Porto Alegre * Ano 5 # 1730 |
Havia feito o propósito de nesta sexta-feira não falar das bodas real, até porque não será este humílimo blogue que possa ombrear com a imprensa toda poderosa que vive quase uma histeria envolvendo-se com o assunto.
Também não será meu texto que desengatilhará relógios – que por questão de fuso – farão algumas pessoas (... estava tentado a escrever: algumas mulheres, mas não posso ser preconceituoso) despertar mais cedo para não perder ao vivo aquilo que durante o dia será repetido, ad nauseam.
¿Qual é a diferença entre ver ao vivo ou olhar uma seleção aditada, tempos depois? Lembro-me de disputa infantil: eu que vou contar para mãe, pois fui eu que vi primeiro. Deve ser essa a justificativa – ver primeiro – para que hoje no Brasil alguns levantem às 5h (ou, por exemplo, em Nova York, às 3h) para ver a chegada dos noivos à Abadia de Westminster.
Soubesse eu que as câmeras farão um tour pela abadia e mostrassem os túmulos de Newton, Darwin ou Rutherford iria dar uma espiadela nas bodas, mesmo que em cada uma de minhas duas visitas à imponente ‘abadia’ visitei estes mausoléus, e, por exemplo, no de Isaac Newton me encantasse com o epitáfio da autoria do poeta Alexander Pope: A natureza e as leis da natureza estavam imersas em trevas; Deus disse "Haja Newton" e tudo se iluminou!
Não resisto, e estou aqui fisgado pelo casamento. Claro que este me diverte, especialmente pela sua hipocrisia. Qualquer pesquisa mostra o quanto os britânicos, em sua maioria, desejariam a República ao invés da monarquia, se houvesse um muito pouco provável plebiscito. É essa maioria que se comove com o casamento, que injetará algo como 1,6 bilhão de reais nas bancas rotas do Reino. Algo semelhante ao que se deverá auferir ali com as próximas Olimpíadas.
Oh tempora! Oh mores! – Oh tempos! Oh costume! Esta semana lia em um blogue de um colega, que ainda em 1960, ele tivera uma viagem postergada, pois um cavalo manquitolava (encanta-me este verbo, para expressar que o sujeito manca. Parece-me que manquitolar deixa o manco mais erudito) e, agora, ao voltar dos feriados da semana teve que agradecer e dispensar o GPS, pois este o induzia a erro. Lembro-me da propaganda em que a voz do GPS recomenda ao ilustre passageiro passar primeiro numa loja para comprar roupa, pois está vestido com inadequação para uma reunião que ele alega ter à insistente voz (feminina). Certamente já há estudos que constate: homens elegem voz feminina e mulheres, masculina no GPS. Ontem soube de um colega que elege, às vezes, ouvir as recomendações do GPS em italiano, para deleitar-se com o esbravejar sonoro na língua de Dante. Bom momento para mirar uma transição de meio século: do cavalo que manquitolava ao GPS que desencaminha. Já há mais de um ano, minha neta Maria Clara surpreendia-se que não tivéssemos GPS no carro. Para ela isso era inconcebível.
Olho, então, para a boda do dia (ou do século!) e vejo que há 30 anos a noiva homóloga, a princesa Daiane teve que fazer prova de virgindade para poder casar com Príncipe e a agora nubente, para usar uma linguagem bíblica, tão a gosto de alguns, já ‘conheceu o varão e com ele coabitou’ há mais de quatro anos. Oh tempora! Oh mores!
Esta hipocrisia me remete a outro badalado casamento real: aquele ocorrido no dia 22 de maio de 2004 na Catedral de Santa María la Real de la Almudena em Madrid, quando Príncipe Filipe de Espanha casou com Letizia Ortiz Rocasolano. A partir de então, Letizia tornou-se Princesa das Astúrias e presuntiva futura Rainha de Espanha. Ocorre que mesmo que a noiva fosse desquitada, o casamento ocorreu em engalanada catedral teve ate a presença de cardeal enviado pelo Vaticano, portando benção papal, com a noiva vestida de branco. Recordo em minha infância de casamentos em que padres proibiam a noiva casar de véu branco (ou os mais radicais: oficiavam a cerimonia privada na sacristia ou atrás do altar), para que publicamente se soubesse que a noiva não era mais virgem.
