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sexta-feira, 22 de abril de 2011

22.- Uma Sexta-feira (ainda) santa

Porto Alegre * Ano 5 # 1723

Ontem lia num blogue de um colega, relato de piedosa recordação de uma celebração da última ceia que ele realizou, enquanto pastor. Isto se contrapôs com notícia: amanhã – sexta-feira Santa – os supermercados abrirão normalmente. Parece que a religiosidade determinada pelas mega-igrejas se esboroa; mas são práticas como descritas em norberto-garin.blogspot.com – marcadas pela solidariedade – que fazem sentido. Hoje as igrejas parecem ganhar mais sentido quando elas se aproximarem aquilo que o cristianismo, por exemplo, foi na sua essência: uma rede social de auto-ajuda.

Cada uma e cada um de meus leitores, e não apenas os mais anosos, há de lembrar outras maneiras de guardar uma data como a de hoje. A Sexta-feira Santa talvez seja a data que na cristandade tenha/teve mais densas tradições. Recordo, em minha infância – ou até de meu mundo adulto – que nesse dia não ligávamos rádio (as emissoras, nesse dia, só apresentavam música clássica, sem qualquer comercial ou noticioso – talvez por isso que no meu imaginário a música clássica teve por um tempo associada à música fúnebre), não se varria a casa, não se ordenhava as vacas, falava-se baixo e cantar ou assoviar jamais; o risco de pecar por assoviar eu nunca corri, pois até hoje não sei fazê-lo. Já houve leitores que contaram aqui, em outras edições como a de hoje, que não podiam escovar os dentes ou pentear-se.A infração mais grave era pregar algo, pois então estaríamos repregando Jesus na cruz. Meu pai, marceneiro que era, neste dia guardava, a chave, seu ferramental.

Era o dia de colher marcela, antes que o sol secasse o sereno que o chá )que garantiria por um ano os problemas digestivo) recebera na noite da prisão de Jesus. A propósito desta tradição popular escrevi um “Uma sexta-feira (ainda) santa” que foi premiado no ‘Concurso os botos do rio Tramandaí’ [p. 51-63. In Botos do Rio Tramandaí. Porto Alegre / Tramandaí: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Prefeitura Municipal, 1992].

A mais fabulosa experiência de Semana Santa que vivi foi em 2002, na Andaluzia. Participei do domingo de ramos ao domingo de páscoa de mais de uma dezena de procissões em Córdoba, Granada, Cádiz e Sevilha. Foi algo inenarrável, mesmo que inesquecível. Quando na noite de hoje o plenilúnio – marca multimilenária na celebração da Páscoa – muito provavelmente ocorrerão a muitos evocações de tempos mais distantes.

Adiro à prática de muitos séculos de que hoje devemos nos abster de trabalhos servis – e blogar deve ser duplamente desrecomendado para esta data, pois é uma tarefa prazerosa – e faço desta edição algo menos extenso. Por supuesto que esta blogada corrobora minha tese: religiosos ou não / crentes ou não crentes, estamos imersos em mundo religioso. Meus votos de um dia marcado por um fruído ócio – na sua acepção mais genuína – são acompanhados de uma foto que evoca de minha semana santa de 2002, que antes evoquei. Faço um convite: amanhã uma edição pascoalina muito especial.

10 comentários:

  1. Adoro feriados religiosos como a páscoa e o natal.
    Não pelo apelo comercial, mas, comercial ou não, são dias de família. Independente da crença (inclusive a crença de não crer), são momentos religiosos... Se no cerne das religiões estão a familia, o afeto, os sorrisos, a caridade, a reflexão, são nesses feriados que nos tornamos, até sem ser religioso, um pouco mais próximos dos preceitos.
    Meu pai também fala dessa época das sextas feiras santas que o senhor narrou. Como vcs eram crianças os costumes religiosos se tornavam ainda mais misticos. Lembro-me da minha infancia, e o grave pecado de comer carne! Nossa, como era enfeitado e místico, kkkkkk eu ficava preocupada realmente. Certa vez, comi um sandwiche... e tinha presunto! Quando dei conta que presunto também era carne... Saí gritando pela casa da praia da minha avó, super preocupada com o que poderia acontecer comigo! kkkkkkk
    Super beijo
    Eunice

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  2. Muito querida Eunice,
    primeiro celebro teu retorno depois de sentida ausência. Obrigado por aditares recordações à data de hoje.
    Certamente hoje comer um sanduiche com presunto significara menos angustia. Sabe que teólogos já discutiram pos mais de um século se ovo galado quebrava as normas de abstinência de carne: houve uma decisão conciliar para resolver que se podia comê-lo.
    Um bom dia de feriado familiar para ti.
    Saudades

