insuportável (sentiste, né?), imagina em espaços fechados!! A gente usa o termo "breado" (preguento) pra designar o estado que se fica no calor úmido. O problema do ar condicionado é que a pessoas não regulam o ar para uma temperatura amena, é sempre 18ºC. Os calorentos sempre vencem. Outros fatores são a arquitetura dos prédios, que não favorece e nos obriga a usar os aparelhos. Não se tem nem janelões para abrir.
ResponderExcluirCom relação à energia elétrica, sabes que temos energia elétrica pra dar, vender e emprestar, né? Fomos beneficiados com a Hid.Tucuruí (construída para produção de alumínio para exportação) que está operando 50% e nos atende bem e a outros. Belo Monte não será construída para nos atender. Não precisamos de Belo Monte. O sudeste, que não tem energia, que deveria ter a suposta consciência, não tem, que dirá de quem tem energia sobrando. Sei que este não é um argumento politicamente correto, mas... perco o amigo , mas não perco o argumento (risos). Eu falo pouco, mas na escrita (mais risos).
Conceição
Querida Conceição,
ExcluirPrimeiro, comento teu final: jamais perderias o amigo.
Reconheço que pisei na bola com a abertura desta blogada.
Fui preconceituoso com o Norte e Nordeste.
Isto dá azo a uma blogada especial.
Vou me redimir.
achassot
Tudo parado
ResponderExcluirO bicho homem, animal gregário
Se junta em aglomerada cidade
Como que encolhido no armário
Ganha calor e perde intimidade.
Com milhões de veículos povoa
O que deveria ser lugar de gente
A locomoção então se esboroa
Numa avenida onde seria fluente.
E pensando em ser rápido para
Naquele solo de asfalto coberto
E vê que para pior tudo mudara.
Pensou Homo em fazer o certo
Com sua inteligência assaz rara
Contudo mostrou não se esperto.
Querido mestre!
ResponderExcluirVou falar de algo que parece que não tem a ver com sua blogada, porém, a meu ver, aproxima-se... Faz aproximadamente 15 dias que, após algumas conversas com minha cunhada que tem uma loja de produtos naturais e formação em enfermagem, retirei o glúten da minha alimentação. O resultado, ao menos por enquanto, é uma redução muito importante nos episódios de enxaqueca e dor de cabeça. Por que falo isso no comentário da blogada sobre ar condicionado super gelado e sobre trânsito caótico? Porque sou uma pessoa que tem esperança e acredita na utopia. De sobra. E a realidade me faz entrever frestas de possibilidades. Após parar com o glúten, tenho conversado com pessoas ao meu redor que também estão resignificando a alimentação a partir de conselhos e sugestões oriundos de saberes primevos. São pais, avós, tios que comem batata doce, aipim, tapioca e tantos outros alimentos ao invés dos pães, bolos e biscoitos. Acho que, no que diz respeito à alimentação, estamos revisitando antigos valores. Podemos fazê-lo também no que se refere à construção de prédios e mobilidade urbana. Por mais que o discurso da ciência e da tecnologia seja muitas vezes de um desenvolvimento retilíneo, esquecendo as práticas e saberes de nossos antepassados (nem tão antepassados assim), na prática, em muitos contextos buscamos recuperá-los. Resumindo, acredito na transformação de valores. Se não o fizermos por consciência da necessidade, nossa saúde e sobrevivência tornarão urgente que o façamos. Assim, acredito na mudança a partir de minha própria capacidade de mudar... Um grande abraço!
Querido professor Chassot, permita-me ajudá-lo a assestar os óculos para olhar uma cidade na altura da linha do Equador.
ResponderExcluirSobre os gelados auditórios de Belém, o problema é que as pessoas mantêm o aparelho sempre em 18ºC, favorecendo os calorentos. Agora, imagine-se por 3 a 4 horas dentro de uma sala cheia de pessoas, sem ar condicionado e com o calor e a umidade daqui de Belém. A temperatura não é tão alta – 26ºC a média anual –, mas a umidade – que chega a 95%, com média de 84% - potencializa o desconforto. Diz-se que se respira água. Quando se está na rua, você bem sabe, é quase insuportável, imagine em espaços fechados!! A gente usa o termo "breado" (preguento) pra designar o estado em que se fica nesse calor úmido. Um dos problemas é a arquitetura inadequada aos trópicos, que não nos dá alternativa a não ser usar os refrigeradores. Em outras épocas, com o pé-direito bem alto, janelões, ausência de edifícios e muitas árvores, a coisa devia ser bem diferente.
Sobre o excesso de refrigeradores de ar e a dívida com o planeta, é pela produção de gases ou pelo uso de energia? Aqui temos energia pra dar e vender, e uma única hidrelétrica que, operando com 50% da capacidade, atende ao Pará e a outros estados. Por essa (e outras) não precisamos de Belo Monte. Talvez, nossa dívida com o planeta resulte da construção de hidrelétricas, uma dívida que se estende à população do entorno, geralmente remanejada. Mas, pelo volume de água que temos, a hidrelétrica parece ser a mais adequada forma de geração de energia. Sobre educar para economizar energia, fica difícil educar um povo que tem sempre energia elétrica e a qualquer hora, quando o sudeste, que carece de energia e que deveria ter uma suposta consciência não o tem. Sei que este último não parece ser o melhor fundamento, mas corro o risco de perder o amigo, mas não perco o argumento. Voltando aos aparelhos de ar refrigerado, não lhe tiro de todo a razão, pois aqui temos muita energia, mas uma distribuição ainda deficiente, e a sobrecarga no uso de aparelhos pode deixar alguns bairros com falta de luz, o que é lamentável.
Querido Attico,
ResponderExcluiro problema da (i)mobilidade urbana é crescente e cada vez mais constante no trânsito caótico criado pela urbanidade. Não adianta abrir vias rápidas. Elas serão ocupadas por novos carros.
A única solução possível é o investimento em um transporte público de qualidade, de forma a estimular mais pessoas a deixarem seus veículos em casa. Por enquanto, opto cada vez mais pela bicicleta. Para efeitos de comparação, ao deslocar-me para o trabalho a dezoito quilômetros de casa gasto 100 minutos ao vir de carro (aproximadamente 10 Km/h) e 40 minutos, quando de bicicleta (aproximadamente 27 Km/h). É a minha solução possível, neste momento.
Abraços,
PAULO MARCELO