ANO
8 |
em fase de transição
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EDIÇÃO
2610
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A
pauta da edição foi enviada por uma leitora, sempre abispada em suas sugestões.
Dela recebi o endereço da coluna de Luís Nassif no GGN — o Jornal de todos os Brasis. A raiz da matéria estava na coluna ‘Minha História’ do caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo da quinta-feira, 28NOV2013. Na reportagem Joana
Cunha traz o depoimento de Babá brasileira virou professora universitária e luta por direitos dos
domésticos nos EUA
Há
20 anos, a brasileira Natalicia Tracy desembarcou nos EUA acompanhada de um
casal de médicos, também brasileiros, que a contrataram para ser babá por um
período de dois anos, enquanto eles realizariam pesquisas em um hospital de
Boston.
Ela
pretendia aproveitar a oportunidade para ir à escola, aprender inglês e, assim,
procurar um novo emprego quando voltasse. Porém, foi impedida de estudar, de
falar com a família e submetida a condições degradantes. Hoje, ela é ativista,
diretora do Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut e uma
das lideranças na ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos no país.
Leia o depoimento dela:
Eu
entrei nos Estados Unidos há 20 anos com documentação em dia: tinha um visto
pelo contrato de babá para cuidar da criança de um casal de médicos
brasileiros, que veio morar aqui para desenvolver pesquisas em um hospital em
Boston.
Quando
ainda estávamos no Brasil, eles me prometeram que eu poderia estudar, conhecer
a cultura americana e aprender inglês, que era o que eu mais queria, porque eu
só tinha estudados até a oitava série.
Viajei
cheia de expectativas, mas não foi isso o que aconteceu quando cheguei.
Além
de cuidar da criança de três anos, fiquei responsável por todo o trabalho
doméstico: cozinhar, lavar e passar. Isso acontecia de segunda a segunda, sem
folga.
Não
me deixaram ir para a escola. E logo tiveram uma segunda criança, o que
aumentou o meu trabalho e acabou com o meu sonho de estudar inglês.
No
começo, me deram um quarto, mas depois, como recebiam muita visita, me
colocaram para dormir em um colchão no chão da varanda.
O
local era protegido apenas por um vidro bem fininho, e quando chegou o inverno,
eu tinha que cobrir o chão com jornais e usava o aquecedor portátil.
Fiquei
doente e tive uma reação alérgica por causa de um produto para limpar o tapete.
Não me levaram ao médico, mas permitiam que eu usasse o restante do produto de
inalação da criança.
Comida,
me davam só quando sobrava. Caso contrário, eu tinha de comprar. Mas eu só
podia escolher um sanduíche de US$ 1,00 no McDonald's porque o meu salário era
de US$ 25 semanais.
Pegaram
o meu passaporte dizendo que iam renovar o meu visto de trabalho, mas nunca
renovaram. Eu fiquei ilegal nos Estados Unidos.
Quando
eu pedia para estudar, a mãe dizia que eu era ingrata e que qualquer pessoa na
minha situação beijaria o chão onde ela pisasse por ter me dado a oportunidade
de estar em um país de primeiro mundo.
O
pior de tudo foi terem me impedido de me comunicar com a minha família no
Brasil. Diziam que o telefone era muito caro e não permitiam que eu colocasse
meu nome na caixa de correio da casa deles. Naquela época, o carteiro não
deixava as correspondências se o nome não estivesse na lista.
Dois
anos se passaram e, quando chegou a hora de eles voltarem ao Brasil, eu pedi
para ficar no país.
Quando
eu andava na rua, sem saber falar inglês com ninguém, pensava até que seria
melhor se um carro me atropelasse. Então, aprendi algumas palavras com um
pequeno dicionário que eu trouxe na bagagem.
Achei
no jornal de anúncios um emprego de babá para uma família americana. Eles me
deram quarto, roupas novas, me pagaram o transporte para eu ir à escola e não
aceitaram a minha oferta para trabalhar de graça. O meu salário era de US$ 100
por semana.
Fui
para a faculdade, me casei com um americano, fiz mestrado e estou terminando o
meu doutorado em sociologia na Boston University. Conheci a comunidade
brasileira e me envolvi com o centro de imigração.
Hoje,
sou professora na University of Massachusetts Boston e diretora-executiva do
Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut.
Em
parceria com outras organizações, lutamos para ampliar os direitos dos
trabalhadores domésticos nos Estados, uma questão sensível para a comunidade
brasileira.
Muitos
trabalham por hora na limpeza doméstica, mas os direitos são pouco reconhecidos
nesses contratos. Me engajei nisso por causa da minha própria existência.
A
gente que vem de família mais simples está muito acostumado a respeitar
autoridade. Eu sabia que eu era invisível para eles, mas não questionava.
Hoje,
depois de estudar, eu compreendi que o que os meus patrões brasileiros fizeram
comigo naquela época foi tráfico humano.
Muito bonita a reportagem, só que hoje em dia, acredito que por estudar direito eu sinta a necessidade de se dar "nome aos bois" para haver o contraditório.
ResponderExcluirMestre Chassot! Esse é mais um exemplo de que a elite brasileira está muito acostumada a explorar as classes subalternas. Ainda ontem assistia a reportagem do Trabalho Escravo no país, num canal de TV a Cabo. Basta que surjam as oportunidades e lá estão as classes dominantes oprimindo e explorando as pessoas menos informadas. Persiste ainda o espírito lusitano do início da colonização brasileira de exploração. Abraço do JB
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLimerique
ResponderExcluirA trato como escrava que fora
Agradeça-me por ser sua tutora!
Dizia a patroa embonecada
Mas se era empregada
Natalícia tornou-se professora.
Nossa Chassot, enchi os olhos de lágrimas com o depoimento dela, e penso no tanto de pessoas que ainda passam por isso. Obrigada por dividir conosco esta história. E parabéns para Nalicia que reescreveu sua história com muito louvor. Abraços meu querido professor!
ResponderExcluirMestre Chassot,
ResponderExcluiradiro aos agradecimentos feitos pela Gabriella. Mais uma vez seu blog emociona seus leitores.
A história desta mulher que, mesmo sendo escravizada por seus patrões (com uma formação acadêmica que envolve humanidades, se fez uma vencedora poderia constar em manuais de educação para a cidadania.
Laurus L Lima