    attico chassot

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  3. Bom dia Professor!
    Concordo com o senhor ao dizer "...religiosos ou não / crentes ou não crentes, estamos imersos em mundo religioso."
    E me assusta e entristece perceber o quanto esse mesmo mundo insiste em fazer parecer ultrapassada toda e qualquer manifestação referente à Páscoa, por exemplo, já que é o momento em que vivemos agora.
    A notícia que o senhor coloca no início desta postagem, sobre os supermercados abertos, mostra o quanto as pessoas estão mais preocupadas com o 'coelho' que com o Cristo...
    Cada vez mais o comércio se sobrepõe à fé..e o mais triste é que as pessoas permitem isso!São raras aquelas que perpetuam tradições...
    Essa madrugada mesmo, fui acordada por um indivíduo que parou seu carro na pracinha em frente a minha casa e abriu portas e porta malas com um som tão alto que estremecia minhas janelas[fiquei a um tris de ligar para a polícia!]!Chegue a uma pessoa dessa e pergunte se sabe do que se trata tal feriado!Posso estar errada, mas duvido que saiba o verdadeiro significado!Só sabe que quer ficar sem trabalhar ou sem ter que ir ao colégio!E que, no final dará e/ou receberá chocolate, meio que por obrigação...
    Desejo uma santa e abençoada Sexta feira da Paixão ao senhor e aos seus!
    E que a Páscoa venha nos renovar!
    =D

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  4. JOSÉ CARNEIRO de Belém escreveu:
    Caro amigo prof. Chassot:

    Como sempre pertinentes suas evocações das semanas santas de sua infãncia. São quase iguais às minhas que, como já escrevi, tinham a ver com a exibição do filme "vida de Cristo", que fazia a festa do meu pai, pelo sucesso de bilheteria anual, que ele considerava "o verdadeiro milagre de Cristo".
    Mas hoje, em meio a caminhada não canônica que fizemos, a Conceição relembrou que na casa dela, no interior do Pará, havia recomendação, por parte da avó, de se colocar um pano nas torneiras para eliminar o eventual barulho da água caindo. Essa eu não tinha ouvido ainda. Que tal?
    E uma pergunta impertinente: não é meio deslocada - dado o seu sgnificado de "universalidade" - a palavra católica pespegada numa religião que não é universal?
    Grande abraço do

    José Carneiro

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  5. Thaiza querida,
    primeiro permito-me renovar o encantamento por cada um dos queridos comentários.
    Realmente, em um passado muito próximo os dias maiores das religiões eram respeitados de maneiras diferentes de hoje. Tu, ainda tão jovem, podes falar de como em tua infância era guardado um dia como o de hoje.
    Por outro lado alegra-me como ainda possamos trazer essas recordações, ouvindo um pouco essa grande mestra que é a História e aí advogo ouvirmos nossa história próxima. Há dia me contavas que ainda tens avós. Um conselho de Páscoa: ouve e registar história. Sem fazer presságios apenas uma lembrança de realidade: “Quando morre um velho é como uma biblioteca que queima!”
    Uma Páscoa abençoada para cada uma e cada um dos teu,

    attico chassot

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  6. Meu querido José Carneiro,
    primeiro esta de colocar um pano na torneira para a água não fazer barulho é o contraexemplo mais radical aos ‘barulhos’ das sextas-feiras santas hodiernas. Encantei-me e vou aditar as curiosidades à data.
    As tuas e minhas lembranças são muito parecidas pela marca ‘católica.’ Claro que o adjetivo é marcado pelo umbigo-centrismo do Ocidente. Ainda há uma rede de supermercado (que hoje está aberta) que diz na época do natal: “Há dois mil anos o mundo recebeu seu maior presente: Cristo!”. Contrapõe com a população de dois países (China e Índia) e a tese se esboroa.
    Recordo de ter lido nas memorias do Castanhal o quanto para proprietário de cinemas a semana santa era marcada por boa safra nas bilheterias. Nem isso acontece mais.
    Um abraço por tua presença sempre rica neste blogue
    attico chassot

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  7. Caro Chassot,
    Evocativa, clássica, histórica e culta (com sempre) tua blogada de hoje. Fico extasiado com a facilidade que você escreve as coisas, nos convence e nos deleita sem firulas ou rebarbas. Abraços, JAIR.

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  8. Caro Chassot,

    vou adicionar uma lembrança muito particular, mas que ilustra as recordações da sexta-feira santa. Minha mãe tinha uma prima (zona rural de Cachoeira do Sul). Um dia, ao se despedir dela disse: qualquer dia venho comer uma galinha contigo!

    Refletindo um pouco, sentiu-se culpada por impor à prima o sacrifício de uma galinha. Planejou cuidadosamente a sua visita seguinte: numa sexta-feira santa. Dessa forma, deliberadamente, impediu que a prima correpondesse à imposição dela.

    Acho que nunca conversaram sobre isso, mas a mãe comemorava essa façanha de como se livrou da culpa pelo possível sacrifício de uma galinha da prima.

    Boa sexta-feira e amanhã, novidades!

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.br/

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  9. Muito obrigado Jair,
    de vez em vez, neste blogar, lembro de minha mãe: “¿Que vou cozinhar amanhã?” Podes imaginar, éramos nove e recursos limitados. Pois me pergunto com frequência: “¿O que vou escrever amanhã?” Em quase cinco anos não faltei uma só vez aqui. Quando recebo comentários prenhes de fidalguia como este teu era quase se tu dissesses: a comida estava boa!
    Obrigado por seres leitor aqui

    attico chassot

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  10. Obrigado Garin,
    Por lembrares algo original. Evoca-me uma parábola judaica: “O rabino e a galinha” que vou reeditar aqui em momento oportuno.
    Que o dia de recolhimento seja profícuo.
    Com muita estima

    attico chassot

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