ANO
8 |
em fase de transição
|
EDIÇÃO
2624
|
Rigorosamente
chegamos à última semana do ano. Cada vez mais entramos no efusivo tsunami das
festas. Nossas agendas se adensam.
Esta semana
poderei participar de até quatro comemorações que me estavam vedadas. Deveria viajar
nesta segunda-feira à Boa Vista — única capital de estado brasileiro no
hemisfério Norte — para participar amanhã das bancas Leila Ghedin e Iliane
Ghedin. Na última quinta-feira fui comunicado que não havia lugar em voo para regressar.
Assim a última viagem do ano não acontece e posso cumprir compromissos aos
quais justificara ausência.
Na última
sexta-feira, após a dolorosa edição acerca do terrível Krokodil, o assunto
central foi serendipidade. Prometi,
então, nas edições seguintes algumas descobertas serendipitosas. Ontem trouxe o
famoso eureca de Arquimedes (Siracusa, 287 a.C. – 212 a.C.). Hoje, depois de
evento de 2.300 A.P. conecto o tema a um dos sonhos mais famosos da História da
Ciência.
No século 19,
especialmente depois de Friedrich Wöhler sintetizar em 1928 a ureia a partir do
cianato de amônio e com isto abater o vitalismo a Química Orgânica teve grande
impulso. A busca das formas estruturais era algo muito importante.
Na estrutura
dos hidrocarbonetos a monovalência do hidrogênio e a tetravalência do carbono
era fulcral. As fórmulas de alcanos, alcenos e alcinos ratificavam a teoria. Todavia,
havia um hidrocarboneto — benzeno: C6H6 — para o qual não
se encontrava proposta que pudesse responder as exigências de valências antes
citadas.
O benzeno foi
descoberto em 1825 por Michael Faraday (1791 - 1867) no gás de iluminação usado
em Londres na época. Em 1834, o químico Edilhardt Mitscherlich determinou a
fórmula molecular do benzeno como sendo C6H6.
Durante muitos
anos os químicos se esforçaram para descobrir como os seis átomos de carbono e
os seis de hidrogênio estavam dispostos dentro da molécula do anel benzênico.
Já na metade
do século 19, vários cientistas haviam proposto diferentes fórmulas estruturais
para essa molécula. Porém nenhuma dessas proposições conseguia explicar as
reações apresentadas pelo benzeno. Foi então que Friedrich August Kekulé von
Stradonitz, mais conhecido por apenas Kekulé
(1829 - 1896), em 1865, depois de um sonho, propôs a ideia do anel hexagonal,
completada no ano seguinte com a hipótese da existência de um par de estruturas
em equilíbrio, com a alternância de ligações duplas.
Esta proposta
surgiu de um sonho relatado pelo próprio Kekulé: “...Estava sentado escrevendo meu manual, mas o trabalho não progredia;
meus pensamentos estavam dispersos. Virei minha cadeira para a lareira e
adormeci. Novamente os átomos saltavam à minha frente. Desta vez os grupos
menores permaneciam modestamente no fundo. Meu olho mental, aguçado pelas
repetidas visões do gênero, discernia estruturas mais amplas de conformação
múltipla; longas fileiras às vezes mais estreitamente encaixadas, todas rodando
e torcendo-se em movimentos de cobra. Mas veja só! O que é aquilo? Uma das
cobras havia agarrado a própria cauda e a forma rodopiava de modo a debochar
ante meus olhos. Como se à luz de um relâmpago, despertei; e desta vez, também
passei o resto da noite tentando estender as consequências da hipótese.
Senhores, aprendamos a sonhar, e talvez então encontraremos
a verdade [...] mas também vamos ter cuidado para não publicar nossos sonhos
até que eles tenham sido examinados pela mente desperta.” [ROCKE, A. J. Hypothesis and experimentation in the
early development of Kekulé’s benzene theory. Annals of Science, v.42, p.
355-381, 1985 apud Jane Raquel Silva de Oliveira, UFSCar http://cdcc.sc.usp.br/]
Eis um evento
serendipitoso: a proposta de Keekulé de uma estrutura em forma de anel para benzeno:
C6H6 associada as ligas duplas em ressonância — ainda
hoje aceitas na Química moderna — advém de seu sonho com serpente engolindo a
própria cauda.
Meu querido Attico,
ResponderExcluirpermita-me um adendo: a cobra sonhada por Kekulé era já bastante conhecida dos alquimistas: o ouroboros, um símbolo de eternidade e infinito (a cobra enrolada não tem fim nem começo), além de representar a perpetuação, que Kekulé pode ter relacionado com a estabilidade química apresentada pelo benzeno.
Grande abraço,
PAULO MARCELO
Muito caro colega e amigo Paulo Marcelo,
Excluirbem lembrado a tua referência a ‘sonhada’ serpente. A Wikipédia ensina que: “Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro) é um símbolo representado por uma serpente, ou um dragão, que morde a própria cauda. O nome vem do grego antigo: οὐρά (oura) significa "cauda" e βόρος (boros), que significa "devora". Assim, a palavra designa "aquele que devora a própria cauda". Sua representação simboliza a eternidade. Está relacionado com a alquimia, que é por vezes representado como dois animais míticos, mordendo o rabo um do outro. É possível que o símbolo matemático de infinito (∞) tenha tido sua origem a partir da imagem de dois ouroboros, lado a lado.”
Muito obrigado por tua sempre inestimável ajuda.
attico chassot
Benzeno
ResponderExcluirKekulé viu na cobra mordendo o rabo
Para a molécula de benzeno a solução
Não atribuiu o sonho a nenhum diabo
Mas à sua férrea busca de inspiração
Procurava ele sem trégua noite e dia
Aromática molécula sem nenhum laréu
Qual não foi então sua imensa alegria
Quando viu a cobra em forma de anel
Ficou assim para sempre consagrado
Um cruciante problema ele resolveu
Químicos hoje desfrutam desse legado
Que Kekulé durante um sonho nos deu
Hoje ele com Newton está lado a lado
É venerado na Alemanha onde nasceu.
Uma introdução sobre kekuleé a estrutura molecular apartir dos sonhos
ResponderExcluir