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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

02.- BABÁ BRASILEIRA TORNA-SE PROFESSORA UNIVERSITÁRIA NOS EUA

ANO
 8
em fase de transição
EDIÇÃO
 2610

A pauta da edição foi enviada por uma leitora, sempre abispada em suas sugestões. Dela recebi o endereço da coluna de Luís Nassif no GGN — o Jornal de todos os Brasis. A raiz da matéria estava na coluna ‘Minha História’ do caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo da quinta-feira, 28NOV2013. Na reportagem Joana Cunha traz o depoimento de Babá brasileira virou professora universitária e luta por direitos dos domésticos nos EUA
Há 20 anos, a brasileira Natalicia Tracy desembarcou nos EUA acompanhada de um casal de médicos, também brasileiros, que a contrataram para ser babá por um período de dois anos, enquanto eles realizariam pesquisas em um hospital de Boston.
Ela pretendia aproveitar a oportunidade para ir à escola, aprender inglês e, assim, procurar um novo emprego quando voltasse. Porém, foi impedida de estudar, de falar com a família e submetida a condições degradantes. Hoje, ela é ativista, diretora do Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut e uma das lideranças na ampliação dos direitos dos trabalhadores domésticos no país. Leia o depoimento dela:
Eu entrei nos Estados Unidos há 20 anos com documentação em dia: tinha um visto pelo contrato de babá para cuidar da criança de um casal de médicos brasileiros, que veio morar aqui para desenvolver pesquisas em um hospital em Boston.
Quando ainda estávamos no Brasil, eles me prometeram que eu poderia estudar, conhecer a cultura americana e aprender inglês, que era o que eu mais queria, porque eu só tinha estudados até a oitava série.
Viajei cheia de expectativas, mas não foi isso o que aconteceu quando cheguei.
Além de cuidar da criança de três anos, fiquei responsável por todo o trabalho doméstico: cozinhar, lavar e passar. Isso acontecia de segunda a segunda, sem folga.
Não me deixaram ir para a escola. E logo tiveram uma segunda criança, o que aumentou o meu trabalho e acabou com o meu sonho de estudar inglês.
No começo, me deram um quarto, mas depois, como recebiam muita visita, me colocaram para dormir em um colchão no chão da varanda.
O local era protegido apenas por um vidro bem fininho, e quando chegou o inverno, eu tinha que cobrir o chão com jornais e usava o aquecedor portátil.
Fiquei doente e tive uma reação alérgica por causa de um produto para limpar o tapete. Não me levaram ao médico, mas permitiam que eu usasse o restante do produto de inalação da criança.
Natalicia (na foto de Helenita Morais/Folhapress)
Comida, me davam só quando sobrava. Caso contrário, eu tinha de comprar. Mas eu só podia escolher um sanduíche de US$ 1,00 no McDonald's porque o meu salário era de US$ 25 semanais.
Pegaram o meu passaporte dizendo que iam renovar o meu visto de trabalho, mas nunca renovaram. Eu fiquei ilegal nos Estados Unidos.
Quando eu pedia para estudar, a mãe dizia que eu era ingrata e que qualquer pessoa na minha situação beijaria o chão onde ela pisasse por ter me dado a oportunidade de estar em um país de primeiro mundo.
O pior de tudo foi terem me impedido de me comunicar com a minha família no Brasil. Diziam que o telefone era muito caro e não permitiam que eu colocasse meu nome na caixa de correio da casa deles. Naquela época, o carteiro não deixava as correspondências se o nome não estivesse na lista.
Dois anos se passaram e, quando chegou a hora de eles voltarem ao Brasil, eu pedi para ficar no país.
Quando eu andava na rua, sem saber falar inglês com ninguém, pensava até que seria melhor se um carro me atropelasse. Então, aprendi algumas palavras com um pequeno dicionário que eu trouxe na bagagem.
Achei no jornal de anúncios um emprego de babá para uma família americana. Eles me deram quarto, roupas novas, me pagaram o transporte para eu ir à escola e não aceitaram a minha oferta para trabalhar de graça. O meu salário era de US$ 100 por semana.
Fui para a faculdade, me casei com um americano, fiz mestrado e estou terminando o meu doutorado em sociologia na Boston University. Conheci a comunidade brasileira e me envolvi com o centro de imigração.
Hoje, sou professora na University of Massachusetts Boston e diretora-executiva do Centro do Imigrante Brasileiro em Massachusetts e Connecticut.
Em parceria com outras organizações, lutamos para ampliar os direitos dos trabalhadores domésticos nos Estados, uma questão sensível para a comunidade brasileira.
Muitos trabalham por hora na limpeza doméstica, mas os direitos são pouco reconhecidos nesses contratos. Me engajei nisso por causa da minha própria existência.
A gente que vem de família mais simples está muito acostumado a respeitar autoridade. Eu sabia que eu era invisível para eles, mas não questionava.
Hoje, depois de estudar, eu compreendi que o que os meus patrões brasileiros fizeram comigo naquela época foi tráfico humano.

6 comentários:

  1. Muito bonita a reportagem, só que hoje em dia, acredito que por estudar direito eu sinta a necessidade de se dar "nome aos bois" para haver o contraditório.

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  2. Mestre Chassot! Esse é mais um exemplo de que a elite brasileira está muito acostumada a explorar as classes subalternas. Ainda ontem assistia a reportagem do Trabalho Escravo no país, num canal de TV a Cabo. Basta que surjam as oportunidades e lá estão as classes dominantes oprimindo e explorando as pessoas menos informadas. Persiste ainda o espírito lusitano do início da colonização brasileira de exploração. Abraço do JB

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  4. Limerique
    A trato como escrava que fora
    Agradeça-me por ser sua tutora!
    Dizia a patroa embonecada
    Mas se era empregada
    Natalícia tornou-se professora.

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  5. Nossa Chassot, enchi os olhos de lágrimas com o depoimento dela, e penso no tanto de pessoas que ainda passam por isso. Obrigada por dividir conosco esta história. E parabéns para Nalicia que reescreveu sua história com muito louvor. Abraços meu querido professor!

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  6. Mestre Chassot,
    adiro aos agradecimentos feitos pela Gabriella. Mais uma vez seu blog emociona seus leitores.
    A história desta mulher que, mesmo sendo escravizada por seus patrões (com uma formação acadêmica que envolve humanidades, se fez uma vencedora poderia constar em manuais de educação para a cidadania.
    Laurus L Lima

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