Chega de falar do show do dia. Gastei a cota da edição de hoje. Despeço-me com um convite para uma saborosa dica de leitura amanhã e votos de uma boa sexta-feira nupcial e uma constatação: certamente, muito breve, a noiva de hoje dirá: ‘estou com um rei na barriga!’
Caro Chassot,
ResponderExcluirComo sempre erudito, só que neste post mais descontraído, mais "light', gostei. Quanto ao "conheceu varão...", os gozadores de minha terra diriam: há controvérsia! Abraços, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluiro teu comentário sobre o GPS que desencaminha me fez lembrar das inúmeras viagens de carroça entre a cidade de Cachoeira do Sul e o sitio onde morávamos e trabalhavamos - sempre feitas de carroça. Certa noite, retornando para casa sob um temporal muito intenso. A noite era um "breu". Meu pai e eu sobre a carroça não conseguíamos enxergar nem os cavalos que tocávamos. Vez por outra vislumbrávamos a estrada e o entorno pela benevolência dos relâmpagos.
A viagem se desenrolava molhada e tenebrosa. Perguntei ao meu pai: "será que não vamos nos perder?" Ele respondeu: "Claro que não, Deus está conosco!". Embora a fé de meu pai, particularmente continuava cético.
Mais algum tempo e os cavalos pararam inesperadamente. Papai falou: "que será que houve?" Decemos da carroça para verificar. Estávamos diante de porteira de nossa propriedade.
Os GPS podem falhar, os cavalos sempre encontram o caminho a despeito de nossa fé ou de nosso ceticismo.
Um abraço,
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
Meu caro Jair,
ResponderExcluirhoje durante o esteirar na Academia tive chance de ver os melhores momentos das bodas: estranhei que só a noive recebe a aliança (com razão que esposa em espanhol signifique algema). Diverti-me com o besteirol dos comentários, a começas pelo embaixador do Brasil e também com os erros das legendas: O Cale-se para sempre, saiu cálice para sempre e dúzias de outros. Parece-me muito bonita o conhecer bíblico.
Obrigado pelo prestígio que conferes a este blogue (que amanhã anunciará o blog que pensa)
attico chassot
Muito querido colega Garin,
ResponderExcluirsabes que catalisaste com tua história uma evocação muito remota. Quando morávamos em Estação Jacuí, ali próximo a tua Cachoeira do Sul, meus pais foram ao Faxinal, na zona rural de Montenegro para apresentar o casal de gêmeos– o Paulo e Tile, meus irmãos – que tinham meses ao meu avô paterno, que já estava em seu leito de morte. Vieram para um reencontro familiar de Santa Terezinha do Forromeco (hoje no município de Bom Principio) um tio e uma tia (a tia Paulina, irmã de minha mãe). Lembro de uma cena de despedida. Aos votos de boa viagem, o tio Clemente disse; “A viagem de volta é mais rápida: o cavalo sabe o caminho!”. Isto deixou muito interrogante o menino de seis anos que habitava em mim. Realmente como tu contas, era completamente dispensável o GPS.
Espero que tenhas apreciado a liturgia do casamento real,
attico chassot
Saudações, professor. Tive a feliz oportunidade de asssistir a uma de suas palestras há alguns anos atrás, e, por assim dizer "me apaixonei" pelo senhor. Tenho dois dos seus livros, e com frequencia uso seus artigos e livros nos meus trabalhos.
ResponderExcluirVisite meu blog. Não é tão imponente e impressionante quanto o seu, mas tem até algo interessante.
Gosto das suas postagens, sempre atraentes e pertinentes. Parabésn pelo seu trabalho
Muito estimado Lúcio Cândido,
ResponderExcluirpor primeiro um carinhoso agradecimento pelo que represento no teu ser professor de Química , Vejo que és da querida Salvador onde já aprendi tanto com meus colegas professores e professores. Este ano estarei em encontro na UESC.
Encantei-me com a dimensão política que dás ao Aulas de Química e Cidadania. Hoje não podemos fazer um ensino asséptico. E sim com fazes em teu blogue, encharcado na realidade, como no texto de porquê aos produtores de cacau não chega o chocolate.
Parabéns. Obrigado pela tu presença neste blogue, que como o teu, procura fazer alfabetização científica.
attico chassot